segunda-feira, março 14, 2005

Sexo-expresso (IX) ou o Sexo das formas

A lona de algodão, tosca e áspera, das tendas dos mineiros americanos que Lévis-Strauss um dia se lembrou de usar para fazer fardas de trabalho, fortes e resistentes, correu mundo(s) no imaginário da publicidade. Desde vestir actores de cinema (James Dean), sublimar estéticas (Marilyn Monroe foi fotografada agachada e levando as mãos à boca num gesto de deslumbramento por um meio-corpo masculino que envergava umas Levis) ou a fardar 'culturalidades' (Benetton), uma coisa é certa, vestiu (ou despiu?) fundamentalmente rabos e deu-lhes as formas distintas e associadas aos valores eróticos en vogue.
A fórmula é garante de sucesso eterno. Rabos sempre os há e a sua configuração maior, menor, larga, estreita, pequena ou grande, há-de sempre encontrar o eco adequado nas modas que se 'formatam' pelas linhas reais que eles sugerem.
Um Sonho de Uma Noite de Verão apresenta os rabos de 2005 como fantasias sexys inspiradas na libertinagem da corte shakesperiana.
Interessante sugestão... cruzar o Fantástico ao misticismo dos Imortais sem condutas morais a não ser a sua própria satisfação sexual...
Imaginem...
Não são as fadas que à noite nos bosques... com quem lhes apetecer?


[Numa noite de Verão a Rainha dos Elfos apaixona-se por um mortal com cabeça de burro e também um trabalhador local que ensaiava no bosque uma comédia de teatro amador para apresentar no casamento do Duque de Atenas e a Rainha das Amazonas]
Bottom (Tecelão) - Porque terão corrido? Decerto imaginaram alguma maroteira para me meter medo.
Snout (Marceneiro) - Ó Bottom, estás mudado! Que vejo em tua cabeça?
Bottom - Que vedes? Vedes uma cabeça de burro, a vossa; não será isso?
Quince (Carpinteiro) - Deus te abençoe, Bottom! Deus te abençoe. Estás transformado!
Bottom - Compreendo a brincadeira. Querem fazer-me de asno, para eu me amedrontar, como se fosse possível semelhante coisa. Mas façam o que fizerem, não arredarei o pé daqui. Passarei de um lado para o outro, e pôr-me-ei a cantar, para que eles percebam que não estou com medo. O melro negro e catita de biquinho alaranjado, o tordo de voz bonita, o carricinho espantado...
Titânia (Rainha dos elfos) - Que anjo me desperta do meu leito de flores?
Bottom - O pardal, a cotovia, a rolinha, o tentilhão, o cuco a cantar de dia sem que os homens digam "Não", porque em verdade, quem se poria a raciocinar com um pássaro tão estúpido? Quem diria a um pássaro que ele mente, por mais que repita: "Cuco"?
Titânia - Canta outra vez, gentil mortal, te peço. Tua voz os ouvidos me enamora, como o teu corpo os olhos me arrebata. E de tal modo a tua formosura me enleva e me comove, que eu proclamo, sem mais desculpas procurar, que te amo.
Bottom - Quer parecer-me, senhora, que para tanto vos assiste razção muito minguada. No entanto, para dizer verdade, hoje em dia a razão e o amor quase não andam juntos. É pena que alguns vizinhos honestos não se esforcem para deixá-los amigos. Como vedes, também posso ser espirituoso, em se oferecendo ocasião.
Titânia - És tão sábio quando belo.
Bottom - Nem tanto assim; se eu tivesse espírito suficiente para sair deste bosque, teria tudo de o que necessito.
Titânia - Não ponhas noutra parte o coração; no bosque ficarás, quer queiras ou não. Um espírito eu sou, de voz sincera; verão perene em meu país impera, e amor te voto. Por tudo isso, vem; silfos belos vais ter como eu, também, que jóias te trarão do mar profundo, e te farão dormir sempre jucundo. Da mortal grosseria vou livrar-te e em espírito aéreo transformar-te. Traça! Mostarda! Flor-de-ervilha! Teia!
(...)
Excerto de "Sonho de uma Noite de Verão" de William Shakespear