domingo, outubro 30, 2005

Sexo-Expresso (XXVIII) ou O Sexo na música


(Otto Dix, pintor alemão de 1891-1969)
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O erotismo no Fado não é de hoje, sempre lá esteve. Brejeiro, mas sempre lá esteve...
«Ao fado canta-se a vida.
Ao fado canta-se a morte.
O fado canta a partida, a despedida, a nossa sorte
»
Em 1985, o lisboeta António Coelho compunha este soneto a que recorro hoje - 20 anos depois - para cruzar as fontes de inspiração socioculturais do fado do séc. XXI e o erotismo na "escala fadista".
A condição humilde que caracterizou Severa no séc. XIX (das primeiras fadistas de Lisboa conhecida por "chorar" uma ligação amorosa e tumultuada com o Conde de Vimioso) e lhe imprimiu características de interpretação registadas na história da música portuguesa, continuará presente nas linhas temáticas do fado de hoje?
Que enredos sofridos ou revoltas silenciosas recheiam o imaginário cantado dos intérpretes actuais?
As actuais democracias e o seu presente não menos perturbado (um denominador comum desta expressão artística) já não se evidenciam úteis nos conteúdos modernos como antigamente? Por exemplo, antes lamentavam-se as histórias dos filhos destinados à morte durante os difíceis anos de conflito armado nos territórios ultramarinos do regime de Salazar.
Sabemos que Portugal está em crise de valores há algum tempo e que a era da globalização consegue fazer de qualquer ouvido sensível um órgão tísico aos valores centrados no Homem como potencial realizador e o contista por excelência da história humana.
O fado, outrora ladainha de esperança perante a cruel desorganização do tempo social (popular) e um carpir consolador para os cantores amadores e os ouvintes dos bairros humildes, só preserva hoje das suas origens a espinha formal.
A única semelhança entre o "fado moderno" e o "fado antigo" é a cantiga em estrofes e acompanhada por dois instrumentos dedilhados, normalmente a guitarra e a viola.

«O fado é terno, é amigo dedicado.
Quer antigo, quer moderno,
nosso fado é sempre fado
»

Cantava o fadista António Coelho. Mas, no púlpito impresso de Eduardo Prado Coelho no "Público" (Junho de 2005) reclamam-se serem estes outros tempos. Os do «fado maior. Do pós-fado ou do transfado».
O crítico sugere que a sua expressão estética e temática comuns estão longe do simples entendimento da letra ou da palavra contada (a narração directa de vivências pessoais ou relato de uma circunstância qualquer vivida) como era usual e individualizado pelos cantores(as) e diz ainda que «a perspectiva demasiado cerebral e fria, o snobismo intelectual, a excentricidade premeditada e a falta de calor humano» concentram uma extrema erudição «que em Portugal encontra reservas».
Palavras elegantes, mas insensato e irrealista considerar que há para os fadistas modernos "assuntos mais altos" do que havia para os antigos.
Hoje o fado encontra os mesmos imperativos - embora noutros moldes - e a mesma agitação social que o suscite a personalizar uma certa anarquia e ter as consequentes reacções na esfera pública e com a visibilidade que pretende.
Já não há a prepotência de Oliveira Salazar que proibia a sua comunicação aos pobres das cidades (justificando-o por não corresponder ao ideal do Trabalho, Família e Pátria) mas há muitos mais "bloqueios comunicativos" a que infelizmente temos que fazer a continência.
O fado é e sempre será um produto de gozo popular genuíno (apesar das suas divas) e o que fez dele um emblema nacional mundialmente conhecido foi a ingenuidade tecnológica de mulheres como Amália Rodrigues - o genuíno produto turístico - e não a sofisticação visual de Mísia («o lançamento foi no mítico Maxime. Candelabros, espelhos, cortinados. Todo um ambiente de decadência faustosa, extremamente envolvente e fascinante») ou os ângulos cénicos de Aldina Duarte («um cenário lindíssimo, de uma parede grenat, com uma porta no meio e projecção de nuvens, que, como o fumo das palavras e dos sonhos, transformava a imagem do céu obscurecido, uma inteligente e comovedora encenação de Jorge Silva Melo») como aspira Prado Coelho.
Numa leitura vertical parece-me haver um certo endeusamento da protagonista em cena (reparem que este tipo de descrição não se encontra para os homens fadistas) e em formatos pictóricos que sugerem uma nova linha temática e de projecção para este tipo de "cantar": «Desde os tempos do Frágil que Anamar é para mim um nome mítico. Alguns serão sobretudo sensíveis á sua presença vulcânica sobre um palco e aos aspectos de romantismo e sensualidade».
Ora, esta unidade de estilo sempre lá esteve, só que antes figurava-se num xaile bem vistoso, bijuteria brilhante e tudo sobreposto numa figura feminina negra e cuja proposta física se propunha ao nível do rosto e tronco para alcançar teatralidades emotivas de grande intensidade para quem a ouvia na penumbra de um ambiente nostálgico e melancólico.
Tudo boa música e bom "teatro", também. Mas um espectáculo cujo mérito reunia essencialmente os aspectos caracterizadores dos temas e a ambivalência pessoal e vivificada do intérprete naquele preciso momento.
Ontem e hoje, no fado canta-se muito do que na vida escapa ao domínio humano, incluindo a morte, por exemplo.
Para invocar variantes sofisticadas deste tipo de canção e sugerir um efeito artístico quase telúrico e próprio das estéticas modernas, outros como Prado Coelho sugerem um fado evoluído que já não é fado («é o modo como se veste, os sapatos e o chapéu. É o modo como, de costas, em dada altura se despe e fica apenas com um sugestivo vestido negro.... Anamar é uma personalidade sedutora, embora o que a distingue quase nos assuste: um vento de loucura que avança pela noite de Lisboa»).
Quando ouço "Um Homem na Cidade" de Carlos do Carmo, fecho os olhos e quase me babo com o imaginário urbano de Lisboa que os sonetos me sugerem. Deliciam-me os actores dessa "fotografia" rápida pela objectividade do sentimento idealizado e tão bem expresso na letra e a voz harmoniosa. O que predomina é a ideia, o conceito, e não um horizonte vago e essencialmente ocupado PELA figura (neste caso, de presença naturalmente charmosa e cantar sugestivo).
Para outros géneros musicais o mesmo já não acontece? Em outras músicas e outros músicos trata-se evidentemente de show business.
Não, não me parece ser o que chamam de «transfado» um complexo fenómeno onde se adivinha uma simbiose e compreensão profunda de outras áreas da cultura em geral.
A "palavra" da canção neste género musical - que anteriormente exerceu magia pela associação de contextos e sensibilidades sofredoras e de destino fatídico - não penso apresentar-se hoje com uma inovadora variante, assim tão fértil e quase alucinatória de conceito e estética.
Se calhar o fado, como outras expressões artísticas, goza de novos e potenciais elementos acessórios que o "iluminam" em inimagináveis ângulos de performance...
Se calhar as fadistas estão mais bonitas hoje, ou direi deliciosamente eróticas?
As fadistas sempre "encheram" bem o peito e rasgaram as goelas para que as notas lhes saíssem bem do fundo do âmago - o mesmo que pare os filhos...
Bem... talvez nunca tenha sido de «quase nos assustar», como «um vento de loucura que avança pelo» nocturno erótico da cidade, parafraseando Prado Coelho.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

http://www.askmen.com/women/votes_200/248_greek_goddesses_2.html
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http://uk.launch.yahoo.com/l_reviews_l/20314.html
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mas eu pessoalmente gosto mais da nosa DEUSA nacional ;)

00:35  

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