sábado, fevereiro 05, 2005

A virilha escangalhada

Carrego uma virilha escangalhada, e digo "carrego" porque há já 4 dias que ando de jeito torto a enviezar para uma direita fraca e bamba.
Já me incomoda - não o posso negar nem aos vizinhos mais distraídos - e em circunstâncias triviais dou com os obstáculos mais absurdos e inimagináveis.
É muito simples: façam o 4 (sim, o copófónico), isso mesmo e agora em equilíbrio tentem apanhar uma poia de cão ou a trela que se enrolou no sapato...
Não dá, não é?
Oferece sim, uma dor terrível que vai da virilha até apanhar uma das nádegas e como sabem se da cintura para baixo ficamos presos o mesmo será dizer que o corpo todo fica também. O nosso equilíbrio foge rápido e só há tempo de esticar as palmas da mão para amolecer a queda na calçada suja.
Há dois pares de dias que arrasto uma virilha inflamada de patriotismo letrado e pesa-me estupidamente na agilidade que sempre me levou do Saldanha ao Rossio em 19 minutos (agora não faço menos que 28!!!!!).
Trago comigo uma pilha de jornais de uma quinzena que não resisto a ler (mesmo desactualizados) e umas revistinhas donde só se aproveitam umas entrevistas bestiais como a de um cientista a frustrar-nos a utopia da Biotecnologia, porque afinal está ao serviço do mundo bélico e do mercado económico expansionista em vez da cura do cancro que nunca mais se arranja.
A dita cuja só pode ser uma iluminista convicta, que me incha, incha..., na proporção directa à desfaçatez da prosa: «quanto mais evoluídos somos e dominamos a ciência, mais queremos e, acima de tudo, queremos ultrapassar-nos a nós próprios e passar a fazer merchandising e outsourcing com o genoma humano e os códigos da terra e do espaço celeste».
Eu entendo-a, afinal são uma cambada de cientistas mais mecenas do androidismo do que da teoria do Bom Selvagem, mas quem é que se 'lixa'?

Tenho uma virilha 'fanada' que arrasto há já 4 dias num andar desconjuntado a insinuar uma direita sofrida.
Agora que isto vem à baila lembrei-me que ao terceiro dia quando prescrutava a dita cuja, no intuito de topar-lhe a maleita, dei de caras com outro alíbi suspeito.
De selvagem só tinha a linguagem nova e modernista que para a época configurava-se severa e dura e, ainda hoje, quando ouço a Graça Lobo de boca escancarada a falar com aquela expressão corporal primitiva e a paixão estética da rudeza pela rudeza (tal como o Cesariny que vinha noutra revista) apercebo-me que ando entre as pernas com ela, ele e o Luíz Pacheco (inflamado também) a mandar toda a gente para o 'cara.... '
Perceberam agora como é que eu ando, ou melhor, arrasto-me com estes monstros de língua cruel e pungente aos demónios que ostracizam ou nos amores depressivos que cultivam e que enchem o âmago e fazem-nos achar os homens uns zés-ninguém, uns badamecos que não têm o linguarajar certo e assaz como gente grande para pôr tudo na ordem?
«Ai mãe, ai mãe, que assim é que me dói muito, porque dói no corpo da palavra e ao que parece este comanda o outro, surdo e submisso por uma virilha escangalhada».
Ando com a ciência prostituta e os surrealistas a 'fod...' a minha virilha. Eles e mais uma biografia de Sidónio Pais, aniquilado novo pelos burgueses e monárquicos da nova República, todos uns cagões e assexuados.


Quando eu entrei no velho monumento
Para fitar o mítico soldado,
Ergui a Deus mais alto o pensamento,
E pondo as mãos rezei ajoelhado.


Depois, encaminhei-me, a passo lento,
Para junto do grande iluminado!
E quis fugir, do vê-lo olhar-me atento,
- como se eu fosse o único culpado!


"Ninguém e esqueçe, ó príncipe formoso!
Hás de viver na alma atormentada
Deste povo que é nobre e desditoso"


Pelas naves a luz esmorecia;
E a minha voz erguendo-se cansada,
Errante pelas sombras se perdia!...

(António Botto, 1919)


O romantismo heróico associado àquele Presidente-Rei que no último sopro disse «Morro e morro bem. Salvem a pátria», é um gozo e encanto às minhas preferências e a dita cuja, gorda de intelectualidades póstumas, científicas, jornalísticas, surrealistas e toda a letrada, anda irada faz já 4 dias e dá-me no andar um jeito torto e desconjuntado a insinuar uma direita bamba e sofrida.