quarta-feira, março 09, 2005

A mesma relação símbolo/acto político mas a antítese em transparência da intenção democrática

A teatralidade da provocadora "retirada" e anúncio do envio do retrato de Freitas do Amaral (fundador do CDS) para o Largo do Rato denuncia suspeitas bem mais pertinentes do que as de um mero arrufo emotivo por despeito ou ressabiamento.
Como em qualquer cultura de grupo também nos partidos rituais e ícones são instrumentos necessários para a consolidação e interligação entre objectivos políticos e as suas práticas culturais, e contribuem para a criação, mesmo que às vezes contraditória, da génese teórica e da estruturação do consenso político nos seus aspectos comunicacionais.
Simplificando: uniformizar a práctica e a fundamentação nos seus representantes legítimos.
Com o fim da ditadura de Salazar a figuração ostensiva de um líder político em público ou em privado ganha como que uma "nova" identidade e de carácter museológico e pessoal, por assim dizer.
Ainda assim, para as direcções partidárias o equilíbrio e coerência entre a prática política e a sua transferência simbólica é um trabalho penoso pelas frágeis fronteiras que representa, principalmente se tivermos em conta que a sociedade e a cultura moderna tem na imagem um importante instrumento de acção.
Se considerarmos que o lado simbólico não é a dimensão racional do fundamento teórico, é sim a performance política, mas só através dele se podem contextualizar e vivificar os actos políticos, significa então uma verdadeira missão impossível: aliar a subjectividade dos símbolos à objectividade das acções propostas associada aos seus líderes.
As sedes mantêm "pendurada" a tradição honorífica mas o simbolismo e a omnipresença dos ditos personagens abandona a letargia corporativa e passa a mera representação temporal - embora o PSD não há muito tempo tenha inoportuna e abusivamente desvirtuado, ou melhor, profanado, este estatuto de mero registo póstumo, e escarrapachado Cavaco Silva num cartaz de campanha sem a sua prévia autorização.
Curiosamente tratou-se da mesma relação símbolo/acto político, mas a antítese em transparência da intenção democrática: a "positiva e favorecedora" do PSD através da instrumentalização figurativa para firmar no futuro a obra do passado e a "negativa e marginalizadora" do CDS da censura no presente de uma personalidade do seu passado e do que ela representa.
Ambos os partidos sabem que o poder dos seus líderes deriva também dos símbolos vários que eles manipulam (conceitos, dialética, referências, etc) e estes, por sua vez, dependem do conjunto de associações que o poder invoca e lhes faz.
2 Universos distintos que embora tenham formalizado a mesma acção, representaram pólos opostos na dita democraticidade das suas instituições.
Hitler dizia e muito sabiamente: «O poder dos símbolos é enorme. Os homens possuem o pensamento individual, mas são os símbolos que possuem o homem no colectivo».
Em ruptura política tanto as ideologias como as estruturas humanas sofrem novos desenvolvimentos, senão simplesmente eliminados, e os seus símbolos não ficam esquecidos: «Temos muita juventude a aderir ao CDS e, no sábado, essa juventude perguntava porque é que temos na nossa sede o retrato de uma pessoa que frequentou comícios do Bloco de Esquerda e agora é ministro do PS» (Mota Soares, secretário-geral do CDS-PP).
O discurso tão exaustivamente repetido de Paulo Portas que «sabe muito bem o que os comunistas e Estaline fizeram» é afinal o que precisamente tentam agora negar e defender com pouca inteligência: «Não estamos a querer apagar ou esquecer a história. O professor Freitas do Amaral não deixa de ter um lugar na história do CDS, mas é importante que a política seja feita de forma genuína, com honestidade intelectual, sem hipocrisias» (idem).
Diga-se o que se disser, defenda-se como se defender, trata-se do sinal evidente da perversão partidária, da intolerância democrática e do extremismo político sancionatório do CDS. Porque, a não ser assim, as considerações tinham-se ficado pelo esquecimento e marginalização interna de Freitas, ao invés da eliminação da sua imagem (que tem todo o direito de lá estar) como representação dos fundamentos que alia e em nítido medo da ameaça de "contaminação" que possa representar à dinâmica interna do partido.
O CDS poderia invocar que há não muito tempo com o fim do poderoso Bloco dos Países de Leste (Ex-URSS) caíu o Muro de Berlim e também se assistiu à destruição, derrube e queima de tudo o que representava o regime anterior, acções simbólicas da transição para a liberdade.
Sim senhora, não há como negar! E já agora porque não lembrar Saddam Hussein capturado num Iraque pulverizado e reduzido a escombros pelos "amigos" americanos e a população enfurecida e sequiosa pela tão prometida liberdade?
Oh, com certeza!
E em Portugal? Lembram-se das sedes comunistas ou das gigantescas letras de ferro da "Ponte Salazar" tombarem para todo o sempre aos pés dos populares e do sereno Tejo?
Oh, com certeza!
Ora, actos e manifestações de cariz simbólico (como a do retrato de Freitas do Amaral) só pretendem ideologicamente levar ao entendimento político dos seus apoiantes e bases de que na sua acção reside e fundamenta-se o contexto cultural, coerente e assumido da cultura e estrutura partidária, ou pensará o CDS que pode haver outra leitura?
Os símbolos fazem parte de todos os sistemas políticos e a sua linguagem, apesar de não ter uma dimensão objectiva, resume os códigos, é um instrumento medidador e social e o meio único para a identificação e construção dos conceitos e projectos da política real.
Simplificando: CENSURA!!!!!!!