quarta-feira, outubro 05, 2005

E imaginei o meu pai na mesma posição de apoio de meu avô...


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Quando a lua entrou na sombra cá de casa, não a recebi. Quedei-me firme na umbra do quarto e na nostalgia materna dos lençóis que, ainda hoje, muitas manhãs desejo que me destape e, doce, me enxote para a violência da luz lá fora.
Quem - como eu - não comunga no sono a serenidade da pausa, só permite ao leito o estatuto de exílio quando mais nada se presta.
E, ainda assim, só mesmo a MINHA cama que está imaculada de solidariedades outras que não as velaturas inconfundíveis dos aconchegos de mãe. Ou dos pais, se quiserem.
Para mim, dispenso o género masculino nessas mãos que enxotam por que vela sempre o meu recolhimento A de meu pai. À minha cabeceira, ou melhor, à cadeira que faz-de-conta, pousa madura, orgulhosa e esculpida em gesso pelo próprio e com a confiança de um placebo.
Há homens que nos arrebatam o coração e homens que nos arrebatam a cama. Um pai que se preze confia-nos a ambos e apenas deseja que saibamos "dormir sobre cada assunto como gente grande"!
No dia anterior tratei de comprar os óculos Sky & Space munidos do tal filtro «que nos permite a observação directa do sol sem perigo» e protege os olhos da exposição «conquanto sejam utilizados correctamente».
Por razões outras, que não as de curiosidade astrofísica ou mística enfeitiçante associadas a este fénómeno da lua, este ano estava decidida a violar o repouso entre as 9:00 e as 11:00 (único período de descanso que a insónia crónica ainda não arrebatou) e assistir da alta janela da sala aquela dança amorosa de um corpo esférico entrando na sombra de outro também esférico.
Talvez a metáfora mais perfeita de Dois Num Só sem que a grandeza ou pequenez de cada individualidade seja obstáculo para a união, como a cumplicidade particular com meu pai.
No último eclipse solar que presenciei, encontrava-me no cimo da Serra do Marão (sexta maior elevação de Portugal Continental) e acompanhada por dois filhos da terra transmontana, meu avô e meu pai, o seu filho mais velho.
Por minha sugestão arrancámos juntos e na bisga de Lisboa para a aldeia de Fornelos, encantados pela ideia de oferecer o primeiro e provavelmente o último eclipse solar a meu avô. Um duriense muito velho que de fenómenos só conhece os da mitologia popular, como as formas sugestivas da cumieira do Marão que diz ser uma jovem rapariga deitada e chorando os desamores por um marialva sabido que pela aldeia passou um dia.
Amparados, recordo disputar-mos durante os 7/8 minutos do "caminho do eclipse", uma minúscula radiografia do tornozelo desfeito de meu avô, sem que déssemos pela ruína que morava ali naquele substituto óptico. Para as gentes do campo, não há fenómenos que compensem apartarmo-nos do trabalho da vinha ou do azeite, nem sequer as romarias religiosas de cor e cânticos luxuriantes tão típicas dessa região.
Um camponês morre duas vezes: a primeira quando deixa o amanhar das terras e a segunda quando o Nosso Senhor o decide levar para o Céu.
Enquando a lua tentava entrar na penumbra cá de casa, corri a telefonar para meu pai a quem foi diagnosticado um glaucoma agudo sem qualquer hipótese de intervenção cirúrgica.
Quem atendeu foi minha mãe. Disse-lhe que tivesse cuidado com os Sky & Space que advertiam para usos indisciplinados e aconselhavam «a utilização contínua a frequências com uma duração máxima de 3 minutos, assim como o tempo de descanso de 30 segundos».
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- O teu pai ficou à janela a olhar para lá... eu ainda tentei dizer-lhe...
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E imaginei o meu pai na mesma posição de apoio de meu avô que há meia dúzia de anos na Serra do marão... desta vez à janela e não a 1415 metros de altura... também anestesiado pela beleza daquele "anel de diamante" magnífico com a largura de 270 Km... porque podia ser o último eclipse solar - genuíno a olho nu - antes do outro... o da cegueira.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

http://www.watchtower.org/languages/portuguese/library/g/2004/10/8a/article_01.htm
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http://www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec20_226.htm
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http://www.saudevidaonline.com.br/glaucoma.htm

15:42  

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