segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Digam o que disserem é o jornal do povo e o regaço da sua fé absentista na esperança

Dizem os de razão respeitada e provada pela história que um povo em alheamento social é o exército ideal para cruzadas de fé.
Verdade absoluta, realidade comprovada, fenómeno repetido, socialidade reincidente e eterno elemento laboratorial para os sociólogos e delícias dos historiadores que á falta de tópicos sabem sempre contar com estes pasmos civilizacionais para os seus ditames.
A velha sabedoria popular ainda hoje verifica que "em terra de cegos quem tem olho é rei" e o que isto tem de genial é a sua apropriação concreta e eficaz mesmo para o imprevisível e assustador cenário destas eleições bipolarizadas.
A sociedade portuguesa está em crise político-identitária como não há memória e nem o voto destemido e ousado na diferença se revela salvador, que não é sequer reconhecida franja alguma (Bloco de Esquerda ou CDU, porque não?) que o rentabilize, mesmo voto órfão e resignado, para contrariar o branco ou o da abstenção.
Á luz da vidinha democrática e banal do cidadão a política partidária atravessa um cinzentismo total que mais não oferece senão uma grande família de 'colos' e os que em desespero neles se pretendem governar.
«Sem saída!» é o que as gentes choram na rua e que em épocas outras bastava para um grande safanão e levantamento popular, mas nestes tempos de progresso começar tudo de novo é coisa que não se adapta e ainda sai caro.
A labuta marginal da modernidade, mergulhada nos afazeres que reduzem os dias a tempo que passa e os anos à domesticidade da vida que se pensa merecer, só pode dar maioria de razão a três coisas: à abstenção moralizadora que deixa tudo na mesma, à fuga para grupos laicos e de 'novas ideologias' que só ganham peso nas cadeiras parlamentares que aquecem porque imaturos e ignorantes das perversões do sistema (lembram-se do PSN do Manuel Sérgio? Um deputado claramente desperdiçado!) ou ao "Outro".
Nestes momentos há aquele fervor religioso numa espécie de resignação "tradicional e inquestionável" de povo, que concilia as contrariedades e resigna qualquer utopia - chorem as gentes preces mais ou menos místicas - e aqui os crentes não são obrigatoriamente religiosos, só desprevenidos e desassossegados na sua modorra rotineira.
Não se sabe o que o eleitor entende por certo e justo ou o que lhe deram por garantido. Percebe-se apenas que o toma uma qualquer fé e esperança e dá o corpo esfomeado e a alma maltratada logo a quem não devia: ao voto dos vira-casacas e salafrários, os mesmos que antes o burlaram e encurralam hoje na urna viciada.
São 4:00 da madrugada na Passos Manuel e há humidade bastante que reduz a visibilidade além de poucos metros e obriga a percepção a ficar-se pela segurança do andar.

Do outro lado do passeio a "Tarantela" já produz as irresistíveis madalenas, cujo cheiro adoçicado de pastelaria fina destoa da frieza estática do mupi luminoso do "Correio da Manhã" sugerindo um "Altar de Fé" .
Um conjunto de cerca de 12 figuras de porcelana portuguesa pintadas à mão e criteriosamente arrumadas por uma beatificada importância que contraria a severidade do sujeito velho que ocupa o lugar de condutor de um táxi e se debruça sobre a mesma publicação diária que propõe tal impropério para a dureza das suas necessidades.
Oportuno?
Dejá vu!
Uma noite demasiado fria para um país há muito perdido e sacrificado, onde táxistas sem clientes só têm como ler piedosadamente, sob a parca luz auxiliar do tabelier, a bíblia conveniente do seu esquecimento na Terra Prometida, hoje cor-de-rosa... amanhã quiçá.
O país não virou à Esquerda, virou-se só o seu Corpo docente de Gestão... o povo, esse limita-se hoje a olhar para o lado oposto. É tudo quase do mesmo...
É um "rabo", um traseiro: uma alternativa nacional partidária bipolarizada entre a nádega direita e a nádega esquerda, que se sentam sempre sobre as expectativas dos mesmos - nós - e onde só varia a técnica de asseio pessoal.
O PS lava a dele com água de rosas e o PSD de citrinos.
Não me convence Sócrates e aquela campanha cavalgante de performances à americana que parecem congressos da IURDE.
Ainda me lembro muito bem dos dois mandatos guterristas e do Vencedor de agora, na altura um discreto ministro do Ambiente, dizer em representação das contrariedades da sua pasta «que é preciso mais eficácia e determinação. O que tem de ser, tem de ser, doa a quem doer».
O país não virou à esquerda, ficou foi perigosamente cor-de-rosa... que isto de absolutismos no poder sempre foram pouco democráticos, fossem eles mais ou menos à esquerda.