quarta-feira, março 30, 2005

2 Invernos severos a dividir por um T3 de 1864 = Férias forçadas

«Felicidade é a certeza de que nossa vida não está se passando inutilmente» convencia-se Eça de Queiroz por motivos bem mais sérios e comprometedores do que as obras inadiáveis lá de casa que me atrapalharam as rotinas: 2 Invernos : 1 Infiltração no T3 x 2 Vizinhos ausentes ( + 1 Telhado com 200 anos) = Férias forçadas em casa de amigos até aos "meios" de Abril*

(*) Se alguma vantagem tinha a escrita antiga sobre a contemporânea, era a da independência das suas ferramentas de trabalho (pena, aparo, papiro, etc) que, autónomas da precariedade do ambiente ou da tecnologica, permitiam sempre esboçar os rascunhos que a alma exigisse.
Robin Crusoé enfiado numa ilha desenrascou-se melhor e produziu um clássico.
Agora eu? Sem o desktop insignificante de "marca branca" à minha beira não tenho como blogar...

terça-feira, março 29, 2005

Sexo-expresso(XII) ou 'Querida Menopausa', a razão para o sexo de cordel


A Menopausa não é uma doença, é a (dis)função dos ovários que determina apenas um estágio na vida da mulher. Um mecanismo biológico que não tem idade predeterminada, apesar de ocorrer normalmente entre os 45 e os 55 anos.
Uma função natural para a retroactividade sexual e a defesa saudável e adequada da reforma definitiva dos ovários que fecham a torneira ás hormonas de estrogéneo e progesterona.
Não há relação directa entre a menopausa e o fim do ciclo sexual feminino, nem tão pouco existe relação entre a sua chegada e uma nova desenvoltura com o corpo íntimo. Apesar dos afrontamentos de calor e suores que não se revêem no roupeiro, da ansiedade fustigante da porta empenada, da irritabilidade ditadora para o desgraçado do marido ou do aumento indisfarçável dos n.ºs das camisolas que não disfarçam o volume da barriga e das mamas, é certo que quem de sexo gostava e fazia, CONTINUA A FAZÊ-LO e quem dele se mal abastecia, CONTINUA A TÊ-LO PARCO.
O que há de novo e importante para duas “menopáusicas” que motive a publicação de 270 páginas cozinhadas com correspondência pessoal trocada por ambas?
Segundo a editora trata-se da «partilha de experiências, sentimentos e dúvidas com liberdade entre duas amigas urbanas e independentes, assustadas e animadas pela própria coragem e, tantas vezes, castigadas ou fortalecidas por uma inquebrantável crença na vida e no seu mistério».
Hummmmmm…
Conseguirá Rita Ferro, autora de romances como “O Vestido de Lantejoulas”, “A Menina Dança” ou “Retrato de Uma Família”, abordar com humor e inteligência a vulgaridade em que se transforma o seu sexo?
Romantizar a figura desfeminizada pelo peso galopante, a queda de cabelo descontrolada que não acha um chapéu do Louis Vutton que a disfarce ou a técnica Laser de Diodo para a depilação definitiva dos pêlos que nunca acabam?
Conhecem donzelas com acne?
Será o humor depressivo, a tristeza enjoada consequente da perda de confiança no espelho marital que nos diz pouco convencido «claro, que estamos óptimas…» ou as falhas de memória todos os santos dias, condimentos plausíveis para a economista Helena Sacadura Cabral fazer sobre a menopausa reflexões brilhantes de uma imoralidade mais que merecida perante a nefasta e economicista sexualidade que perdeu a indecência pecaminosa?
Conseguirão duas “menopáusicas” de linhagem pública e creditada editar 270 páginas de pergaminhos pornográficos e lavoures libidinosos?
Estas autoras, perólas da literatura ficcional politicamente correcta e de etiqueta, teriam que abraçar a obscenidade do seu corpo que renegou para todo o sempre a fertilidade sedutora e a sensualidade expontânea.
Fazerem-se arrogantes ao sexo com classe e diplomático para dissertarem genuinamente sobre os contratempos da libido e do desejo desavergonhado que se esqueceu delas.
Mostrarem-se fiéis a nova revolução feminina que adivinha fronteiras delicadas e atreve-se a um novo culto do corpo e seus fluidos, ou seja, um verdadeiro espectáculo de criatividade sexual que não é qualquer um que esboça genialmente em parágrafos desbocados e verdadeiros!!!!!
Conseguirão??????
«A nossa diferença, minha querida Rita, reside na perspectiva. Tu tentas acreditar no milagre. Eu não acredito. Porque sei que, para ele acontecer, eu precisava de ser outra pessoa, e, mais grave ainda, eu não quero ser outra pessoa. Porquê, se isso talvez me permitisse ser mais feliz? Porque eu gosto de ser como sou e sei que, se me modificasse em função do ser amado, mais tarde ou mais cedo, fá-lo-ia pagar a pretensa transformação.» Helena Sacadura Cabral
«É verdade que o amor me transformou, mas agradeço-lhe! Na impossibilidade de vergar o outro à minha vontade e à minha necessidade – tu conheces o poder que as mulheres têm para descaracterizar um homem, segundo as suas conveniências -, dei comigo a transformar-me pouco a pouco. Com uma diferença: em vez de ser humilhada, ou, pior que isso, vencida, noto que me fiz melhor pessoa. Mais sólida, mais serena, mais generosa, mais liberta. Mais Alegre.» Rita Ferro
Hummmmmmm, parece-me que não tiveram essa coragem……

segunda-feira, março 28, 2005

A mim já me aconteceu. E a vocês?

Se questionarem alguém sobre fantasias, ou melhor, sobre o que nunca esperariam que lhes acontecesse, ouviriam - entre outros exemplos - qualquer coisa como: o Euromilhões desta semana (51 milhões de euros!!!!!); a visita de Lara Croft (Angelina Jolie) ou um jantar com George Cloney; a Saúde imortal; etc;
Lugares comuns com referências concretas e só impossíveis de alcançar por razões de logística como impeditivos económicos, limitações geográficas, etc.
Noutra perspectiva há ainda o impensável, não porque não exista ou esteja fora-de-mão, mas porque pertençe ao íntimo secreto da nossa individualidade.

Ou seja, não passa de idéia ou miragem e só ganha corpo consciente enquanto realidade passível de acontecer se revelada para o exterior.
A diferença entre estes dois universos imaginários, ambos de concretização teoricamente impossível, não é o grau utópico que possam assumir mas os meios objectivos do seu autor expressar a figura do seu desejo.
Onde quero chegar com a lógica simples dos anteriores parágrafos?
Se, neste preciso segundo, me questionassem sobre o que me aconteceu e era absoluta e totalmente improvável que assim fosse, ouviriam qualquer coisa como:

a) Um dia, ao jogar o "Trivial Persuit" e num grupo maioritariamente feminino, surge a meu pai (homem aparentemente distraído mas muito atento) a seguinte pergunta: Do que é que se trata quando «passado pelo corpo inteiro» faz com que «um desconhecido lhe ofereça flores?».
PIMBA!!!!! O raio do homem que nem usa aftershave sai-se com o que menos se espera: o "Desodorizante Impulse".

b) A perplexidade perante o inesperado sentimento de ciúme quando constatei que o meu sexologista preferido se decidiu liberalizar no Murcon.blogspot.com mais as emoções e afectos subterrâneos anteriormente da exclusividade dos seus livros ou da RTP em horário que poucos como eu se dão ao luxo de partilhar (01:30h).

c) Há poucos dias desci à Praça do Carmo (depois de um encontro profissional) experimentando uma confiança e filialidade anormalmente intensas pela mulher estranha de voz suave e dócil que acabara de conhecer.
Em troca de um ramo de frésias escarlates recebi o inesperado: a revelação inequívoca de generosidade mútua e de reciprocidade porque livre da preocupada gratidão e desinteressada da intimidade desconhecida - que tememos sempre que não podemos ajuizar.
Se há coisa que há muito desisti de voltar a firmar com desconhecidos é o privilégio de momentos cúmplices que primam, não pela afinidade imediata, mas precisamente pelo contrário: o prazer estimulante da diferença que se faz intrigante à nossa atenção por briosamente modesta.


Quantas vezes a diferença entre o que se ambiciona e o impossível de se ocasionar não está unicamente nos meios que dispomos mas também na coragem de realizar interiormente a figura desse desejo como primeiro passo?

domingo, março 27, 2005

Sexo-expresso (XI) ou o Sexo das formas

«A língua é para ser utilizada em toda a sua plenitude. Um compositor não se serve só de uma parte do teclado ou da escala. Recorre a tudo o que tem à sua disposição. Todas as palavras são utilizáveis, o que é preciso é que sejam oportunas. Que venham a propósito.
Poder dispor de um órgão tão extraordinário como é uma língua nacional é algo de fascinante.
O escritor visceral é o que não pode viver sem escrever, aquele para quem escrever é uma actividade quase biológica».
Mário Cláudio (2004)


Ao fim de 68 anos os suíços chegaram à conclusão que estava na hora de acabar com os smarties ‘entubados’ e passaram a vesti-los com um moderno hexágono acartonado que suprimia a famosa tampinha.
«É triste ver o fim do tubo e da tampinha que se tirava com um só dedo. Têm sempre que estragar o gozo das pessoas?» - disseram muitos à BBC em protesto pela descaracterização de um produto que é uma instituição nacional na Suíça (consumo per capita: 16000 smarties por minuto).
Estes sintomas de uma evidente relação afectiva do consumidor com o produto explicam-se na medida em que «a embalagem se identifica com a personalidade do consumidor e não só lhe permite o contacto com o produto que representa, como também a construção de uma percepção».
Os marketers da Nestlé movidos pela ideia antidesperdício acabaram com o gozo de procurar um smartie perdido num decote ou com a adoçicada surpresa de encontrar, de repente, um perdido no nosso bolso.
«O importante é conseguir perceber quais são os atributos físicos da embalagem que conseguem passar os atributos emocionais que são fundamentais para a marca. É um conjunto de equilíbrios, nem sempre fácil de conseguir».
NÃO PERCEBERAM FOI NADA!!!!!

terça-feira, março 22, 2005

"Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes"(*)

O Programa do XVII Governo Constitucional apresentou-se superficial e só com as linhas mestras como é tradicional, o que não impedia Sócrates de brevemente esboçar as ideias sobre a Venda de Medicamentos Não Sujeitos a Prescrição Médica fora das Farmácias.
Até pelo contrário, a estratégia explícita é a do reforço da qualidade prestada pelo Sistema de Saúde e pelos intervenientes económicos nela implicados: Adoptar a prescrição electrónica de medicamentos (e meios complementares de diagnóstico), com auxiliares de decisão clínica e informação sobre custos de dose média diária e sucedâneos (Ponto 7); Restabelecer a vigilância sobre as acções de promoção do medicamento, junto de médicos e farmácias de oficina (Ponto 8); Lançar um programa de melhoria da qualidade da prescrição (Ponto 9).
Embora o Ponto 4 suscite algumas dúvidas (Em colaboração com o Ministério da Economia e com o apoio da autoridade reguladora da concorrência, reanalisar as regras de comercialização) não anuncia por si só a mudança radical de retirar o exclusivo de venda às farmácias.
O Governo aposta na confiança dos portugueses para «lançar uma dinâmica de crescimento progressivo da economia e dos seus agentes», mas, neste caso, só os hipermercados são os verdadeiros e únicos beneficiados.
Não se pode dizer que o "gato não tinha o rabo de fora". Tinha-o, na verdade, só que na frase final do "Tomo" e sem o estatuto determinante e relevante do corpo objectivo das propostas: Tornar a indústria farmacêutica nacional uma área estratégica no interface entre a economia e a saúde, objecto de atenção e medidas específicas.
Para esta prosa não preciso de raciocínios rebuscados de engenharia financeira como fez o governo para os seus objectivos claros de intenções ambíguas.
Por obrigação cabe ao Estado o papel fiscalizador e mediador da regulamentação do mercado livre e dos produtos que nele circulam, ou seja, cabe-lhe assegurar o acesso pleno do consumidor ao produto em causa e com o profissionalismo que lhe pertençe.
O que é importante é que seja livre e sério, detenha o monopólio quem deter, já que os custos é a própria economia aberta quem os dita (ou neste caso não? Como serão praticados os preços num mercado de cifras concertadas pelo tecido empresarial e liberal?).
Para alguns consumidores, em particular os que não perceberam que Sócrates está só deslocar o profícuo negócio para outras franjas empresariais, não há aqui novidade ao que lhes é imperativo, como a baixa de preço de alguns medicamentos e a comparticipação em muitos tão essenciais e tão levianamente esquecidos da acção social do Estado.
Outros acharão hipoteticamente que o desconforto de cinco minutos numa farmácia é superior ao de cinco minutos num hipermercado com corredores para fazer, filas a aguardar e caixas para alcançar, ou então descuram o papel do técnico de farmácia na avaliação das suas maleitas - de expressão menor à luz da sua ignorância - que só o conhecimento terapêutico, técnico e científico pode desmitificar ou desvendar como males maiores para a sua saúde.
O esta lei traz de verdadeiramente diferente e positivo ainda não é claro, mas as incoerências já figuram:
- se são medicamentos assim tão simplificados de manusear e consumir, então porquê a eventual presença de um auxiliar de farmácia
no novo ambiente físico?
- se a mais valia é o acesso imediato e a qualquer hora, porquê nestas estruturas que, ao contrário das farmácias, não funcionam 24 horas seguidas?
- se é uma transacção de bens perfeitamente tipificável num lojista, porque não realizá-la com o homem da gasolineira ou da loja extra?
A quem serve esta comercialização na malha social e competitiva? Quem pode conquistar o "pote de ouro" se à partida não é garantida o direito de acesso da democracia livre?
Os pequenos comerciantes que não alcançaram a grande economia global e sobrevivem numa relação de confiança e familiariedade com clientes certos e contados "é para o melhor lado que dormem" e os que, mesmo modernizados, não reúnam instrumentos económicos para exigirem a sua quota-parte da oportunidade legítima também "não estão para aí virados" com certeza.

O curioso é que são precisamente estes pequenos agentes que, fora dos meios urbanos, asseguram o consumo às populações. Lugares onde não há supers - quanto mais hipermercados -, e farmácias em cada esquina. Terras onde a assistência médica chega quando chega e onde farmacêuticos ou técnicos especializados nunca irão propagandear os malefícios do Betadine nas queimaduras ou os benefícios da Aspirina para a arritmia cardíaca.
Assuma-se com honestidade política que a rede de farmácias é, em grande parte, integrante só dos meios urbanos, o que significa à partida que os problemas da auto-medicamentação por falta de informação e acompanhamento vão continuar, como os relacionados com o acondicionamento inapropriado à conservação que se podem revelar desastrosos.
Sócrates fez tábua rasa da recuperação do crescimento económico, o que é bom, mas questiono se esta óbvia transferência de domínios na venda dos medicamentos que não precisem de receita médica constitui efeitos economicamente revitalizadores e essenciais como outras medidas que tanto urgem - o Serviço Nacional de Saúde, a rede envelhecida dos Postos de Saúde, as dívidas às farmácias, a comparticipação nos medicamentos a "preço de ouro", etc.
Em Portugal a venda de medicamentos através da Internet, sujeitos ou não a receita médica, é uma realidade em expansão e ilegal, dado que só podem ser vendidos em farmácias. E porquê?
Porque pode apresentar sérios riscos, uma vez que não garante aos utentes a qualidade, a segurança e o controlo rigoroso como sucede no circuito tradicional do medicamento.
Porque o carácter ético e clínico da transação do meio utilizado não garante a defesa da saúde no mais básico e, nos moldes actuais, implica que seja estudade e regulamentada com acções concertadas entre todos as esferas implicadas e a nível mundial, visto que a Internet ultrapassa as tradicionais fronteiras geográficas e de políticas de saúde ministeriais.
Para esta prosa não preciso de raciocínios rebuscados de engenharia financeira como fez o governo para os seus objectivos claros de intenções ambíguas.
Basta-me para inquietação, por exemplo, os lucros fartos que a quota de mercado dos genéricos pode permitir no futuro, registado o seu crescimento de 93,1% só em 2005.
Feitas as contas, basta-me a potencialidade visionista do Ponto 5 (Negociar um protocolo entre o Estado e a Indústria Farmacêutica para o controlo do crescimento do mercado do medicamento comparticipado pelo SNS) e os 58.501.091€ de um mercado potencialmente atractivo que só por agora abrange 8.457 medicamentos autorizados, 2.056 medicamentos comparticipados e 1.306 em stand-by para serem prescritos no mercado.
Valores como ética, idoneidade, democracia e justiça social, não são clichés de prosas vaidosas e muito menos conceitos vazios para mera declamação em rituais de nomenclaturas de novos governos. São palavras representativas dos valores universais que regem a acção humana para uma sociedade mais equilibrada. Pilares fundamentais para um colectivo de homens feito e pensado para servir o Homem.

"Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade. Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão.

Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade.
A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação.
Respeitarei os segredos a mim confiados.
Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão médica.
Meus colegas serão meus irmãos.
Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes.
Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção.
Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza.
Faço estas promessas, solene e livremente, pela minha própria honra."

No século V a.c., Hipócrates (um médico grego) fundou os alicerces da medicina tracional e científica e deu um sentido de dignidade à profissão médica assente em normas éticas e de conduta, tanto no exercício profissional, como fora dele.
Hoje, no século XXI, Sócrates empossado jurou que «ninguém - nenhuma força política, nenhum sujeito institucional, nenhum parceiro social, nenhum grupo de cidadãos - ficará excluído do processo democrático, do direito a participar e do direito a ser ouvido». A ver, vamos...

*Versão clássica em língua portuguesa do juramento hipocrático, considerado um património da humanidade pelo seu elevado sentido moral e, durante séculos, tem sido repetido como um compromisso solene dos médicos, ao ingressarem na profissão.

segunda-feira, março 21, 2005

O acento baralhado e teimoso, ora à (´) esquerda, ora à (´)direita

Nas últimas semanas os posts revelaram na escrita avarias nos acentos "graves" e "agudos" e consequentemente um corpo narrativo minado por uma aparente esquizofrenia gráfica.
"Harmonias de pronúncia", "consonâncias de negação", "concordâncias de verbo e sujeito", um verdadeiro estropilho fonética e gramaticalmente baralhado e frustrado na argumentação a que se propõe.
Aborde a prosa universo "privado" ou a promoção do "público", nada parece servir o convencimento da acentuação que insiste em perpetuar-se ora à (´) direita, ora à (´) esquerda. Tão depressa o acento "grave" se faz surdo aos imperativos sérios como o "agudo" severo aos sofridos suspiros.
Irra!!!!

Por defeito profissional desenvolvo expontaneamente preciosismos e uma disciplina de ordem estética e ritmo musical que não só me condicionam a naturalidade da escrita como criam com ela uma relacão conceptual em modos degustativos muito personalizada: textos que se estruturam devagar e demasiado extensos para o generalizado monitor de 17 polegadas; propostas harmónicas complexas (com certeza arrítmicas para o leitor comum) e plásticas informais que só o próprio reconhece e sabe interpretar.
Irra!!!!
Tecnicamente: a CLAREZA IMPOSSÍVEL da subjectivação dominante, o ENTENDIMENTO ADIADO pela lonjura da acção, A DISPERSÃO TEMÁTICA resultante de quimeras líricas, O GRAFISMO INEFICAZ E ILEGÍVEL porque electronicamente limitado à edição básica e UM PRETENSO SURREALISMO GORADO porque apesar do imaginário que o sustenta ser rico de vivencialidades, é pobre de referências comuns aos leitores.
Resumindo???? UMA INEVITÁVEL ESCRITORREIA ADICTA DO GERÛNDIO.

Orações imperativas que interrogam, construções inflexivas que reflectem, categorias onde não há coerência nos pares, sinónimos forçados e antónimos sem força, advérbios de modo sem modo algum, sujeitos pluralizados em democracia ou colectivos reduzidos a uma singularidade injusta.
UMA PANTOMINA DE IDEIAS E PÍXEIS PARA FAZER DE TEXTOS PERPLEXOS OS DIAS REFLEXOS NA BLOGOSFERA!!!!
Irra!!!!
Nos tempos idos, muito idos, o espaço assumia concepções simples - por primitivas - e reduzia-se à multiplicidade mais ou menos ordenada porque esta não passava das noções básicas das direcções enquanto localização. O mais simbólico que se conseguia era a associação a determinadas manifestações sensoriais (associadas às direcções) e que hoje estão mais que ultrapassadas pela infinitude das dimensionalidades objectivas e subjectivas que o pensamento e a estética contemporânea consegue.
Esse espaço físico (finito) e o que em torno dele se imaginava mítico, tem, por exemplo nos blogs, uma espacialidade onde tanto o acento "grave" como o "agudo" podem deliberadamente afastar-se do rigor gramatical e, numa propositada desconexão, posicionarem-se como instrumentos de uma linguagem física.
Critérios tradicionais como os "conceitos polares" da direita e da esquerda, pervertem-se e desconstroiem todo um universo lógico de símbolos e valores a eles associados e relativizam a "escrita correcta", porque têm como propósito realizar outra percepção e interpretação dela.
Um blog é uma imensurável tela branca digital que um "eu" pincela compulsivamente com tipografias digitais para deleite e gáudio do próprio e dos que o lêem.
Um infinito esboço luminoso onde momentos (ou fragmentos deles) não acabam nem começam e são a expressão de um personalismo mutante individualizado pela tecnologia electrónica que procura eco no exterior.
O blogger tem ainda consigo o vasto horizonte cibernauta do saber vivo, real e fidedigno(?) que lhe proporciona o imediato acesso ao conhecimento e quem o representa nas suas latitudes mais imagéticas.
Aborde a prosa universo "privado" ou a promoção do "público", nada parece servir o convencimento da acentuação que insiste em perpetuar-se ora à (´) direita, ora à (´) esquerda. Tão depressa o acento "grave" se faz surdo aos imperativos sérios como o "agudo" severo aos sofridos suspiros.
Irra!!!!

Sigam-me... Agora que o PS já não é o mesmo e a Direita apanhou essa boleia, sobra-me um Governo de esquerda diferente com os outros partidos surpreendidos e uma nação política a esmifrar, salvo seja, no blog.
Precisa de novas abordagens este verdadeiro ecossistema pupulante onde Sócrates deixou moralmente o lado da revolução (comummente o lado dos mais fracos e oprimidos) e das forças progressistas. Ora, a Direita está mais forte, conservadora e reaccionária (a meu ver, escusado será lembrar).
O Santo que escreveu «se Deus estiver à direita nada nos abalará» não só era de direita como estava profundamente equivocado de Justiça. Porque assim Deus está do lado das trevas, do mundo da ignorância exploradora, da violência e da desumanidade globalizante.
Na actual geografia política a energia fértil e a luz justiceira deambula perdida e sem assento parlamentar condigno!
Esta esquizofrenia gráfica na acentuação tratar-se-á porventura de alguma subversão a esta fé maioritária na grande cabala socialista?
Não posso negar o estado latente de algum distúrbio e a desordem "psíxilica" deste superego bloguista que parece realçar um romantismo ideológico sofrido pela tendência direitista do mapa nacional.
O irracional e inconsciente protestam por alguma acção pessoal ou relação urgente (no seu entender necessária) para provocar algum efeito passional?
Esconderão os acentos um efeito subjectivo à realidade objectiva das últimas eleições?
É que eu, que os tenho bem assentes na memória e no pulso teclista, não tenho como compreender e justificar a reincidência característica desta escrita exterior que me parece mais uma sintomatologia interior.
Aborde a prosa universo "privado" ou a promoção do "público", nada parece servir o convencimento da acentuação que insiste em perpetuar-se ora à (´) direita, ora à (´) esquerda. Tão depressa o acento "grave" se faz surdo aos imperativos sérios como o "agudo" severo aos sofridos suspiros.
Irra!!!!

Em última instância invoco para minha defesa as teorias psiquiátricas que associam ao comportamento dos esquizofrénicos imagens e acções antagónicas, mas a identificação real do que desejam ser. Ou seja, o que mostram é o que realmente são.
Assim, abandono a cisma e arrumo de vez esta história dos acentos "graves" e "agudos" e volto a estender o ego à espiritualidade bloguista que é o que dá gozo. Sem Mais.
(Irra!!!!)

domingo, março 20, 2005

Um casal é como uma balança, ora tomba para aqui, ora tomba para ali…

Foi bom companheiro e parecia particularmente dotado para a aceitação e compreensão das incoerências femininas, característica pouco comum no seu género.
Se era por concessão ou por concordância, foi coisa que nunca tive bem a certeza, o que interessa é que quando foi preciso, ou melhor, lhe foi imposto sem direito a opinião, ele alinhava sem que se lhe sentisse a crítica ou até a resignação que disfarçava tão habilmente.
Destacava-se uma paciência invulgar que amassada com ternura e levada nos braços a forno bem quente e a repousar o tempo que precisasse, era quentura fértil que considerava melhor depois os caprichos. Um magnífico bolo inglês recheado de todos os frutos secos e generoso o bastante de frutas doces e coloridas para regalo dos olhos.
Dessas virtudes já não posso eu vangloriar-me e quem disse que pertencia à mulher a criatividade na gestão complexa da "diferença" enganou-se.
Por exemplo, a ele sempre se chegaram os miúdos nos momentos mais eleitoralistas da maternidade lá de casa.
- Quem é que vem comigo para a esplanada?
Silêncio no quarto, os cães já quase a deitarem-me ao chão na excitação da rua que se adivinhava e o meu homem enterrado no sofá absorvido por uma viagem de glamour nos Champs Élysées de Paris pela altura do Outono.
- Vamos à esplanada comer madalenas de chocolate?
Nada. Levo-me à porta do quarto dos miúdos e digo-lhes mais uma vez:
- O pai vai lá ter depois de ver televisão…
- Ficamos com o pai! – respondiam sem sequer olhar para mim ou preocuparem-se com o possível sentimento de rejeição que pudesse sentir.
- Okay! Não saímos os três há duas semanas porque que não pára de chover. Okay meninos!
Se fosse ele já estavam a trepar-lhe pernas acima e a rogar-lhe que não ficasse chateado porque era deveras importante o que estavam a fazer ou então:
- Vamos pai!!!!! Podemos levar os cães a correr no parque?
Quem sai aos seus não degenera e para o pagode estão sempre disponíveis a gastar a energia da infância ávida por maluquices.
De imediato a bagunça instalava-se porque sempre que aqueles macacos iam à rua sobrava para mim.
Saíam os três loucos pela escada abaixo estremecendo tudo o que é quadro e quadrinho, e na rua - não se dando por satisfeitos - corriam desalmados os cinco de tal maneira que ao longe não se percebia o que era cão e o que era gente.
Eu, divertida à janela, mirava-os doidos aos pulos pela rua abaixo a levar tudo à frente.
As velhotas davam rodopios e saltavam às soleiras para não tropeçarem nos cães histéricos da correria, os pretos atiravam-se para cima dos carros próximos com medo deles (sem que eu perceba porquê se são cães meigos. Malucos, mas cães meigos...), os fregueses na mercearia baralhavam a fruta nos cestos tal era o susto que apanhavam de repente e outros mais que não conheço e receava sempre ver estatelados no chão, caírem de redondo por causa daqueles loucos que varriam o passeio e os demais que andavam no seu encalço.
Percebem agora? Ás vezes penso que em vez de duas tinha três crianças e dois cães, ou seja, uma carga de trabalhos que vocês nem imaginam.
Um dia, toldada pelo ciúme e inveja daquela alegria toda, chamei-o à casa de banho e disse-lhe para sua atenção:
- Meu amor, já que os miúdos te consideram o deus das folies bergére cá de casa e a paternidade perfeita para as suas fantasias, fica sabendo que hoje não saio deste banho em folhas de alfazema - que me devo faz muito tempo - enquanto não apanharem a lama e a relva toda que trouxeram de arrasto da rua e a que os cães têm agarrada às patas que a esta hora já deve estar a ganhar raízes no sofá.
Vi-lhe a boca semiaberta porque não teve tempo de falar e fechei-lhe a cortina do banho bem na fronte para afundar-me na água que me chamava quente e vaporosa.
Correrias, berros, mais correrias e uns latidos esquisitos foi só o que eu ouvi a seguir.
A porta da casa de banho fechou-se sozinha com a corrente de ar que aquilo tudo fazia e quedei-me serena e relaxada pela azulejaria branca embaciada de preguiça.
Hesito sempre na severidade. Não gosto da mãe coragem de Nabokov, poderosa e sem zangas porque sem defeitos. Esse papel deixo-o para a mãe biológica e ex-mulher dele. Sempre lhe disse: afago os teus filhos na cama e afago-te a ti também, mas a inquisição casadoira fá-la tu à tua maneira e não contes com a minha cumplicidade!
Depois de os miúdos nascerem, o patriarca foi recusado no leito quase por um ano. Castrado é o que se pode dizer, que mesmo a trepar às paredes ele não o faz "à mão" por nada deste mundo, abdicando estupidamente do seu próprio bem estar e alívio.
A ex-mulher demorou um ano a aceitar-se de novo no corpo deformado e escancarado por peles que não conhecia e adiposidades que muito menos sonhava.
Com humor, tentou convencê-la que podia ser melhor para o frio mas ela não se despia e ficava horrorizada só de se imaginar solta e, louca na cama, trepá-lo armada com um rabo gordo, peitos laços, pneus e papos, estrias..., tudo, no fundo, as verdadeiras chagas do amor e da dedicação que num plano carnal só estraga e sacrifica o feminino dócil e jovem.

Até a compreendo... qualquer grama mais que pressinta na minha (des)elegância conjuro logo a escondê-lo da visão masculina, como se ele não fosse naturalmente meu e me roubasse desenvoltura erótica, mas não há nada a fazer. Nós, estúpidas mulheres, não nos revemos fora dos modelos irreais e impossíveis das passarelles, nem à força da sapatada.
Como a compreendo...
Desgraçado... Castrado e a acordar durante a noite com a respiração que lhe faltava. Além de suprimido o sexo descompressor tinha ao lado a indiferença severa do sentimento complexado num corpo flácido, pesado e sem a expressão afectiva que se espera ter na cama a enrolar-se connosco.
Como o compreendo...
Na verdade não me é mais difícil de compreender as misérias dos outros que as minhas, mas as contradições ou teorias românticas da treta...
Correrias, berros, mais correrias e uns latidos esquisitos foi coisa que não durou muito. O que viria depois era a porta de casa a fechar-se pela última vez e a deixar-me sozinha entregue à dúvida e à certeza de que se há coisa que os homens prezam como intocável é a sua misteriosa e indefinida insatisfação. E os filhos, esses também não se esquecem!!!
Se um homem se sente posto de lado pela mãe-coragem de Nabokov, inferiorizada a sua dominância pela independência de uma amazona e a virilidade molestada pelo afecto introspectivo e autónomo feminino, então o que é que o seduz? O que é que ele quer?
Só se for a sua mãe imaculada, é o que resta...
Porque as mulheres, enquanto por cá andam, olham-nas convictos de que a sua individualidade se resume a eles e ao que com eles se gera imaculado.
Tudo, todas e inteiras para o sacrifício amoroso e a gula erótica dos companheiros.
Não os compreendo... e eles parecem também não perceber porquê.

sábado, março 19, 2005

Sexo-expresso (X) ou o Sexo do Balneário


Se há momentos de intimidade no desporto é na partilha indirecta dos fluidos, humores e odores no balneário. Lá não há como esconder as 'evidências' e o impacto que elas têm em cada atleta: se o 'zézinho' é pequenino, pequenino fica e em segredo cúmplice na equipa; se é 'zézão' e seduz a olhos vistos, contempla-se, parodia-se e partilha-se como que transformado numa energia motivadora para o grupo.
Isto de muitos homens nus, ou melhor, um grupo de homens nus e unidos por uma causa (ainda por cima a do Futebol, a genuína expressão patriótica, laica e sem distinção de classes) é provavelmente a única altura em que a veia máscula e viril ganha características de companheirismo e mutualidade próprias do universo feminino - embora elas nunca tenham precisado de discrição ambiental para assim se desafogarem.
É uma herança da Antiguidade, como aliás em todas as modalidades, este desportivismo e o mais em sua extensão. Os atletas gregos gozavam exactamente dos mesmos benefícios que os de hoje (o estatuto de celebridade; a 'pensão vitalícia' paga para o resto da vida e o protagonismo em eventos públicos e sociais) inclusivé da intimidade por excelência nos balneários.
Têm-se também leituras mais personalistas e de coorporação desse famoso espaço privado onde se conhecem episódios de grande intensidade dos clubes.
Por exemplo no Chelsea, Mourinho elege como busílis terapêutico a presença da música para «se respirar amizade e se olhar de frente com confiança, no elogio e na crítica. Em alegria ou num momento mau, estão juntos mas, sem dúvida alguma, é o balneário com o melhor som».
Não sei se pela sua passagem no FC Porto, que inegavelmente o catapultou para o actual clube inglês, havia «tenda, i-pod ligado a speakers potentes e música seleccionada por um DJ de qualidade», sei sim, que a masculinidade anglo-saxónica de tradição inglesa não deixa para trás a portuguesa e atrevo-me mesmo a dizer que com certeza os nossos portistas já deram mostras públicas de um balneário sentimental explosivo e exponencialmente físico... pelo menos já o fizeram algumas das suas companheiras:
- Em 1991, nos balneários do antigo estádio das Antas, o árbitro Carlos Valente foi abordado com declarado vigor pela mulher de Reinaldo Teles: PAFFFF!!!!!! Apanhado desprevenido pela emoção feminina confessou que «talvez por estar no cousy balneário não tenha tido qualquer reacção contrariada».
Um dirigente de relevo recorda a cena com ternura: «foi uma senhora bofetada. Carlos Valente não estava à espera que isso acontecesse, mas o ambiente estava muito emotivo e, por isso descontrolado. Que estaladão ele levou!»
- 14 Anos depois (2005) Carolina Salgado, companheira de Pinto da Costa, aproveitando o livre trânsito que possuía e que lhe permitiu chegar aos balneários, despediu-se calorosamente dos responsáveis benfiquistas e dos demais, numa soltura de língua tal que os seus entusiásticos impropérios ultrapassaram a ferocidade conhecida dos adeptos e claques azuis.

sexta-feira, março 18, 2005

O tempo dos dias como um lugar de passeio

Não foi há muito tempo. Dois meses, talvez. Uma entrevista a um encenador de teatro e no écrã um rosto masculino e vulgar que se desfigurou na memória até não já parecer um rosto e a voz perder o timbre pessoal e ganhar os graves comuns.
Mas a ideia... Uma frase aglutinadora da fertilidade de Kant na sua proposta de que qualquer ideia ou acto tem a priori a consideração da legitimidade e justeza da mesma porque, no fundo, é uma variante consequente dela - como uma unidade de pensamento que lhe está associada.
Uma hora de entrevista de teatro falado e, zás(!), sedutor e com ternura o encenador resumia numa frase o conceito que firmava inquestionavelmente o valor de qualquer universo das artes estéticas e criativas.
«O teatro como produto cultural, ou melhor, a sua dimensão real e mundana no que encerra de mais comum ao homem, e a sua configuração genuína, é arte que só ganha corpo e sentido para o espectador quando transportado para o palco e materializado na figuração humana e na expressão emotiva do próximo, os actores.
Não há tragédia, fábula ou odisseia genial e possível de deslumbrar, por mais romântico que seja o homem, se a sua expressão não deixar a escrita no papel e tomar a forma física e emocional
».
Não foi há muito tempo. Quinze dias, talvez. Uma 'aflição' profissional levou-me a procurar a voz feminina e anónima de um telefone desconhecido e o alivío socorrista num último andar ao Carmo.
Pouco mais de uma hora numa assoalhada esconça que, alteada que era quase ao Castelo de São Jorge, parecia fazer-se ao céu limpo e sereno num vôo desinteressado das minhas contrariedades técnicas da hora.
Um encontro ocasional com uma estranha que confirmou a priori o que suspeitava e se formulou na voz suave e recíproca de alguém de sensibilidade particular e como uma dócil presença como nunca conhecera em 34 anos (até um gato de pelagem orgulhosa e olhos grandes e perfeitamente redondos estava no cenário!!!).
Eu comportei-me banalmente e ela recebeu-me sem excepção; Eu não escondi a gratidão e amadorismo e ela ofereceu-me o lugar a seu lado acompanhado de um chá aromático; Eu agradeci vulgar e embaraçadamente a intimidade pouco comum e ela não aceitou humilde; Ela "safou-me" com uma classe quase religiosa e eu "desenrasquei-me" sem originalidade e ao jeito do estereotipo comum:
- Gostas de flores? - Atenta ao arco-íris suave e constante no ambiente doméstico de objectos e imagens alegres.
- Sim.
Desci ao Carmo prometendo voltar a telefonar e num estado de confiança e prazer anormalmente intensos. Fora o privilégio de um momento de cumplicidade desinteressada e absoluta, mas, mais que tudo, fora o prazer pessoal da filialidade verdadeira porque livre e generosa.
A ideia? É a mesma... Uma pessoalidade encantadora e sugestiva que só podia fluir num blogue de testemunho ao belo íntrinseco e pungente que tantas vezes «nos inspira a Passear o Tempo», a poesia.
Só um gato podia habitar aquela casa - espécie melancólica e telúrica do tempo e dos dias como um «lugar de passeio». Só a sua observação muda e intrigante podia ser companheira de quem faz da palavra dos poetas um instrumento para «olhar para os dias como um lugar onde nos encontramos».
Para quem sabe, a minha sincera reciprocidade

quinta-feira, março 17, 2005

O post atrasado do editorial pró-americano de 11 de Março

Um editorial (artigo que reflecte a orientação da publicação e define os seus princípios orientadores) vêm dizer que o «radicalismo da Esquerda» (porque é que não dizem logo que o PS é de direita?) «se deslocou para o centrismo das ideias vazias e ameaça agora a política externa portuguesa que sempre viveu num consenso de sensatez» (consenso minoritário diria antes) e «arrisca-se a constituir um manual para um país que se queira transformar numa espécie de Coreia do Norte com gravata» (o Freitas era maoista?) «mas sem bomba atómica» (estranho, até o franceses produzem energia atómica e ainda assim ninguém se parece...).
Diz ainda que «apoiámos os americanos quando era difícil» e a sociedade portuguesa não o desejava (isto digo eu) e que «vamos afastar-nos deles» (porque não? A itália e a Inglaterra não o fizeram em salvaguarda do que lhes restava da sua honra e moralidade?) «quando se prova que tínhamos razão».
Qual razão? A do Relatório nuclear que nunca existiu ou a da ONU que condenou, juntamente com a maioria dos representados, as várias investidas militares de carácter duvidoso?
«Os próximos quatro anos são o tempo que duram os governos de George W. Bush e de José Socrates - é tempo de mais para Portugal ficar fora do arco de interesses americanos».
Um parágrafo demasiado curto para revelar o que está verdadeiramente em jogo, mas suficiente para não deixar dúvidas sobre o seu posicionamento político e o que entendem da autonomia nacional no mapa das futuras soberanias árabes de democracia ocidentalizada.
Sabendo nós que "interesses americanos" implicam a priori a secundarização dos outros interesses envolvidos (em especial os bélicos e de defesa) é, no mínimo, incómodo e curioso que a 11 de Março, um ano depois da tragédia madrilena, uma direcção reclame cumplicidades pró-americanas para futuros dividendos de vaidade colaboracionista.

segunda-feira, março 14, 2005

Sexo-expresso (IX) ou o Sexo das formas

A lona de algodão, tosca e áspera, das tendas dos mineiros americanos que Lévis-Strauss um dia se lembrou de usar para fazer fardas de trabalho, fortes e resistentes, correu mundo(s) no imaginário da publicidade. Desde vestir actores de cinema (James Dean), sublimar estéticas (Marilyn Monroe foi fotografada agachada e levando as mãos à boca num gesto de deslumbramento por um meio-corpo masculino que envergava umas Levis) ou a fardar 'culturalidades' (Benetton), uma coisa é certa, vestiu (ou despiu?) fundamentalmente rabos e deu-lhes as formas distintas e associadas aos valores eróticos en vogue.
A fórmula é garante de sucesso eterno. Rabos sempre os há e a sua configuração maior, menor, larga, estreita, pequena ou grande, há-de sempre encontrar o eco adequado nas modas que se 'formatam' pelas linhas reais que eles sugerem.
Um Sonho de Uma Noite de Verão apresenta os rabos de 2005 como fantasias sexys inspiradas na libertinagem da corte shakesperiana.
Interessante sugestão... cruzar o Fantástico ao misticismo dos Imortais sem condutas morais a não ser a sua própria satisfação sexual...
Imaginem...
Não são as fadas que à noite nos bosques... com quem lhes apetecer?


[Numa noite de Verão a Rainha dos Elfos apaixona-se por um mortal com cabeça de burro e também um trabalhador local que ensaiava no bosque uma comédia de teatro amador para apresentar no casamento do Duque de Atenas e a Rainha das Amazonas]
Bottom (Tecelão) - Porque terão corrido? Decerto imaginaram alguma maroteira para me meter medo.
Snout (Marceneiro) - Ó Bottom, estás mudado! Que vejo em tua cabeça?
Bottom - Que vedes? Vedes uma cabeça de burro, a vossa; não será isso?
Quince (Carpinteiro) - Deus te abençoe, Bottom! Deus te abençoe. Estás transformado!
Bottom - Compreendo a brincadeira. Querem fazer-me de asno, para eu me amedrontar, como se fosse possível semelhante coisa. Mas façam o que fizerem, não arredarei o pé daqui. Passarei de um lado para o outro, e pôr-me-ei a cantar, para que eles percebam que não estou com medo. O melro negro e catita de biquinho alaranjado, o tordo de voz bonita, o carricinho espantado...
Titânia (Rainha dos elfos) - Que anjo me desperta do meu leito de flores?
Bottom - O pardal, a cotovia, a rolinha, o tentilhão, o cuco a cantar de dia sem que os homens digam "Não", porque em verdade, quem se poria a raciocinar com um pássaro tão estúpido? Quem diria a um pássaro que ele mente, por mais que repita: "Cuco"?
Titânia - Canta outra vez, gentil mortal, te peço. Tua voz os ouvidos me enamora, como o teu corpo os olhos me arrebata. E de tal modo a tua formosura me enleva e me comove, que eu proclamo, sem mais desculpas procurar, que te amo.
Bottom - Quer parecer-me, senhora, que para tanto vos assiste razção muito minguada. No entanto, para dizer verdade, hoje em dia a razão e o amor quase não andam juntos. É pena que alguns vizinhos honestos não se esforcem para deixá-los amigos. Como vedes, também posso ser espirituoso, em se oferecendo ocasião.
Titânia - És tão sábio quando belo.
Bottom - Nem tanto assim; se eu tivesse espírito suficiente para sair deste bosque, teria tudo de o que necessito.
Titânia - Não ponhas noutra parte o coração; no bosque ficarás, quer queiras ou não. Um espírito eu sou, de voz sincera; verão perene em meu país impera, e amor te voto. Por tudo isso, vem; silfos belos vais ter como eu, também, que jóias te trarão do mar profundo, e te farão dormir sempre jucundo. Da mortal grosseria vou livrar-te e em espírito aéreo transformar-te. Traça! Mostarda! Flor-de-ervilha! Teia!
(...)
Excerto de "Sonho de uma Noite de Verão" de William Shakespear

domingo, março 13, 2005

No dizer adeus é que está a 'coisa'

O convidado despede-se da festa:
- Foi muito bom, obrigado.
O Presidente termina o discurso e acena à multidão:
- Muito obrigado. Foi muito bom estar connvosco.
No restaurante o freguês dirige-se ao chefe dos empregados fazendo questão em dizer:
- Gostei muito, até à próxima.
O amante pela manhã encurralado na intimidade da envolvência consequente do sexo:
- Foi bom, não foi? Gostei muito mas tenho que ir!

Estes homens são todos e ninguém, mas alguns... Os que desfolham os afectos com gestos meigos até nos encontrarem a seiva íntima e a seguir a deixam perdida nos braços e na pele desperta que teimamos em apaziguar...
Deles fica a memória de se ouvir muito perto e sentir muito longe ao mesmo tempo:
- Foi bom... não foi?

No dizer adeus é que está a 'coisa': o reconhecimento do efémero ou a intenção da sua continuidade. Se não o interpretamos podemos ficar à toa.
Dizer adeus tem modos próprios como um aperto de mão:

- seco é o mesmo que nos 'mandarem à merda';
- morno é politicamente correcto;
- e húmido só prova de duas coisas: sudação excessiva dos membros superiores ou fogosidade indisfarçável.

sábado, março 12, 2005

Sexo-Expresso (VIII) ou O porno tecnológico


Lisboa 1982 - fotografia de Luiz Carvalho
O tecnológico tornou-se porno: o objecto e o sexo, entraram com defeito, no mesmo ciclo ilimitado da manipulação sofisticada, da exibição e da proeza, dos comandos à distância, das interconexões e comutações de circuitos, de "teclas sensitivas", de combinatórias livres de programas, de existência visual absoluta. E é isso que impede que se leve a pornografia completamente a sério.
No seu estádio supremo, o porno é engraçado, o erotismo de massa inverte-se em paródia de sexo.
«Quem não se surpreendeu a sorrir ou a rir francamente numa sex-shop ou durante uma projecção X?
Passado um certo limiar, o excesso "tecnológico" é burlesco. Cómico que vai muito para além do prazer da transgressão ou do levantar do recalcamento: o sexo-máquina, o sexo entregue ao jogo do "tanto faz", o sexo-alta fidelidade, é assim o vector humorístico.
O porno como sexo tecnológico, o objecto como tecnologia porno.
Como sempre, o estádio humorístico designa o estádio último do processo de dessubstancialização: o porno liquida a profundade do espaço erótico, a sua conexão com o mundo da lei, do sangue, do pecado e metamorfoseia o sexo em tecnologia-espetáculo, em teatro indissociavelmente hard e humorístico.»
Gilles Lipovetsky, "Microtecnologia e sexo porno"

quinta-feira, março 10, 2005

Este sol à tarde? Uma farsa!!!!!!! (Frio Polar II)

A Comunicação Social no imediatismo com que nos entra pela casa adentro bem podia ter uma editoria mais: "Aconteceu ali ao lado, e se fosse aqui?"
Um staff redactorial apurado para as FCP (Funções Sociais Emergentes) com destreza para no meio de tanta informação descobrir a tempo o que se pode fazer antes de "O dali do lado" chegar cá.
O frio polar entrou pela janela dos fundos sem avisar nem dar tempo a que me pudesse defender, significando isso só uns míseros 10% contra a sua investida - já que vivo numa espécie de iglô de 1874, de 100m2 esquecidos de património para aquecê-lo com sucesso.
Excluindo os comerciantes astutos, de memória nada curta da última estação e já preparados para a procissão de clientes inevitável, chegou e surpreendeu tudo e todos de calças na mão.
Famílias houve que aumentaram os inestéticos aquecedores residentes, outras que aderiram ao luxuoso aquecimento interno e as frustradas do investimento que não há para as confortar já que as suas casas são verdadeiros chalés minhotos de Verão.
Encontro-me aqui nesta massa humana de quase 70% da população portuguesa cuja cabana de estilo rústico à Robin Crusoé não é passível de investidura alguma a não ser o derrube e a nova consolidação ambientada que, como imaginam, não passa pela cabeça de ninguém com bom senso.
O saldo está à vista: 1% contra o frio numas borrachinhas insignificantes e caríssimas para forrar as janelas e 99% de trapos e mais trapos que o gélido corpo possa aguentar em cima.
Meias de lã, roupa interior mais barata que a Termotebe, casacos sobrepondo-se a outros casacos, e para o chalé a criatividade XLLL que consiga desencantar na cabeçinha mirrada que nem uva jovem e queimada pelo frio transmontano.
TUDO CÁ PARA FORA!!!! A botija de água quente suspira de tanto trabalhar em regime non-stop, a
s janelas vão ficar fechadas até o Inverno se fartar destas paragens e os cobertores pirosos e pesadões da avó vergam na cama e entalam-me os ossos contra a carne até não me conseguir mexer.
Quando não durmo, só consigo estar no sofá de roupão, pijama por cima de pijama, manta e a prima da outra (botija) para a alma desconcentrada pelo estalar aflito das madeiras.
Nas pausas, qual café, qual passeio! Reprimo a condição vadia a gestos diminutos e a domesticidade do lar cinge-se ao asseio, ao chá quente e ao livrinho à sombra do candeeiro condutor de calor.
Este é o cenário simples porque o absurdo e novélico ainda estava por adivinhar.
Eu, que pensava que este Inverno polar ia fazer essencialmente vítimas no prét-a-porter da Capital, descobri que se não me ponho a pau acabo a estação envergando os trapos de uma sexualidade viúva e uma paixão contrariada.
Afinal, bem estava a Manuela de peito orgulhoso e resistente à desfaçatez dos 'monos' invernosos que o queriam reprimir e enclausurar. Eu bem procurava surpreender-lhe um reflexo pásmico dos membros expostos ou a pele de galinha implorando por alguma cobertura.
Nada... O sorriso não se lhe congelava e em passadas leves e com classe exemplar, lá caminhava a meu lado na rua sem que se notasse qualquer rigidez 'estalactante' na elegância a descoberto e ao desafio do vento antártico e déspota.
A Manuela continua um apreciável borracho para os machos e eu, a matrona bem aparelhada de lã e sugerindo mais 10Kg, batia os dentes e tudo o resto de matéria orgânica.
Um sucesso espantoso esta miúda... só não tenho coragem de a indagar como...
Para meu drama descobri que o meu companheiro afinal não elegeu para fetiche a impessoalidade dos hóteis, mas ameaçou discretamente a futura sazonalidade sexual lá de casa.
Depois de umas quantas noites bestiais em aquecimento ardente e sexo acondicionado ocasionou-se a falência económica e a inesperada recusa à lascívia caseira.
Os sinais eram mais que evidentes e completado o ciclo razoável das «dores de cabeça», do «cansaço», do «tenho que me levantar cedo e estou todo roto» e do «apetece-me fazer um cinema na cama» dá-se o momento em que galgo para cima dele entre os lençóis e com o 'membro' na mão encurralo-o firme e digo-lhe:
- Olha lá, mas o que é que se passa???
- Estou...
- Não estás nada caramba! O problema é esse. É que não estás com nada!
- ...

Rodeios, rodeios, e por fim o macho suspira a vergonha do atrofiamento a olhos vistos da sua virilidade e do recalcamento psíquico que lhe toldava o sentimento e a abordagem na hora de...
- Quê??????
O macho que até lá estava sempre a postos, perdera a pachorra e a militância genital perante o enrregelamento doméstico que lhe diminuía atrozmente o...
Para um homem que preza a acção com abordagens e ímpetos odisseicos, a nova configuração, ou melhor, a redução involuntária e descontrolada do... era verdadeira trágico-comédia de um Ulisses em inferioridade intransponível e revoltante.
O constrangimento fizera-se estigma e a índole máscula do herói (símbolo da capacidade masculina para superar as adversidades) sumiu-se-lhe mais toda a testosterona.
- Quê??????
- Desculpa... mas sexo só no hotel!
- Quê??????
- ...esperas até ao Verão?

Eu, que pensava que este Inverno Polar ia fazer essencialmente vítimas no prét-a-porter da Capital, descobri que se não me ponho a pau acabo sozinha com a sexualidade viúva e uma paixão contrariada.

quarta-feira, março 09, 2005

A mesma relação símbolo/acto político mas a antítese em transparência da intenção democrática

A teatralidade da provocadora "retirada" e anúncio do envio do retrato de Freitas do Amaral (fundador do CDS) para o Largo do Rato denuncia suspeitas bem mais pertinentes do que as de um mero arrufo emotivo por despeito ou ressabiamento.
Como em qualquer cultura de grupo também nos partidos rituais e ícones são instrumentos necessários para a consolidação e interligação entre objectivos políticos e as suas práticas culturais, e contribuem para a criação, mesmo que às vezes contraditória, da génese teórica e da estruturação do consenso político nos seus aspectos comunicacionais.
Simplificando: uniformizar a práctica e a fundamentação nos seus representantes legítimos.
Com o fim da ditadura de Salazar a figuração ostensiva de um líder político em público ou em privado ganha como que uma "nova" identidade e de carácter museológico e pessoal, por assim dizer.
Ainda assim, para as direcções partidárias o equilíbrio e coerência entre a prática política e a sua transferência simbólica é um trabalho penoso pelas frágeis fronteiras que representa, principalmente se tivermos em conta que a sociedade e a cultura moderna tem na imagem um importante instrumento de acção.
Se considerarmos que o lado simbólico não é a dimensão racional do fundamento teórico, é sim a performance política, mas só através dele se podem contextualizar e vivificar os actos políticos, significa então uma verdadeira missão impossível: aliar a subjectividade dos símbolos à objectividade das acções propostas associada aos seus líderes.
As sedes mantêm "pendurada" a tradição honorífica mas o simbolismo e a omnipresença dos ditos personagens abandona a letargia corporativa e passa a mera representação temporal - embora o PSD não há muito tempo tenha inoportuna e abusivamente desvirtuado, ou melhor, profanado, este estatuto de mero registo póstumo, e escarrapachado Cavaco Silva num cartaz de campanha sem a sua prévia autorização.
Curiosamente tratou-se da mesma relação símbolo/acto político, mas a antítese em transparência da intenção democrática: a "positiva e favorecedora" do PSD através da instrumentalização figurativa para firmar no futuro a obra do passado e a "negativa e marginalizadora" do CDS da censura no presente de uma personalidade do seu passado e do que ela representa.
Ambos os partidos sabem que o poder dos seus líderes deriva também dos símbolos vários que eles manipulam (conceitos, dialética, referências, etc) e estes, por sua vez, dependem do conjunto de associações que o poder invoca e lhes faz.
2 Universos distintos que embora tenham formalizado a mesma acção, representaram pólos opostos na dita democraticidade das suas instituições.
Hitler dizia e muito sabiamente: «O poder dos símbolos é enorme. Os homens possuem o pensamento individual, mas são os símbolos que possuem o homem no colectivo».
Em ruptura política tanto as ideologias como as estruturas humanas sofrem novos desenvolvimentos, senão simplesmente eliminados, e os seus símbolos não ficam esquecidos: «Temos muita juventude a aderir ao CDS e, no sábado, essa juventude perguntava porque é que temos na nossa sede o retrato de uma pessoa que frequentou comícios do Bloco de Esquerda e agora é ministro do PS» (Mota Soares, secretário-geral do CDS-PP).
O discurso tão exaustivamente repetido de Paulo Portas que «sabe muito bem o que os comunistas e Estaline fizeram» é afinal o que precisamente tentam agora negar e defender com pouca inteligência: «Não estamos a querer apagar ou esquecer a história. O professor Freitas do Amaral não deixa de ter um lugar na história do CDS, mas é importante que a política seja feita de forma genuína, com honestidade intelectual, sem hipocrisias» (idem).
Diga-se o que se disser, defenda-se como se defender, trata-se do sinal evidente da perversão partidária, da intolerância democrática e do extremismo político sancionatório do CDS. Porque, a não ser assim, as considerações tinham-se ficado pelo esquecimento e marginalização interna de Freitas, ao invés da eliminação da sua imagem (que tem todo o direito de lá estar) como representação dos fundamentos que alia e em nítido medo da ameaça de "contaminação" que possa representar à dinâmica interna do partido.
O CDS poderia invocar que há não muito tempo com o fim do poderoso Bloco dos Países de Leste (Ex-URSS) caíu o Muro de Berlim e também se assistiu à destruição, derrube e queima de tudo o que representava o regime anterior, acções simbólicas da transição para a liberdade.
Sim senhora, não há como negar! E já agora porque não lembrar Saddam Hussein capturado num Iraque pulverizado e reduzido a escombros pelos "amigos" americanos e a população enfurecida e sequiosa pela tão prometida liberdade?
Oh, com certeza!
E em Portugal? Lembram-se das sedes comunistas ou das gigantescas letras de ferro da "Ponte Salazar" tombarem para todo o sempre aos pés dos populares e do sereno Tejo?
Oh, com certeza!
Ora, actos e manifestações de cariz simbólico (como a do retrato de Freitas do Amaral) só pretendem ideologicamente levar ao entendimento político dos seus apoiantes e bases de que na sua acção reside e fundamenta-se o contexto cultural, coerente e assumido da cultura e estrutura partidária, ou pensará o CDS que pode haver outra leitura?
Os símbolos fazem parte de todos os sistemas políticos e a sua linguagem, apesar de não ter uma dimensão objectiva, resume os códigos, é um instrumento medidador e social e o meio único para a identificação e construção dos conceitos e projectos da política real.
Simplificando: CENSURA!!!!!!!

terça-feira, março 08, 2005

A desmistificação do CDS e de Sócrates

- Estou?????
- Estou?
- Pai????
- Sim...
- Já ouviste as notícias? Já tens Ministro da Administração Interna!
- O Freitas do Amaral.
- Pai????? O Freitas fez
bluff ou está a governar-se agora que o CDS lhe virou as costas?
- Bom... já não é o mesmo político. Talvez a presidência da ONU lhe tenha desmistificado a Direita doutrinária que o CDS (não)representa... o partido fragilizado pelo voto volátil e precário da classe baixa urbana... o abandono dos teóricos democratas-cristãos vandalizados pelo Paulinho das feiras... a aproximação ideológica aos sociais-democratas cujo acção política está presa às idiossincrasias dos valores da sua Nova Geração e do corporativismo regional dos Velhos.
- Pai????
- Sim...
- E o Sócrates? O que pretende ele então neste novo estadista?
- Bom... o Sócrates é da nova vaga europeísta... e quem ganhou as eleições não foi o PS, foi o Sócrates. O Sócrates, uma equipa de quadros sem compromissos de filiação e técnicos independentes das cumplicidades partidárias... A direita, poder-se-á dizer, está a entrar num novo ciclo histórico e preparam-se as fundações para novos partidos a médio e longo-prazo... no PSD, no CDS, no PS...
- Pai????
- Sim...
- Então a nova "moda" conceptualista de trocar as voltas à Direita e à Esquerda justifica-se?
- Bom... historicamente a Esquerda será sempre personificada pela classe baixa e a Direita pela classe alta, independentemente da expressão que tiver por cada época.
- Mas... e a classe média?
- Bom... é inevitável reconhecer que é o seu desenvolvimento, ou melhor, metamorfose, que vem reforçar a necessidade de esclarecer as fronteiras.
A classe média deixou de cingir-se à minoria de indivíduos com formação académica, suburbanos de médio e alto poder de compra ou pequenos e médios empresários.
É, nos dias de hoje, o cidadão em geral: uniformizado e herdeiro da qualidade de vida moderna (mesmo que precária) que já não tem nada a ver com as características do "antigo" trabalhador, mas também não é forçosamente um quadro abastado e uma "elite" definida.
- Então é a classe média que compromete o universo simples dos que economicamente terão sempre "falta" de (classe Baixa) e dos que tradicionalmente se devem obrigar a colmatar essa carência porque dominam os instrumentos sociais que têm esse poder (classe Alta)?
- Bom... é uma simplificação, sim. O problema é que temos uma "falsa" Classe Média. Temos sim, na verdade, uma grande Classe Baixa que alterna entre períodos de grande desenvolvimento consumista, que se confunde com bases económicas reais, e entre períodos de estagnação económica, que produzem crises sociais muito profundas no imediato.
- Que grande chatice!
- Pois é...

sexta-feira, março 04, 2005

O jornalista "Marketer do Ano"


Quem não se importaria de aliar a sua inteligência, profissionalismo, intelectualidade e good looking às grandes cabeças mercantilistas e lucrativas dos Media?
Investirem sabiamente na sua carreira em parceria com Pinto Balsemão?
Basta que na mesa redonda escolham o canto off, discreto de protagonismo público e sem associação directa ao empresariado das contratações. Protegem assim a sua ética, formação e cultura jornalística da 'outra' sindicância profissional que sacrifica tantos dos seus colegas e ideias em detrimento de projectos-formato medíocres e vedetas de carteira.
Depois do sucesso fulminante de Emídio Rangel na SIC as luzes da ribalta focam-se sobre a sua geração sucessora: Ricardo Costa.

quinta-feira, março 03, 2005

B'ora ao Bairro, Vicente?

Há quinze anos um reputado intelectual, crítico e aspirante a produtor cinematográfico elaborou com uma equipa, não menos reconhecida do seu meio, um projecto jornalístico que primasse pela factualidade transparente do conhecimento, pela informação isenta de pressões e a tolerância (ou a tão em moda multiculturalidade) á verdade das várias sociabilidades portuguesas.
Esta fábrica de ideias progrediu e instituíu uma "sindicância informativa" própria que hoje todos reconhecem com desenvoltura fértil e seriedade de mérito para a análise e reflexão da condição social portuguesa, mesmo sendo um projecto ciclicamente sujeito ás tonalidades políticas do seu universo editorial.
Á parte do seu contexto financeiro não menos difícil que o de outras publicações, é inegável que interna e externamente com as mudanças e exigências geracionais o "Público" tem hoje uma "vida feliz" e está para durar.
É um espelho fiel e quase rigoroso da realidade portuguesa (ainda que a sua velatura agrade umas vezes mais a uns, outras mais a outros), e como redacção menor do pulsar teórico nacional (no que significa de síntese forçada), reconheça-se-lhe honestamente a escrita limpa da dinâmica cidadã, política, empresarial, económica e até do seu próprio ciclo de directores (Vicente Jorge Silva, Nicolau Santos, Saarsfield Cabral, Nuno Pacheco como Director-Interino, José Manuel Fernandes, etc).
Assim se compreendem as contrariedades (contradições?) que em 15 anos, se assim o entendermos, podemos registar.
Uma delas, histórica pertença do anedotário nacional, é do seu primeiro director Vicente Jorge Silva.
Esta figura de craveira erudita que graças a alguma convivência pessoal asseguro-vos que nem com uma boa piela desleixa o seu sarcasmo "bordalense", há muitos anos desbocou-se na sua obrigatória pessoalidade omissa e imperativa á justeza da neutralidade.

Inconvenientemente firmou o injusto e redutor chavão que ainda hoje se 'caga em sentença' quando dá jeito criticar sem fundamentar ou desconsiderar desonestamente os mais novos.
O timoneiro a cargo de uma obra que ainda procurava conquistar um lugar ao sol na moderna Imprensa de referência até lá dominada pelo inovador "Expresso", e num acto pedante/elitista de ostentação de um ambiente intelectual que na sua génese será sempre paralelo á cultura standardizada, entendeu por "probatório" testemunho a redução "procaz" dos mais novos a:
- uma mão cheia de gente "inculta" e intelectualmente "tísica";
- "desirmanados" de todo e qualquer "sindicalismo produtivo";
- cidadãos "vagabundos" da modernidade";
- "estóicos" da cidadania "oportunista" do sistema;
- "primatas medíocres" da "vulgaridade funcional" da Europa e parte do Mundo desenvolvido;
- exército da "cultura do entrolho";
- a "GERAÇÃO RASCA"!!!!!!!!!;
Perante a caricatura retumbante e verve jocosa ao jeito do seu tão apreciado Rafael Bordalo Pinheiro, ocorreram-me na altura também verdadeiras inflamações fiéis ao tom e vocabulário do VJS, mas danar-me eu daquela pujança vocabular era-me na verdade insustentável.
Na altura a acutilância dos meus impropérios verbais não conseguia soletrar mais do que "estupor", "sacana", "filho da mãe", "canastrão", "convencido", "pedante", etc, e confesso que ainda hoje invejo os que com a pronúncia perfeita e no momento certo fazem do palavrão mais do que um vulgar desabafo de má-língua e ousam a expressão estética da natureza rude do humor.
Dava-me jeito sim (ai como me dava!!!) ter lido o que li até hoje, para lhe citar pispineta:
«Ao diabo os amadores de definições. Bem "esperto" aquele que possa dizer onde começa a caricatura, ou onde ela acaba.» A. Alexanders.
Feitas as contas, também eu, naquela altura, pertencia a essa «geração rasca», deambulando entre o Bairro Alto (onde o podemos ver tantas vezes), a faculdade e os hiatos do personalismo infértil e inócuo. O que não me "bestializou" nem impediu o desenvolvimento dessa consciência "patriótica-cultural-vivificante" (como soa mal, caramba!).
Hoje, produto do "rasca" e do "não rasca", do "Chico Fininho", do charro, do "Público", da impertinência de figuras como VJS, da seriedade do meu 1º escritor preferido por afinidade directa, da honestidade em geral dos jornalistas e jornais, etc, lembrei-me da "dita" que já não levo tão a peito.
Despertou-me a sua lembrança a particularidade de uma modesta colunazinha no suplemento "Leituras" do "Público" onde se dá o Óscar de Ouro a "Um Amor Feliz" de David-Mourão Ferreira.
Ora, fora os que eventualmente O estudam nos programas curriculares, os que há muito perderam o exemplar que tinham, os filhos da Esquerda e da intelectualidade de VJS, os que esbarraram com Ele por acaso,etc, sobejarão ainda assim muitos mais leitores e talvez "daqueles" que há 15 anos não liam ou viam sequer teatro.
Numa livraria algures na cidade do Porto, o "Equador" do mediático Miguel Sousa Tavares é preterido pela qualidade da ficção saída do prelo há 19 anos (1986).
Os títulos do escaparate não se ficam por aqui e firmam que valores e referências literárias consistentes são uma realidade do universo dos leitores portugueses:

"À espera no centeio" - J.D. Salinger; "Pensei que o meu pai era deus" - Paul Auster; "Sputnick, meu amor" - Haruki Murakami; "Portugal, hoje. O medo de existir" - José Gil; "As lições dos Mestres" - George Steiner; etc.
B'ora ao Bairro, Vicente?

quarta-feira, março 02, 2005

Frio polar

LISBOA: -2º; GUARDA: -4º; BRAGANÇA: -6º e lá em casa -10º, que aquilo é tudo pé-alto com traça glaciar de severidade himalaia

(Pririripriripriripriripriripriripriripriri)
- .........
(Pririripriripriripriripriripriripriripriri)
- Huuu........mmmmmmm........
- Bfffffffffff....... Es....tás.......... emmmmm??????????????????
- Huuu........mmmmmmm........
- Bfffffffffff....... est....ããããõoooooo........ -2ºººººººººº.......... sboaooooooooo......... Bfffffffffff.......
- Mãããããã..... eeee???????????
- Bfffffffffff....... Es....tás.......... mallllllllllllllll??????????????????
- ãoooooooo........mmmmmmm........ telem........... braç............... gelad.............. Mãããããã..... eeee!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- Bfffffffffff....... Es....tá.......... emmmmm..... deus............. esculpa!!!!!!!!!!!!!

[Excerto dos quase 27 minutos de auscultação maternal às 6:30h que por muito pouco não me tinham PETRIFICADO um braço. O zelo GELIFICANTE da versão completa teve o sucesso equivalente do trivial Telemarketing de modus operandus rápido-lento, incisivo e de oratória planeada, ou seja, sem espaço de resposta.
Ouvi, não consegui responder, ouvi novamente, tentei reagir mais uma vez. Ao peso das 37 tensas pestanas por cada olho, desisti e sibilei uns tantos
«Huuuuuuuu.........» até do outro lado os «Bfffffffff......» se cansarem.
Logo, quando chegar de madrugada a casa, constatarei a presença de um novo edredão de penas e mais uma botija.
O 'senão' comercial?

Uma valente enxaqueca pelo interrompido descanso essencial de 4 horas de sono e a manhã pacata transformada num vai-vém de canzoada a pedir rua, rua a pedir muita roupa e 2,5 litros de chá para aquecer a escrita GÉLIDA e adiantada pelo despertador matriarca.
Com o aviso noticioso de que estas temperaturas vão permanecer até sábado, é melhor pôr-me off-line!!!!!]