quarta-feira, outubro 19, 2005

A coqueluche de Sócrates no OE 2005/6

DESENVOLVER no contexto europeu significa, na maioria das vezes, investir com uma taxa de esforço reduzida na medida em que os programas comunitários baixam o risco de perda ou não recuperação caso se dê o insucesso.
No caso de finanças débeis como a nossa, exceptuando a tradicional participação pública ou empresas estatais de sectores estratégicos (como as da energia e comunicações que foram sucessivamente privatizadas e obrigaram a redistribuir as maiores fatias do bolo para os privados em vez do próprio Estado que tanto precisa), dificilmente se vislumbram outras realidades económicas para exploração.
O novo aeroporto da OTA e o TGV (XVII Programa Constitucional do Governo) decorrem, acima de tudo, de explorar uma verba comunitária que doutra forma depois de 2009 nunca mais poderíamos resgatar (QCA - Quadro Comunitário de Apoio na área de coesão dos transportes).
Parece claro que interessa mais a Sócrates absorver estas ajudas que a dar-lhes coerência nos percalços económicos e estagnados da situação actual do país. Para não falar do impacte ambiental da Otinha que desde 1999 constitui uma grande interrogação pelo que implica.
O governo está decidido em aproveitar os 30% financiados pelo PIEP comunitário (Programa de Infra-estruturas Prioritárias) e, se for preciso, correr o risco de aumentar o défice português pelos avultados 70% que lhe competem da cofinanciação.
Parece cego e nem se permite à discussão séria do que está em causa. Se uma "infra-estrutura prioritária" que não se pode adiar porque hipoteca a médio e longo prazo o desenvolvimento dos meios económicos, se uma "infra-estrutura prioritária" que não lesa se Portugal ponderar a não realização dela.
No caso concreto da OTA e do TGV (projectos com a duração mínima do mandato socialista, portanto Sócrates nunca gozará de algum 'azar estrutural e financeiro' se não continuar em governo nas próximas eleições), o que está em causa é o desperdício e abandono evidente do actual aeroporto de Lisboa (nos últimos anos sujeito a modernizações que não devem ter implicado valores propriamente simbólicos) e o esbanjamento de um investimento demasiado alto para o OE 2005/6.
Um preço demasiado alto a pagar para o eixo de transportes e comunicações de Portugal-centro da Europa, mesmo depois de ponderadas as mais-valias da sua centralização a outros acessos rápidos do país e proximidade com os eixos fundamentais da circulação entre Portugal/Espanha.
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Na altura, os governantes farão um brilharete digno de pompa e circunstância e haverá autarquias preocupadas com os privilégios que perdem da proximidade física aos eixos principais e os mercados económicos a eles associados (e por eles estabelecidos) e autarquias que não esperam por ver o que ficarão a ganhar na mesma proporção pelo que se oportuna do novo reposicionamento geográfico.
Ainda nesta sequência simplificada, resta a população em geral e a recta final destes altos vôos.
No caso do TGV, outras questões há que não no aeroporto da OTA. Como as dúvidas de investimento numa rede de comunicações de grande velocidade que não é compatível com o resto da malha ferroviária e nem perfilha a tendência constante do abandono deste transporte de longo-curso, caro demais para ser alternativa aos pequenos aeroportos ou viaturas automóveis.
Só a CP nos últimos anos têm encerrado e desmantelado vários quilómetros de linha ferroviária não sustentáveis pelo uso pouco corrente das populações à volta (não contando com os movimentos desertificadores do interior para os subúrbios urbanos) e pela massificação da viatura própria facilitada pelo crédito bancário.
O trunfo de Sócrates está indiscutivelmente no factor emprego que tem relevância nestas obras e mão de obra que implicam. Um oásis operário desejado por todos, mas durante quanto tempo?
E depois?
Depois voltarão todos ao desemprego...
Depois as empresas desse consórcio (que nunca serão as pequenas e médias verdadeiramente necessitadas destas bolsas de oxigénio) retomarão o ponto médio de labor pontual nos empreendimentos imobiliários e industriais...
Depois o marasmo empresário não está garantido que não regresse e repesque novo IVA para tributação...
Depois os portugueses poderão verificar que não usam mais avião do que já faziam e ainda têm para pagar uma dupla despesa de dois aeroportos a coexistirem...
Depois, a minoria empresarial que fazia o uso ferroviário rápido terá o TGV em vez de optar pelo avião mais rápido ainda...
Depois, outra minoria empresarial que fazia uso do aeroporto de Lisboa terá a Otinha para alternar com a namoradinha...
Depois, outros como eu poderão divertir-se esporadicamente num passeio fora do comum no TGV (que nem em Paris usei, tão eficazes e económicos são os comboios de lá)...
Depois acabo por não fazê-lo porque, ao contrário dos velhos e humanizados comboios, descubro que os cães "não têm assento"...
Depois Sócrates faz um brilharete e, a seguir, vai tentar convencer-nos e à Comunidade Europeia que Portugal recuperou a auto-estima e está na rota dos países tecnológicos.
Um país que vê aumentar o seu índice de pobreza, MAS TÊM O TGV, A COQUELUCHE DE SÓCRATES!