segunda-feira, fevereiro 28, 2005

25,5€ De papel borrado (0,85€ x 30 dias)… mais os incógnitos €'s da versão on-line… = ????????????

Que rica prenda me saíu o meu barómetro social, reduto da palavra erudita (antro para alguns), dicionário multicultural, mini-instituto da estatística enfadonha do INE, brevet cosmopolita de Lisboa que me preenche a melancolia, semanadas de cidadania livre, breviário político (muitas vezes antagónico e suspeito enclave informativo), suplemento para as ideias (adubo de contradições também), substituto e sucedâneo intelectual do inflacionado mercado dos livros e, para a minha inteligência curiosa mas limitada, o acesso importantíssimo à geografia humana mundial em micro-análises desenvolvidas q.b. que raramente me deixam insatisfeita e não me cansam nem queimam os neurónios imaturos.
À porta do 15º aniversário (a 5 de Março) o "Público" aproveita para me participar que a sua versão on-line vai ser remodelada e entrar numa nova dinâmica de navegação (espero que sim, que esta última configuração é menos versátil que a anterior), modalidade que inclui a novidade/inovação entre os seus pares concorrentes no mercado de passar a ser paga.
Cobra-me remuneração pela modernidade e acesso doméstico esta referência jornalística e «cinzentona» para aqueles que não sabem apreciar a estética tipográfica da Bodoni e privilegiar a vista (tantas vezes curta e nublada) ao que exclusivamente se deve cingir um jornal - letras muitas para conteúdos não menos vastos e complexos num formato que cansa os braços -, e só lhe exigirem atributos coloridos e práticos da revistice fácil e rápida de assimilar.
É uma transacção comercialmente honesta... mas 25,5€ de papel borrado (0,85€ x 30 dias)… mais os incógnitos €'s da versão on-line… = ????????????.
Uma coisa é certa, se mais nada nem ninguém (seja figura individual ou colectiva) cobra o que quer que seja de consulta na Internet, atrevo-me então a concluir que, num futuro próximo, ou é a falência dos leitores fiéis ao conhecimento versado na Comunicação Social ou é a deles próprios.
Nisto de elites a verdade é que o "Público" sempre somou pontos: a sua associação à Esquerda (diferente da que se conhece hoje); os salários mais altos da sua área profissional; a expressão e estética clara de uma certa classe social; o investimento comunicacional mais caro e gastador que nunca mudou de mãos porque "menino pródigo" de um empresário rico; a abordagem cultural e distinta das temáticas; a resistência ao fenómeno da "tablóidização";... e hoje a categoria luxuosa do bem que se paga para se espreitar na Internet.
É legal... afinal é o pagamento por um serviço prestado...

O meu jornal de referência vai-me sair mais caro, mas que se dane, também é verdade que ele não tem culpa que a vida esteja mais (ai!!!!!) cara!

domingo, fevereiro 27, 2005

Sexo-Expresso (VII) ou a A boca emblemática da sedução

«Quero que, no quotidiano, o meu rosto seja local de debate público, que eu não precise de fazer uma performance especial, despindo-me para mostrar o que fiz».
"A Segunda Boca 1993" - fotografias da boca da própria Orlan

«Sabe que esta coisa da beleza varia com o tempo. Quem me salvou foi a Joan Crawford e a Katherine Hepburn, porque tinham uma boca muito grande. Quando era miúda diziam-me: "Ai que boca tão grande". Às vezes os adultos são muito estúpidos, sem querer estão-nos a aferroar. Acho que não ajuda a crescer. Tive sorte porque elas rebentaram com as boquinhas pequeninas, feitios de coraçãozinho».
Glicínia Quartin - Actriz e bióloga marinha

terça-feira, fevereiro 22, 2005

24horas (as americanas)


Na série americana "24 Horas" o mânfias de nome Salazar é representado por Joaquim Leitão.
O que é que sente um actor quando só visado para papéis de criminosos, machos ressabiados da virilidade incompreendida e mulherengos solitários?

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Digam o que disserem é o jornal do povo e o regaço da sua fé absentista na esperança

Dizem os de razão respeitada e provada pela história que um povo em alheamento social é o exército ideal para cruzadas de fé.
Verdade absoluta, realidade comprovada, fenómeno repetido, socialidade reincidente e eterno elemento laboratorial para os sociólogos e delícias dos historiadores que á falta de tópicos sabem sempre contar com estes pasmos civilizacionais para os seus ditames.
A velha sabedoria popular ainda hoje verifica que "em terra de cegos quem tem olho é rei" e o que isto tem de genial é a sua apropriação concreta e eficaz mesmo para o imprevisível e assustador cenário destas eleições bipolarizadas.
A sociedade portuguesa está em crise político-identitária como não há memória e nem o voto destemido e ousado na diferença se revela salvador, que não é sequer reconhecida franja alguma (Bloco de Esquerda ou CDU, porque não?) que o rentabilize, mesmo voto órfão e resignado, para contrariar o branco ou o da abstenção.
Á luz da vidinha democrática e banal do cidadão a política partidária atravessa um cinzentismo total que mais não oferece senão uma grande família de 'colos' e os que em desespero neles se pretendem governar.
«Sem saída!» é o que as gentes choram na rua e que em épocas outras bastava para um grande safanão e levantamento popular, mas nestes tempos de progresso começar tudo de novo é coisa que não se adapta e ainda sai caro.
A labuta marginal da modernidade, mergulhada nos afazeres que reduzem os dias a tempo que passa e os anos à domesticidade da vida que se pensa merecer, só pode dar maioria de razão a três coisas: à abstenção moralizadora que deixa tudo na mesma, à fuga para grupos laicos e de 'novas ideologias' que só ganham peso nas cadeiras parlamentares que aquecem porque imaturos e ignorantes das perversões do sistema (lembram-se do PSN do Manuel Sérgio? Um deputado claramente desperdiçado!) ou ao "Outro".
Nestes momentos há aquele fervor religioso numa espécie de resignação "tradicional e inquestionável" de povo, que concilia as contrariedades e resigna qualquer utopia - chorem as gentes preces mais ou menos místicas - e aqui os crentes não são obrigatoriamente religiosos, só desprevenidos e desassossegados na sua modorra rotineira.
Não se sabe o que o eleitor entende por certo e justo ou o que lhe deram por garantido. Percebe-se apenas que o toma uma qualquer fé e esperança e dá o corpo esfomeado e a alma maltratada logo a quem não devia: ao voto dos vira-casacas e salafrários, os mesmos que antes o burlaram e encurralam hoje na urna viciada.
São 4:00 da madrugada na Passos Manuel e há humidade bastante que reduz a visibilidade além de poucos metros e obriga a percepção a ficar-se pela segurança do andar.

Do outro lado do passeio a "Tarantela" já produz as irresistíveis madalenas, cujo cheiro adoçicado de pastelaria fina destoa da frieza estática do mupi luminoso do "Correio da Manhã" sugerindo um "Altar de Fé" .
Um conjunto de cerca de 12 figuras de porcelana portuguesa pintadas à mão e criteriosamente arrumadas por uma beatificada importância que contraria a severidade do sujeito velho que ocupa o lugar de condutor de um táxi e se debruça sobre a mesma publicação diária que propõe tal impropério para a dureza das suas necessidades.
Oportuno?
Dejá vu!
Uma noite demasiado fria para um país há muito perdido e sacrificado, onde táxistas sem clientes só têm como ler piedosadamente, sob a parca luz auxiliar do tabelier, a bíblia conveniente do seu esquecimento na Terra Prometida, hoje cor-de-rosa... amanhã quiçá.
O país não virou à Esquerda, virou-se só o seu Corpo docente de Gestão... o povo, esse limita-se hoje a olhar para o lado oposto. É tudo quase do mesmo...
É um "rabo", um traseiro: uma alternativa nacional partidária bipolarizada entre a nádega direita e a nádega esquerda, que se sentam sempre sobre as expectativas dos mesmos - nós - e onde só varia a técnica de asseio pessoal.
O PS lava a dele com água de rosas e o PSD de citrinos.
Não me convence Sócrates e aquela campanha cavalgante de performances à americana que parecem congressos da IURDE.
Ainda me lembro muito bem dos dois mandatos guterristas e do Vencedor de agora, na altura um discreto ministro do Ambiente, dizer em representação das contrariedades da sua pasta «que é preciso mais eficácia e determinação. O que tem de ser, tem de ser, doa a quem doer».
O país não virou à esquerda, ficou foi perigosamente cor-de-rosa... que isto de absolutismos no poder sempre foram pouco democráticos, fossem eles mais ou menos à esquerda.

domingo, fevereiro 20, 2005

Mais um pouco e vamos a votos... escrever só para nós

Agora inventaram isto da blogosfera, écrãs-assinados do personalismo nacionalista da modernidade interplanetária do desassossego periférico de cada um, e convencemo-nos todos do estatuto de opinion-makers, letrados, neofilósofos, eruditos da crítica desinteressada, etc.
Hoje todos os bloggers suam o repto genial às eleições e desesperam pelo santo graal da eloquência única e memorável de um dia, na verdade sem mais nem menos que os outros nestas colunas não-remuneradas.
Desencantamos vozes que julgamos dissonantes e juízos que nos soam ímpares para considerarmos a nossa individualidade de conhecimento como o valor absoluto de coerência e justeza que se realiza e completa na relação ideal com a colectividade.
O Bocadosdegente.blogspot.com não é excepção e hoje que é dia de reflexão silencia a costela narcísica e quasi-pedante para reconhecer que isto da palavra iluminada (mesmo a nossa e a evidentemente sempre melhor que a dos outros) é coisa pessoal e comprometedora.

Mesmo que gratuita e leviana no propósito, tem que ter corpo e alma.
Mesmo que ficcionada, plagiada, narcótica ou anestesiada tem que "ser" acima de tudo o que se pretende a "ser".
Hoje o Bocadosdegente.blogspot.com é instrumento impessoal e transmissível dos que verdadeiramente fazem da crítica de tinta o seu voto útil para o aperfeiçoamento ético da sociedade e da fundamentação dos seus males sociais... e sabem que há dias em que não há nada que dizer e tudo por fazer...
«Há dias estranhos. Acordamos e o mundo parece-nos todo em itálico. A biografia entre aspas, como roupa suja numa corda. Os beatos do momento ("Beati possidentes"?): vejo-os daqui, sentado neste parágrafo (levantar-me-ei silencioso um próximo, não se incomode o leitor, deixe-se estar).» Mário Santos, colunista do Público, num «dia vazio»
Mais um pouco e vou a votos... escrever cidadania pura como nunca o farei aqui!

sábado, fevereiro 19, 2005

O PSL deve estar muito aflito para me escrever em tão incaracterística, apartidária, impessoal, descarimbada e vulgar folha de resma do mais barato

Vinha da rua e da embirração ao gigantesco caixote verde do lixo que àquela hora escolhe sempre (ou alguém malévolo escolhe por ele) prostrar-se à porta e exigir que os velhos do prédio menos desenvoltos tentem em menos de um metro quadrado passar por entre a sua boca suja e mal-educada com os sacos das compras, as malas e o corpo cansado de ter feito vários metros por entre poias de cão, carros mal estacionados e outros tantos caixotes que foram expulsos do seu vão de escada.
A diferença é que enquanto os outros caixotes lançam-se à rua arejada e larga, o meu, o n.º 96 da Rua de Arroios, ao que parece, é poupado ao vexame público e deixado tímido e envergonhado entre a porta disfarçada e a calçada que está a um degrau.
No meu prédio, antes de fecharmos ou abrirmos a porta, temos primeiro que lhe pedir licença para chegarmos à fechadura e depois desculpa pelo apertão imposto e o safanão antipático de a fecharmos forte e bem feio nas suas ventas.
Ás tantas não sei se o mau feitor escolhe atazaná-lo nestas danças diárias (até à meia-noite da sua recolha) pela sua exagerada dimensão e cor verde garrafa que não condiz com a condição limpa que se lhe espera ou se é pura embirração com os vizinhos que nunca se esforçam por respeitá-lo nos seus deveres e dar-lhe com gosto e à hora certa a rua.
Ultrapassada a barreira imunda que é a entrada do n.º 96 transformada num digno banquete verde de congelados vazios gordurosos, fezes de gatos e cascas de batatas que nunca mais acabam, prova do (des)zelo (des)asseado dos meus vizinhos, espreito o correio matutino e dou de caras com um queixume do entristecido e incompreendido Pedro Santana Lopes que deve estar muito aflito para me escrever em tão incaracterística, apartidária, impessoal, descarimbada e vulgar folha de resma do mais barato que há para me pedir um favor e dar-lhe de barato o meu voto:

«SE NÃO COSTUMA VOTAR, LEIA ESTA CARTA.
Caro(a) Amigo(a)
Não pare de ler esta carta.
Se o fizer, fará o mesmo que o Presidente da República fez a Portugal, ao interromper um conjunto de medidas que beneficiavam os portugueses e as portuguesas.
Portugal precisa do seu voto para fazer justiça.
Só com o seu voto será possível prosseguir as políticas que favorecem os que menos ganham e que exigem mais dos que mais têm e mais recebem.
Você não costuma votar, e não é por acaso.
Afastou-se pelas mesmas razões que eles nos querem afastar.
E quem são eles?
Alguns poderosos a quem interessa que tudo fique na mesma.
Incluindo a velha maneira de fazer política.
Eles acham que eu sou de fora do sistema que eles querem manter. Já pensou bem nisso?
Provavelmente nós temos algo em comum: não nos demos bem com este sistema.
Tenho defeitos como todos os seres humanos, mas conhece algum político em Portugal que eles tratem tão mal como a mim?
Também o tratam mal a si? Já somos vários.
Ajude-me a fazer-lhes frente.
Desta vez, venha votar. É um favor que lhe peço!
Por todos nós,
Pedro Santana Lopes»


Chegada da rua, humilhada pelo caixote de lixo estacionado à porta que nem porteira ultrazelosa e depois de ultrapassada a aberração do banquete gorduroso, agrobiológico e fecal dos meus vizinhos, sou confrontada com o desabafo autovitimizante do PSL que descubro «ter algo em comum» numa espécie de psicanálise de moldes domésticos.
O PSL se aqui viesse em campanha com certeza não contava com verdade tão verdadeira.
É que também como ele a minha vizinha é um «ser humano com defeitos» e há 50 anos que a mulherzinha alimenta uma modesta colónia de pombos nas minhas traseiras por uma janelinha que não tem qualquer poiso a não ser as minhas janelonas ao lado.
A passarada vem todas as santas refeições ao embeirado e envidraçado do meu «Portugal dar o seu voto e fazer justiça»: caga-me o estendal, a roupa, as vidraças e tudo o mais que ficar à mercê daquela esvoaçada toda.
Eu que sou tradicionalmente de esquerda até parei um bocadinho no «seu voto que permitiria prosseguir as políticas que favorecem os que menos ganham» e pensei: se calhar o PSL tem razão.
Se o raio da mulher tivesse uma reforma maior podia ir ao médico e tratar a sua hipertrofia. E, tratada convenientemente, já não havia como recusar-se a fazer a rua e o jardim porque as suas pernas e coração eram fortes para deixar a pombalhada toda lá fora, em vez de quase dentro da minha casa.
Ou então iria votar sobre as pernas novas para «exigir mais dos que mais têm e mais recebem» e pedir a construção de um Parque Natural de Protecção e Manutenção de toda a bicharada com duas e quatro patas que caga meia-cidade e ninguém se parece importar, incluindo «alguns poderosos a quem devia interessar mas fica tudo na mesma».
Este interlúdio aterrador de que o PSL podia revelar alguma lucidez não se ficou por aqui e mais me lembrei para me atazanar as certezas de que o político não faz juz às minhas cores partidárias.
Na altura também eu pensei que a minha arma seria «a velha maneira de fazer política», ou seja, confrontar educadamente o prevaricador de forma a dar-lhe a ideia de que o poder da sabedoria era seu e a solução só podia também sair de si.
Com a retórica bem estudada e um jeito deliberadamente subjugado bati eu um dia à porta da vizinha apelando à inquestionável experiência com a passarada e precioso conhecimento urbano-imundo da mesma:
- Ó vizinha, diga-me lá, como é que a senhora faz quando se levanta numa manhã radiosa e de cigarro numa mão e café fresco na outra se abeira da janela para sentir os primeiros raios de sol na pele e lhe sai logo na tola uma boa duma caca ovípera?
A mulherzinha dissertou longamente sobre os que «a acompanham desde criança (a pombalhada toda) e ainda têm com ela cumplicidades quasi-humanas de valor incalculável nesta cidade desumana».
No fim, já farta de estar em pé e em respeitoso sentido a uma matrafona que só conhece camisas de noite com grandes nódoas, disse-me com os olhos muito abertos e brilhantes, como se de poção milagrosa se tratasse:
- A vizinha só tem de 20 em 20 centímetros de corda pendurar sacos plásticos.
- Sacos plásticos??????????
- Sim, que os pequeninos assustam-se muito. E tente usar plástico leve e colorido que é para à mínima aragem de ar os sacos mexerem-se e eles apanharem um susto. Percebeu?

Agradeci, recolhi-me estúpida por ter perdido o meu tempo e a minha reserva natural à convivência inter-condomínica e fui para dentro a sentir o que só hoje o PSL me aclarou: «provavelmente nós temos algo em comum: não nos demos bem com este sistema».
Também como este político «eles acham que eu sou de fora do sistema que eles querem manter» o que não é verdade, porque cheguei mesmo a estar em frente do tal milho roxo que se dá aos pombos para os matar e não tive a coragem para o fazer.
«Já pensou bem nisso?» E afinal de contas «não os trato tão mal como eles a mim», era o que eu devia ter dito à vizinha e não disse, nem nada até hoje fiz.
Ora já chega! Não tenho nada a ver com este senhor político que me toma por ignorante e analfabeta nestas coisas do voto que dou e depois não cobro!
«Costumo votar, e não é por acaso», senhor PSL.
É por saber que me assiste esta coisa democrática dos eleitos que só podem obrigar-se a defender-me quando para lá voam.
Se «os tratam mal e até somos vários» não podem por isso negligentemente dizer que se trata de uma conspiração «de outros» e «afastarem-se por razões» menos claras do que as do poleiro tão anteriormente cobiçado e agora levianamente abandonado.
Nesta missiva chorosa do PSL (é de notar que a carta é só do PSL e não do PSD) já estou também a ver a despedida aquando da sua derrota a 20 de Fevereiro:

«Caros(as) Amigos(as)
Não pare de ler esta carta se quiser saber porque me afastei.
Se o fizer, fará o mesmo que o Presidente da República um dia me fez a mim e a Portugal, ao interromper um conjunto de homens e medidas para o futuro que vos beneficiava só a vocês, homens e mulheres deste país.
Afasto-me, não pelos defeitos comuns que tenho, nem pelas razões com que deixo todos os projectos a meio, mas porque ELES (!!!!) me quiseram afastar.
E quem são ELES?
ESSES que os portugueses e as portuguesas não me ajudaram a fazer frente?
Não, não pare de ler esta carta!!!!!!!!!!
Se quiser mesmo saber a verdade que a Comunicação Social não mostra e Portugal merece saber, não pare de ler esta carta!!!!!!!!!!!
Não me lê pelas mesmas razões que ELES me quiserem afastar?
OS poderosos estão mesmo à espera que não me leia e tudo fique na mesma!!!!!!!!
É a velha maneira de ELES fazerem política!!!!!!!!!!!
É um favor que lhe peço!!!!!
Pois muito bem! Desta vez pedi-lhe o favor de vir votar. Da próxima já não lho peço, nem por todos nós!
Pedro Santana Lopes»

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

...


«Tentei encontrar uma personagem mutante fora das imagens habituais de BD e FC, em que as personagens são sempre extremamente estereotipadas. Fiz imagens por oposição a isso, mostrando que cada civilização quis fabricar os corpos e formatar o que estava dentro, quando dizemos "amo", "quero", "desejo", pensamos que isso corresponde ao nosso eu profundo e é apenas uma correspondência ao modelo proposto».

"O manto/o Barroco. Selo único: demonstração fálica 1983" (a mama da própria Orlan)

Sexo-Expresso (VI) das mamas...


«Se os meus sentidos não se enganam, isto deve ser um banho de uma mulher.
Vou ver o banho e afastar-me dele.
Receio muito que se estiver uma mulher na bacia nunca mais me livrarei dessa vergonha, se me acontecer a obscenidade de vê-la nua.
Grande seria o meu sofrimento se estivesse uma mulher nua no banho».
Pleier - cavaleiro francês do séc. XIII

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Um domingo estúpido só pode dar um post igualmente estúpido

[12:30h] Dormi quatorze horas seguidas com um febrão do 'catano' e aguardo com expectativa o telefonema de alguém que não vejo há uma semana.
[14:30h] Fim da quarentena e da (des)espera: cama mudada, quarto e casa arejada e um bom banho para as tristezas da alma (continuo a aguardar sinais de vida lá de fora...).
[15:00h] Sol feliz e radiante. 'Ala' para a esplanada acompanhada do jornal, da visita que não veio e a bicharada que não sabe o que é rua faz já 3 dias.
[15:30h] Ele vem a caminho... mas como estou com o 'rabo' gelado da cadeira de ferro, desconfortável com o vento que me afaga as costas e dorida da gripe que ainda não está totalmente sanada, acho que vou é para casa...
[16:00h] Tenho a perna direita dormente, que a bicharada teimou em pôr-se debaixo dela para fugir das pisadelas da multidão que ali apareceu para um velório na igreja ao lado e o bom-senso baralhado ainda com a separação da irmã que afinal já não se separa e a sua lua-de-mel-imobiliária que espero não ser como a primeira (quase nova!!!!) que reclama nunca ter chegado a haver...
[16:30h] Chegou e descobri que tenho meia-hora para olhar, falar e desfrutar o impossível.

[16:40h] Afinal não é impossível... desde que tenha o tempo, espaço e, acima de tudo, POSSA FAZER AS COISAS À SUA MANEIRA! (Mas não é só como que tem sido??????)
[23:27h] Engripada, Gelada, Danada, Rejeitada, Incompreendida, Cansada, Sózinha, Ignorada, etc, etc, tudo o que vocês acharem que vos convence que há vida em Marte: VOCÊS!!!!!!

[00:36h] Acabou-se esta treta!!!!!! A gripe, o ranho e mais ranho, manas que não sabem a quantas andam, manas que acham que elas deviam saber, gajos que gostam de ouvir do bom e viram as costas ao mau, gajos que merecem mais e que nós não conseguimos dar!!!!!
Aviso que entrei para a clausura social, espiritual, sexual, esqueçam-me e à minha bicharada!!!!!!
C'ó licença!!!!!!!!!!!!!

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Sexo-Expresso (V)


"As meninas de Avinhão" - Pablo Picasso, 1907

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

A Palavra ao serviço da Guerra

Primeiro os homens descobriram a Palavra...
Celebraram-na, exorcitaram-na e a sua Comunicação uni-os no que tinham em comum e de diferente para a futura Sociedade Cultural.
Da escrita dispersa e inconsequente à mensagem de conteúdo organizado e calculista, foi um passo curto na imensidão perversa que a Informação actual suscita.
A Imprensa, veículo privilegiado, que começou por oferecer informação isenta - livre que estava da Propriedade sem escrúpulos - logo viu ameaçada a sua independência económica quando descoberto o filão de ouro da Publicidade.
Não ficando a ambição por aqui não tardou que a Mensagem Mistificadora ou de Calúnia a usasse mais uma vez como instrumento de pressão e influência ao serviço de poderes/classes outras que não as da Imprensa Livre - Lobbys.
Empresários de futebol, Grupos Económicos e Empresariais, Correntes Políticas e Ideológicas, Elites Culturais, Lobbys governamentais, etc,... muitos dos que alienaram a médio e longo prazo a consciência social e cívica do cidadão comum, a única voz apta a representar a Imparcialidade, a Justiça e a Crítica.
Hoje, descoberto que o Pentágono criou e alimentou o Terrorismo pela palavra... a Europa espanta-se e indigna-se com 'certa' Imprensa, provável instrumento legitimador de Guerreiros e suas Discórdias.


quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Ideário nacional da maledicência humorista sobre futebol


Agora que o Gato Fedorento apadrinhou publicitariamente o futebol, ou melhor dizendo, o "glorioso" Benfica, já não há espaço para as suas interrogações do tipo:
«CÁ SE FAZEM CÁ SE PAGAM. Tenho assistido a alguns jogos de futebol feminino nos Jogos Olímpicos e não consigo perceber qual o interesse desta modalidade. É impressão minha, ou o futebol feminino são vinte e duas mulheres a correr atrás de uma bola?» Gato Fedorento
Não senhora, este blog de humor sarcástico, agora in loco no balneário, obriga-se a uma espécie de ideário nacional da maledicência humorista sobre futebol, por privilégios óbvios, e não tem outro remédio senão oferecer-nos material de melhor qualidade anedótica do que anda por aí:
«No futebol, um indivíduo repete:
- Um campo, 80.000 espectadores, 22 jogadores, 1 árbrito, 2 juízes de linha!
- Um campo, 80.000 espectadores, 22 jogadores, 1 árbrito, 2 juízes de linha!
- Um campo, 80.000 espectadores, 22 jogadores, 1 árbrito, 2 juízes de linha!
Chateado com a lengalenga, outro adepto interpela-o:
- Oiça lá, cale-se com isso. Porque é que está sempre a repetir a mesma coisa?
- Um campo, 80.000 espectadores, 22 jogadores, 1 árbrito, 2 juízes de linha e os gajos correm, correm, correm e não marcam nada!
» Anónimo

domingo, fevereiro 06, 2005

Rómulo e Remo


A direita jurou vingar o esmorecimento democrático e fastio europeista do duplo mandato guterrista, fragilizado há muito por arritmias internas.
O moderado e discreto estadista durense zarpou para Bruxelas e logo a coqueluche 'santanete' sub-empreitou o voluntarismo e ambição presidencial do CDS (órfão e insurrecto de Manuel Monteiro) e pediu ao povo a capitulação do descrédito e superstição plebiscita numa maioria em glória: «Sêde humildes!»
Sem pejo, juraram à concordata lusitana estimar a herança (i)legítima e em uníssono apregoram a abastança e boa-ventura do próximo reinado.
Agora... agora que o nojo dos dividendos de um e os (dú)videndos de outro os afastaram da cooperação e concórdia ministerial... são como Rómulo e Remo... filharada da falência e do peculato patriótico social-democrata... irmãos ao sacrifício... não o do gume da faca patriarca... mas o do escrutínio popular.

sábado, fevereiro 05, 2005

A virilha escangalhada

Carrego uma virilha escangalhada, e digo "carrego" porque há já 4 dias que ando de jeito torto a enviezar para uma direita fraca e bamba.
Já me incomoda - não o posso negar nem aos vizinhos mais distraídos - e em circunstâncias triviais dou com os obstáculos mais absurdos e inimagináveis.
É muito simples: façam o 4 (sim, o copófónico), isso mesmo e agora em equilíbrio tentem apanhar uma poia de cão ou a trela que se enrolou no sapato...
Não dá, não é?
Oferece sim, uma dor terrível que vai da virilha até apanhar uma das nádegas e como sabem se da cintura para baixo ficamos presos o mesmo será dizer que o corpo todo fica também. O nosso equilíbrio foge rápido e só há tempo de esticar as palmas da mão para amolecer a queda na calçada suja.
Há dois pares de dias que arrasto uma virilha inflamada de patriotismo letrado e pesa-me estupidamente na agilidade que sempre me levou do Saldanha ao Rossio em 19 minutos (agora não faço menos que 28!!!!!).
Trago comigo uma pilha de jornais de uma quinzena que não resisto a ler (mesmo desactualizados) e umas revistinhas donde só se aproveitam umas entrevistas bestiais como a de um cientista a frustrar-nos a utopia da Biotecnologia, porque afinal está ao serviço do mundo bélico e do mercado económico expansionista em vez da cura do cancro que nunca mais se arranja.
A dita cuja só pode ser uma iluminista convicta, que me incha, incha..., na proporção directa à desfaçatez da prosa: «quanto mais evoluídos somos e dominamos a ciência, mais queremos e, acima de tudo, queremos ultrapassar-nos a nós próprios e passar a fazer merchandising e outsourcing com o genoma humano e os códigos da terra e do espaço celeste».
Eu entendo-a, afinal são uma cambada de cientistas mais mecenas do androidismo do que da teoria do Bom Selvagem, mas quem é que se 'lixa'?

Tenho uma virilha 'fanada' que arrasto há já 4 dias num andar desconjuntado a insinuar uma direita sofrida.
Agora que isto vem à baila lembrei-me que ao terceiro dia quando prescrutava a dita cuja, no intuito de topar-lhe a maleita, dei de caras com outro alíbi suspeito.
De selvagem só tinha a linguagem nova e modernista que para a época configurava-se severa e dura e, ainda hoje, quando ouço a Graça Lobo de boca escancarada a falar com aquela expressão corporal primitiva e a paixão estética da rudeza pela rudeza (tal como o Cesariny que vinha noutra revista) apercebo-me que ando entre as pernas com ela, ele e o Luíz Pacheco (inflamado também) a mandar toda a gente para o 'cara.... '
Perceberam agora como é que eu ando, ou melhor, arrasto-me com estes monstros de língua cruel e pungente aos demónios que ostracizam ou nos amores depressivos que cultivam e que enchem o âmago e fazem-nos achar os homens uns zés-ninguém, uns badamecos que não têm o linguarajar certo e assaz como gente grande para pôr tudo na ordem?
«Ai mãe, ai mãe, que assim é que me dói muito, porque dói no corpo da palavra e ao que parece este comanda o outro, surdo e submisso por uma virilha escangalhada».
Ando com a ciência prostituta e os surrealistas a 'fod...' a minha virilha. Eles e mais uma biografia de Sidónio Pais, aniquilado novo pelos burgueses e monárquicos da nova República, todos uns cagões e assexuados.


Quando eu entrei no velho monumento
Para fitar o mítico soldado,
Ergui a Deus mais alto o pensamento,
E pondo as mãos rezei ajoelhado.


Depois, encaminhei-me, a passo lento,
Para junto do grande iluminado!
E quis fugir, do vê-lo olhar-me atento,
- como se eu fosse o único culpado!


"Ninguém e esqueçe, ó príncipe formoso!
Hás de viver na alma atormentada
Deste povo que é nobre e desditoso"


Pelas naves a luz esmorecia;
E a minha voz erguendo-se cansada,
Errante pelas sombras se perdia!...

(António Botto, 1919)


O romantismo heróico associado àquele Presidente-Rei que no último sopro disse «Morro e morro bem. Salvem a pátria», é um gozo e encanto às minhas preferências e a dita cuja, gorda de intelectualidades póstumas, científicas, jornalísticas, surrealistas e toda a letrada, anda irada faz já 4 dias e dá-me no andar um jeito torto e desconjuntado a insinuar uma direita bamba e sofrida.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

O 'velhote' anda manco

Uma Relação de Facto tem mais vantagens libertárias (não, não disse libertinas!) que uma União de Facto e mesmo que algumas se revelem, em circunstâncias particulares, mais "desvantajosas" do que pensávamos isso é a própria vidinha.
- No IRS não há contas a dar por facturas que dobram;
- Mudamos de casa ou emprego sempre que nos der na real gana;
- À agência bancária uma assinatura e B.I. bastam;
- À família nunca parecerá estranho recolhermo-nos três semanas em sua casa com uma valente depressão;
- Para as viagens grandes nunca ouviremos dos outros que «antes de arranjar-mos os cães devíamos ter pensado que se acabariam as honeymoons»;
- Se quisermos adoptar uma criança temos benefícios fiscais por sermos aparentes mães ou pais solteiros; etc; etc.
O mais interessante desta história (para quem assim optou, claro!) é que só se têm os "Amores-difíceis" do Júlio Machado Vaz e daquela mulher interessantíssima (que nunca me lembro o nome) quando se quiser.
Não me tomem e ao 'velhote' - o meu 'mais que tudo' - por mundanos ou de intimidades calculadas quase matematicamente, longe disso.
Todas as uniões, incluindo a católica, geram também os interesses vários que se implicam para cada um e tratam de salvaguardar para o futuro os bens equivalente dos dois:

- comunhão de bens; herança automática aos descendentes directos; contas e créditos bancários conjuntos; etc; etc; (que eu não quero nem nunca quis saber o que é).
Na hora certa, eu e o 'velhote' não nos poupámos a ingenuidades que nos podiam mais tarde sair caras, e, para mim, uma era fundamental e pelos vistos novidade: a SAÚDE!!!!!!!!!!!!!!!!!!

- A saúde???????????? - intrigou-se.
O pormenor de na Relação de Facto a coexistência física funcionar em dois territórios e por isso obrigar à neutralidade das cedências domésticas de ordem prática - ora na minha casa, ora na casa dele - não era impeditivo de alguma pressão da vontade de um sobre o outro, e se havia algo que eu não abdicava era da minha saúde!
- Da tua saúde????????????.
Era importante que eu o avisasse de que nunca abdicaria da minha abstémia médica, ou seja, que nunca esperasse da minha parte zelo e atenção na saúde que podia falhar, a minha claro.

Continuaria a fumar estupidamente como se desejasse um cancro pulmonar à grande e à francesa; a desenvolver curiosa o regime vegetariano que me desfazia gradualmente a resistência óssea e fanava alguns dentes; a levar para o emprego as febres gripais em vez da baixa temporária; a não tomar a pílula porque me alterava o metabolismo todo e o obrigava à camisinha tirana ou ao coitadinho do 'coito'; etc; etc.
- Bem... Está bem!.
Ora, eu não falava de cor, meus amigos.
Estava eu regalada no sofá quando toca o telemóvel e do outro lado o meu companheiro em tom sofrido:
- Estou há meia-hora a tentar apertar os atacadores...
- Como?
- Tenho uma dor na perna esquerda e não me consigo mexer...

Como estava muito longe, não havia como lhe perguntar se precisava que fosse lá, e disse-lhe apenas:
- Vai a uma fármacia e pede um anti-inflamatório - se for uma pequena infecção - ou um creme - se for um mau jeito ou uma luxuação muscular - mas tem calma.

Deixa passar dois ou três dias para não fazeres figuras desnecessárias num médico (o que é que vocês querem, é assim que eu faço comigo!).
- Está bem.
Uma semana depois descobri que ele nem isso quis fazer porque afinal ainda era pior que eu.

Meteu-se doido a consultar mil e uma literaturas médicas e apareceu-me com um auto-diagnóstico de reumático e raquitismo.
- Estou à beira da decadência física e tu a perder tempo comigo.
- Não sejas tonto. Tomás-te alguma coisa?
- Telefonei à minha irmã, que logo disse que já sabia o que era, e me aconselhou a tomar não sei o quê, que ela já tinha tido o mesmo.
Jeitoso! O 'velhote' anda já há um mês manco sem fazer o que quer que seja e eu é que o aturo mais a sua timidez farmacêutica.
É como vos disse: caprichosamente não abdico da minha abstémia dos assuntos da saúde e também me furto ao queixume da dor e mau-estar. Portanto, não chateio ninguém e ninguém me chateia.

Se não... vou mesmo direito aos entendidos dos médicos.
Agora... não ando a queixar-me todo o santo dia!

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Infeliz e mau "Sexo-Expresso"

João Paulo II abre 2005 com a insistência patética aos devotos do catolicismo "em baixa" de que «uma prática correcta da sexualidade supõe castidade e fidelidade», contrariando os reformistas (ou modernistas?) castelhanos que à luz da dignidade salutar da Vida ousaram respeitar e aceitar aqueles que na prevenção da SIDA recorressem ao preservativo.
A igreja espanhola dá um passo em frente e o Vaticano - o "oficial" - dá vários para trás, visto a escalada que a doênça tem tido.
É conhecido e comprovado que a castidade não serviu aos próprios representantes da Lei de Cristo, então porque é que há-de a socidade civil enfiar esta carapuça?
Só espero que a catrefada de 'padrecos' hoje em investigação por exploração sexual indigna, seja condenada severamente e que tenha usado ao menos preservativos.
Haja fé!

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Nem sempre a nossa linguagem de dor se adequa ao carpir dos outros

Nos momentos mais difíceis com o mundo - esse universo bicéfalo de actos e consequências que nos enreda às vezes - o sentimento de que no fim olha-se à verdade certa e não à sua condição de justiça, porque há sempre duas: a nossa e a dos outros, meus pais sempre me pediram o mesmo: «Vem para junto de nós, não fiques só nesse silêncio».
Hoje, adulta e com novos vínculos afectivos não menos comprometidos que os paternos, faço-me ainda à Estrada Nacional 10 e só paro na Rua do Bonfim, n.º 4, 2.º direito.
O quarto pequeno fez-se um grande escritório e biblioteca, a cama baixa e dura deu lugar ao sofá alto e confortável, mas o horizonte livre que se perde nas lezírias ribatejanas e no Tejo ao fundo da inclinação do bairro, continua tão imaculado quanto o silêncio protector e a companhia solidariamente ausente de há 34 anos.
À hora do almoço telefonou-me um amigo para ir ao encontro da sua condição abalada e protegida pela impessoalidade de um café.
A interioridade que o momento lhe exigia escolheu ocasionar-se ali, onde urgências só haviam as da fome ou da sede e por isso tão à vontade se sentia meu amigo em sentir-se perdido para mim.
Cheguei, sentei-me com as mãos geladas agarradas à quentura do café e limitei-me a observá-lo em silêncio, dando-lhe só a entender que o acompanhava através da expressão compassada de um sorriso ou de uma inclinação da cabeça quando me pareciam mais sofridas as suas amarguras.
Não fazia sentido pedir-lhe para «vir para junto de mim e não se quedar só no silêncio», restava-me apenas oferecer-lhe a companhia omissa e o silêncio solidário que sempre me serenou no choque e fatalidade.
Perante as lágrimas mudas e contrariadas do meu amigo, convenci-me que este interpretava na minha ternura discreta a mensagem de que o que era importante era não se consumir na escuridão que agora lhe parecia eterna, mas chorá-la sem juízos para que se lhe esgotasse a amargura e ficasse livre para voltar a sentir a verdade do que entendia.
Erro meu! Disse-me severamente que lhe incomodava o sorriso, que eu logo engoli mais o bafo do cigarro, e que também me escusava a cinismos de «coitadinho, deixa estar que logo passa» ou «tens razão, claro».
Deixei-o dizer as patacoadas todas que quisesse (é sempre o que se diz quando se está 'feito num oito') e, antes de o deixar só, terminei a conversa com uma declaração de princípios, que ele podia muito bem rasgar e deitar fora:
1) Choro contigo sempre que quiseres, mas não disfarço a ternura que me invade por afecto;
2) Não alinho na ingenuidade argumentativa de quem tem ou não a culpa;
3) Tens o meu silêncio respeitoso mas não arrisques pedir-me a opinião;
4) Acato a tua clausura temporária, se o decidires, basta-me apenas saber se estás vivo;
5) Se quiseres mandar tudo à merda conta comigo, só não contes com a resignação e a cobardia;
Mea culpa! Nos momentos mais difíceis com o mundo - esse universo dos outros connosco e de nós para os outros - nem sempre a nossa linguagem de dor se adequa ao carpir dos outros.
O alfabecto das emoções é o mesmo mas o da cumplicidade já não e chega a criar maus-entendidos: telefonou-me um amigo do café para socorrê-lo do seu infortúnio sofrido e por um silêncio sorridente mal interpretado, despedimo-nos cada um com o seu pesar: o dele, o incompreendido; o meu, o compreendi-te perfeitamente e já sabes onde me encontras se precisares....