sexta-feira, setembro 30, 2005

Nas democracias modernas, o conceito de Estado é produto directo da ambição 'social' do próprio Primeiro-ministro


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José Sócrates apesar da "mentirinha" grave durante a campanha eleitoral de que os impostos não iriam aumentar, até tem sido muito transparente e fiel ao essencial do Programa do XVII Governo Constitucional que a maioria legitimou.
Também não é difícil, afinal é um documento mobilizador em linhas gerais e simplificadas.
Em qualquer dos parâmetros do extenso Programa destaca-se a necessidade do relançamento da economia portuguesa doa a quem doer. Como por exemplo - embora suavizado - acabar com privilégios administrativos e benesses fiscais (promoção e evolução na carreira, tempo e remuneração para a reforma, acumulação de cargos e salários, etc) para funcionários do Estado e cargos públicos de nomeação política ou "independente".
Se acharmos que parte da nossa classe política (como administradores e gestores públicos) ainda goza de algum burguesismo ultrapassado à luz das democracias mais modernas (onde a ética ideológica extravasa a organização partidária e contempla uma relação social e cívica no desempenho) este princípio até é interessante.
Mas sem se atentar contra as liberdades básicas de participação e direito social do cidadão.
Repescando a introdução do mesmo Programa, «Elevar a qualidade da nossa democracia, reforçando a credibilidade do Estado e do sistema político e fazendo dos sistemas de justiça e de segurança instrumentos ao serviço de uma plena cidadania» e tendo em conta os vários levantamentos sociais (farmacêuticos, forças de segurança, magistrados, juizes, professores, etc.), ou os dentro do próprio PS e governo (substituição precoce de ministros, candidaturas presidenciais e dissidências de líderes autárquicos) é difícil confiar neste desígnio de Sócrates.
Por outro lado também não parecem importar muito as incoerências dos poucos mais de 100 dias de governo desta legislatura.
Parecemos andar mais preocupados com ninharias do que com o que nos espera, como o Plano Nacional de Emprego e o Défice português.
Como por exemplo o limite de idade para representação republicana que surge discutido por todo o lado com a candidatura do dinossauro Mário Soares. Caramba, eu também acho que o Sr. já tem a sua conta, mas que raio, quem quer que vote nele! Cá por mim, não perco tempo com o Marocas!
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Investimento público
Ninguém no seu bom senso tem qualquer dúvida sobre o motor de desenvolvimento que significa o investimento público. O Estado social só é exequível se o seu primogénito Estado explorador tiver espaço de acção.
O ideal seria mesmo que o PIB tivesse a sua incidência numa proporção de 30% da despesa orçamental e 70% de capital gerador. Por exemplo, que a Função Pública na generalidade não exigisse mais que 30/40% do Orçamento de Estado.
Actualmente (e não me admiro que as estatísticas nos mostrem que é assim desde a queda de Salazar e a formação dos vários governos provisórios) verifica-se o contrário. Não será somente por causa da redutora e estereotipada ideia de que parte da "máquina" humana (o corpo de funcionários públicos) é improdutiva, está sobrelotada e mal pensada, claro que não pode ser tão simples assim.
Mesmo a verificarem-se muitos casos de organismos, projectos e serviços concretos de óbvia inutilidade e em que é, de facto, muito discutível a necessidade da sua existência, acredito que serão sempre casos nucleares e serviços específicos.
Foi a própria classe política que tem andado pelo governo desde o 25 de Abril (PS, PSD e CDS-PP) que lançou esta moda dos últimos anos de que a Função Pública é "pesada" de mais. Afinal, o que resta do aparelho de estado para equacionar economicamente e além dos próprios (os eleitos) e os que se sucedem por nomeações directas, senão o grosso dos funcionários públicos?
Há poucos dias Jorge Coelho dizia na sua crónica semanal do DN: «A liquidez do Estado está inegavelmente em crise. O que é curioso é que quando se trata de sacrificar os outros, está tudo bem e unimo-nos para ‘o que der e vier’ com sentimento patriótico. Mas quando se trata de tirar ‘ao que é nosso‘, já não queremos e até resistimos».
3000 Batidas de texto onde em nenhum parágrafo se podem ler verbos como "reformar, subtrair, tirar, acumular, adiar, racionalizar" adaptados à "liquidez, escalões, prémios ou horas de desempenho", o que quer que seja, mas à outra parte do corpo estatal, a dos cargos estabelecidos e organismos instituídos directamente pelo partido do governo.
É mais que claro que este argumento do funcionalismo público "parasita" (no linguajar banal de muitos cidadãos inspirados) é demasiado oportunista quando não vem também acompanhado pelo registo e consciência da ineficácia política de conter despesas de outra ordem (como nomeações curtas que implicam simbólicas indemnizações, mas significativas quando falamos de salários altos de ministros ou gestores, ou a formação e extinção de secretarias e gabinetes dia sim, dia não, governo sim, governo não).
Mesmo que se façam afinações, é preciso honestidade política para assumir que a Função Pública existe, é necessária e a sua rentabilização parte da transparência e competência política. E que as sucessivas derrapagens da gestão acumuladas aos vários défices ministeriais é da exclusiva responsabilidade dos governantes.
A lógica de contenção de despesas no Estado não pode ser castradora porque deixada ao capricho e interesse político dos que por lá passam. Deverá ser racional, sustentada e com justiça social. O que significa percorrer todos os patamares do corpo público, desde os vulgos funcionários aos administradores e secretarias de Estado. Talvez assim Jorge Coelho possa um dia escrever na sua crónica que em Portugal os portugueses participam e abraçam eticamente as reformas e o desenvolvimento necessários ao país como nos prestigiados países nórdicos da Comunidade Europeia.
Talvez...