quarta-feira, agosto 31, 2005

Propaganda política disfarçada de moralismo?


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Em relação à minha pessoa...
... que é jovem e cuja ética Pessoal só se diferencia da dos progenitores (com mais de 30 anos em cima) nas referências transgeracionais e a ética Individual raras vezes, adquirido que sou - em género - ser a continuidade do que para eles é fundamental numa conduta social e civilizada. Além disso, constituem-se "particulares" na medida em que são indivíduos sociologicamente educados/formados e com consolidação cívica e cultural.
Posto isto, hesito na interpretação do binómio «a sociedade e o capitalismo» que «muitos jovens desprezam» da última crónica de João César das Neves.
Linearmente, SOCIEDADE é a organização sócio-humana dos grupos de indivíduos e cuja orgânica de entendimento global (legitimidade natural e própria) e entendimento hierárquico (decisões legítimas) entre si, configura bases teóricas das tendências sociológicas que constituem os sistemas políticos estabelecidos - como a sociedade do capital, vulgo capitalismo.
Os idealismos de sociedade que o texto propagandeia (por exclusão de partes) são forçosamente a SOCIEDADE CAPITALISTA e só posso interpretar aqui um discurso de direita (tradicionalmente assumida como o motor de desenvolvimento do capital) que, neste artigo, não consegue apresentar mais que o lugar comum de resistência a ideais outros que não os economicistas e os da anti-utopia social.
Este posicionamento vem sempre a jeito na actualidade presente e tão difícil desses jovens irreais (jovens que mais parecem ter saído da década de 40 ou 60) em princípio de vida e a quem só resta mesmo «desprezar» os seus representantes políticos e «ralhar ao mundo com a severidade» com que também lhes ralham diariamente factores intransponíveis da realidade para "evoluírem" na sua cidadania.
Pergunto-me se a economia de palavras (de conteúdo) do professor é natural (dada a sua formação académica) ou propositada porque a pretende para sentenciar criticamente os tais outros diferentes de si.
Quase se pode dizer que João César das Neves é "mais papista que o Papa". Não pelo catolicismo visceral a que nos habituou nas suas crónicas, mas pelo socorro às frases feitas mais redutoras e ignorantemente massificadas:
  • «Nas questões religiosas é onde, normalmente, o moralismo surge com maior intensidade...e sente-se sobretudo nos que se opõem às religiões»
  • «...surpreendentemente, é fora dos temas religiosos que se encontra o maior moralismo. Qualquer defesa da família, da honra, da herança cultural...»
  • «...talvez o máximo de moralismo se encontre, porém, nos partidos de extrema-esquerda... presos num juízo tacanho que os fecha numa visão limitada e rígida»

... Não o desculpo.
Não pela casualidade de ser jovem e, como tal, naturalmente predisposta a contrariar o que à minha imagem se faz velho, sabendo o bom senso que "contrariar" trata-se da primeira reacção natural e que ela não perfilha necessariamente a acção que vem a seguir.
Não pela relação de descompromisso com o seu «tudo» que é demasiado imperfeito e porque me interessa o compromisso ético com a minha «única forma válida de viver» no social e que resulta do encontro entre as expectativas pessoais e as legitimidades do sistema (mas nunca cedências perigosas a qualquer tipo de stablishment!).
Não pela prosa tão astuciosamente rala de meia dúzia de parágrafos que começam:

  • numa juventude irreverente;
  • atravessam o catecismo de abordagem obsoleta (REFIRO-ME AOS PRESERVATIVOS E À SIDA!!!!);
  • continua no adiamento de assuntos urgentes como a ecologia e a globalização;
  • hasteia sem sentido os clichés do totalitarismo vrs marxismo do PCP que sabemos só morde a quem deixa…
  • … e as sentenças e microfones do Bloco de Esquerda, etc.

O professor não está interessado em qualquer tipo de reflexão, mas no exercício sonoro das evidências da «Armadilha do moralismo antimoralista» que só por si dizem nada, como o que aqui refuto e defendo também não é claro no que firma.
Não, não o desculpo de caras!
Não o desculpo com a mesma desconfiança que qualquer bicho teria na surpresa de uma aproximação não natural de um humano, no seu caso a sua Eminência (a da Moratória que só compreendo aos mais lerdos e que não é o seu caso)!
Não, não o desculpo neste autêntico desperdício de espaço de opinião tão fundamental para o cruzamento ideológico das mentalidades sociais e como se de uma carta de leitores sem feed back se tratasse.

Em relação à minha pessoa, não o desculpo porque desconfio que a «sua menor suspeita» sentenciadora sobre o (a)moralismo arbitrário e gratuito dos outros é uma evidência per si.
A constatação de que também o professor João César das Neves não está livre de, «sem dar por isso», encenar a rejeição empírica dessa «caricatura moral» e «armadilha perigosa» para exercer o moralismo de propaganda política.
Se quiser pedir desculpas, peça-as pela evidente subestimação dos leitores e não pelas suas «causas» disfarçadas que «defende com ardor»!

terça-feira, agosto 30, 2005

A ética política das organizações partidárias devia saber resolver as trapalhadas dos seus militantes e dirigentes


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Continua incógnita, ambígua e politicamente por decifrar o protocolo - chamemos-lhe assim - de entendimento entre o major Valentim Loureiro e o Partido Social Democrata (ou será Marques Mendes?).
Sabemos que as razões para o divórcio estão alinhadas entre ambas as partes (a participação em listas adversárias às do PSD para a gestão autárquica) mas a ética subjacente aos vários personagens está ainda, como tal, por classificar ideologicamente.
Por exemplo, logo que o vereador Joaquim Fortes da Silva renegociou (aparentemente sem a aprovação do seu partido) o vínculo político na Câmara do Alandroal, imediatamente o Partido Comunista reuniu, deliberou e sentenciou interna e externamente o afastamento inevitável do militante que se "concertara" extra-partido.
Quando Freitas do Amaral aceitou a participação numa pasta ministerial do actual governo socialista de José Sócrates, a sua posição foi muito criticada pela direita (PPD/PSD e CDS-PP) e pelo Partido Popular Europeu (PPE).
Paulo Portas num gesto de repúdio à antiga devolveu à sede do Rato o retrato do conspirador (e um dos fundadores do CDS em 1974) e o PPE propôs imediatamente a sua suspensão que após inquérito em sede própria confirmou ao público a expulsão nas suas fileiras pelos meses de Abril/Maio, pela evidente incompatibilidade de lógica política.
Em ambos estes casos há coerência entre intenção política e acção organizada, e as estruturas implicadas confirmam o verbo prossecutório e nem permitem que o factor tempo dilua os pressupostos políticos legítimos e os princípios democráticos (pelo menos os seus!).
Assim de esguelha, só me lembro de três "rescaldos" políticos de notoriedade público que o PSD soube resolver e resignar-se sem dar a oportunidade e tempo para leituras perversas da sociedade e oposição política:
  1. Pacheco Pereira com a subida ao poder governativo de Santana Lopes e a escalada de Durão Barroso para a Presidência Europeia(*);
  2. Cavaco Silva de abalada para férias partidárias;
  3. Despromoção e apagamento dos "santanetes" e o próprio Santana após a dissolução do
    governo PSD-CDS por Jorge Sampaio.
Ora com o major (um trato corrente de todos mas incorrecto dada a expulsão de Valentim ainda durante a guerra colonial por roubo e comercialização de bens de consumo do exército português) já o mesmo não se verifica e o verbo gondomarense boia que nem 'poia' na maré: vai..., vem..., vai...
Não é próprio da concorrência democrática que no fim de Agosto e a um mês das eleições autárquicas os vários sociais-democratas implicados «não tenham recebido qualquer parecer da Comissão Política Nacional e do Conselho de Jurisção Nacional sobre as consequências disciplinares» a curto e médio prazo no PSD.
Não é claro porque é que a clareza estatutária do PSD não tem continuidade na acção política e organizada de Marques Mendes.
A oposição invoca o jogo desleal com uma campanha-tipo de várias frentes (o candidato legítimo e o candidato renegado) e a supremacia de visibilidade nos media que estas polémicas implicam.
Os militantes em causa nem sabem como fazer as malas, independentemente de como tenham assumido e que trâmites que consideram adequados tenham seguido (os vereadores de Oeiras Cristina Castro e Joaquim Castro Neves solicitaram suspensão de militância junto com Telmo Viana, JSD de Gondomar).
O curioso é que nesta equipa de Valentim, um em particular pretendeu "férias sem vencimento ideológico" faz já quatro anos - o oierense Fernando Paulo - e imagino que nestes momento já deseje a desfiliação propriamente dita como sugeriram o vice José Luís Oliveira e Germano Rocha, ambos homens fortes do major.
Que deontologia política e social pressupõe o PSD de Marques Mendes e o que pode o cidadão interpretar nos representantes desta trapalhada toda - atenção, já estamos campanha autárquica -, principalmente do major resistente e outsider que convenientemente não quer largar o barco (registe-se que a sua faceta empresarial tem graves acusações éticas e a futebolista ainda vai no adro da corrupção do caso "Apito Dourado").
Nas legislativas do PS, Sócrates dizia que «em todas as eleições há vencedores mas também há vencidos.(...) Se há lição a tirar destas eleições é que o povo português rejeitou claramente as campanhas políticas pela negativa; as campanhas baseadas em ataques pessoais, em insultos e baseada na falta de respeito pelos adversários políticos. Espero que todos tenham aprendido a lição; e espero que a tenham aprendido a bem da nossa democracia e a bem de Portugal».
Ora, deixadas as pretensões ao seu dono (as misteriosas de Valentim Loureiro ou as sem mistério dos seus aliados), neste caso não se pode concretamente de falar de campanhas ou contra-campanhas e nem de oposições político-internas.
Este protocolo de entendimento político organizacional do PSD é uma autêntica "trapalhada" (diria mesmo, PALHAÇADA!) na ética disciplinar e estatutária da social-democracia pós-Cavaco.
Cada vez mais me convenço estar-se perante sintomas de descrença na liderança da direita em Portugal e, se assim for, os sociais-democratas podem agradecê-lo à paternidade teórica "barrosã" (Marques Mendes não passará de um eterno acessor interino!).
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(*)Este político/crítico/autor não se fica por meias medidas. Na mesma altura e suspeitamente pelas mesmas razões, Pacheco Pereira renuncia ao seu recente cargo (só com um mês) como Chefe da issão Permanente de Portugal junto da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) - Junho de 2004.
No ano a seguir, em Maio, o ex-eurodeputado lança o movimento do NÃO AO TRATADO.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Futebol ao som de "O Comum dos Mortais"(*)


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«Mazarino exortava-o a comparecer nas tertúlias onde o que estava em causa era uma grosseira sedução da cena pública em que as ideias contavam pouco. O que contava era uma representação colectiva, ansiosa por se ajustar a um regime que os dispensasse da história real que era o medo da morte»
Há algum tempo um jornalista versado na imprensa desportiva reclamava para reflexão séria o abandalhamento em que se tornaram as grandes competições futebolísticas. Precisamente as que, depois de tudo o resto da malha competitiva regional de cada clube nos seus domínios, se esperam vir a constituir os momentos por excelência do fair-play, da mais pura ciência dos "onze e uma bola" e da qualidade técnica na incomensurável resistência do indivíduo atleta.
Nos dias de hoje, esta modalidade desportiva (mais que qualquer outra) deseja-se como o palco humano da sua própria transcendência «e uma representação colectiva ansiosa por se ajustar a um regime que dispense» os homens «da sua história real».
Um placebo sociológico, um anti-depressivo e o potencial natural que a biociência diz abençoar todos, desde os que ultrapassam a sua própria estrutura biológica aos espectadores que participam num sentimento histórico que remedeia a ciática patriótica.
Embora muitas competições de futebol lembrem mais os gladiadores romanos em ovação do que as competições olímpicas dos primeiros atletas atenienses que se conheceram, elas não deixam de se tratar de momentos colectivos de grande intensidade e que se perpetuam na memória.
Os atletas conquistam poder evolucionista sobre a sua espécie e lembram à sociedade que também são motores de êxito. Esta partilha-o num histerismo salutar e, a partir da sua incontestável capacidade profícua, improvisa para si mesma um idealismo de sucesso e fomenta a cultura de competição.
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«Marcos não dava ouvido a Mazarino e preparava-o para que ele o substituísse num destino cuja religião era a vontade política. Com isto Mazarino havia de se contentar; a bandeira da sociedade reinventada dentro da cultura nacional e universal, bastava para o tornar necessário. Ia perder-se porque teria de ignorar as leis e criar os seus próprios meios de autoridade»
Na modernidade, a génese da competição não deixa de tratar-se da tradicional questão da sobrevivência, mas constitui um paradigma perverso resultante da sofisticação dos vários factores socio-humanos: o deslumbre do que nos imortaliza, o desequilíbrio de poderes que isso constitui entre todos e a ambição sem controle que pode ser fatal.
O jornalista fazia-se ingénuo e propunha-se incrédulo: «as equipas que falham quanto menos se espera e fogem com habilidade ao apuramento de responsabilidades».
O futebol não representa apenas uma actividade desportiva que desperta o fascínio da capacidade sobrehumana. No conjunto de outras modalidades (e pondo de lado a sua componente económica) é uma acção onde também coabita o atropelo aos limites de manutenção da própria vida, coisas do domínio do insólito e do gozo secular em assistirmos ao colapso de alguém igual a nós.
É o mesmo fenómeno (embora com nuances modernas) da justiça antiga e medieval que levava centenas de pessoas a um estado alienado de satisfação perante a visão de figuras a serem esquartejadas num exercício torturante do bem místico.
Os clubes e as massas do futebol já não têm nada a ver com a realidade primitiva do associativismo cultural e desportivo, mas tanto as claques, o uso clandestino e tolerado de substâncias químicas para a resistência impossível e casos como o do "Apito Dourado", são factores relacionados com o mesmo paradigma e com a «sedução da cena pública» referida por Augustina, que passam a contar pouco em prole do resultado pragmático que realiza.
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«Mas quem defende ideias acaba por ficar prisioneiro delas. Tudo isto tinha, ainda que parecesse de uma sensatez monstruosa, uma parte de desamor para com o povo. Fazia parte da sua crueldade filosófica resignar do poder»
Quando o jornalista dizia que «o futebol português atingiu o grau zero do bom senso, da moralidade e, temo-o da inteligência», estava revoltado com o falhanço cíclico da qualidade comprovada dos atletas e remetia as suas reflexões para o contexto administrativo e desvinculado do sentimento da Obra: «já tínhamos o sistema, os árbitros que roubam, a Liga que favorece sempre o nosso adversário e os malandros da comunicação social que teimam em não ouvir só a nossa versão».
Punha de parte o romantismo imponderável e exigia a responsabilização «dos seus próprios presidentes que se aliam hoje à esquerda e amanhã à direita, sempre em nome do interesse estratégico momentâneo - e isso, sendo cínico, nem é assim tão mau» comparativamente aos insucessos no futebol.
Questionava a organização humana e dirigente que é reflexo, afinal de contas, da lascívia lucrativa (venda ou cedência de jogadores fundamentais para gerar orçamentos) e da (a)fiscalidade da capacidade e dom humano (não há bons resultados sem boas equipas e treinador) que estão em causa: «agora até temos treinadores que abraçam árbitros e equipas que não querem perder por nada deste mundo».
No fundo, no fundo, pedia contas à sua própria sociedade oportunista que só punha em causa estruturalmente quando se via negado do prazer dos dividendos das vitórias que sempre lhe descuram a ética e a transparência profissional do futebol.
O lema do jornalista, «Porquê? Para quê?» o futebol português «atingir o grau zero do bom senso, da moralidade e, temo-o, da inteligência?»
Não é o futebol português, é a sofisticação que atingiu a ciência desportiva em geral e que nos habituou a ver autênticas "máquinas" no terreno.
Mas não são máquinas, são homens... como Maradona, Fehér ou Lance Amstrong.
§
(*) Livro de Augutina Bessa-luís

sábado, agosto 27, 2005

Ainda sobre cinema...

:] Escantilhão pátreo
Fantasporto (antigo "Mostra do Cinema Fantástico"). Muito antes do cinema europeu e alternativo de Paulo Branco e do Porto conhecer a qualidade cultural e estética que lhe oferece hoje a inovadora Fundação de Serralves, houve um homenzinho genial chamado Mário Dorminsky que com gana tripeira montou casa para todo o cinema independente e marginal ao mercado mundial e mercantilista da 7ª Arte americana.
Era uma vez o FANTAS... e faz já um quarto de século para os aficionados do celulóide (hoje projecção digital).

sexta-feira, agosto 26, 2005

Sexo-expresso (XXIIII) ou A evocação do sexo

"Dia"(*)
A voz de Kathleen tornou-se mais superficial, aproximou-se da provocação.
- E você deseja-me?
- Sim – confessei.
De novo, tive vontade de desatar a rir: um santo, eu! Que patranha magnífica! Eu, um santo! Será que um santo sente um semelhante desejo pelo corpo de uma mulher? Será que ele sente uma semelhante necessidade de a tomar nos seus braços, de a cobrir de beijos, de lhe morder a carne, de se apoderar do seu fôlego, da sua vida, dos seus seios?
Não, um santo não aceitaria fazer amor com uma mulher debaixo dos olhos de uma avó morta cujo lenço preto parece envolver as noites e os dias do universo.
Sentei-me. A cólera apoderou-se da minha voz.
- Eu não sou um santo! – gritei.
- Não? – perguntou Kathleen, que não conseguiu sorrir.
- Não! – repeti eu, irritado.
Abri os olhos e vi que ela sofria atrozmente. Ela mordia os lábios, uma careta infeliz sobre o rosto.
- Vou provar-lhe que não sou um santo – rosnei eu, maldosamente.
Sem dizer uma palavra, comecei a despi-la. Ela não opôs resistência. Uma vez nua, voltou à sua posição anterior. Com a cabeça apoiada nos joelhos, observava-me, angustiada, enquanto eu me despia. Duas rugas tinham-se cavado ao redor da sua boca.
No seu olhar, eu via medo. Eu estava contente: ela tinha medo de mim e isso estava bem. O medo, eis o sentimento que devemos inspirar. Todos aqueles que como eu, saíram do inferno depois de lá terem deixado a sua alma, só cá estão unicamente para meter medo aos outros, ao servirem-lhes de espelho.
- Eu vou possuí-la – anunciei eu num tom duro, quase hostil – Mas eu não a amo.
Eu pensava: é preciso que ela saiba. Eu não tenho nada de santo. Eu vou fazer amor com ela, sem que o acto me interesse. Um santo, esse, empenha o seu ser em cada gesto.
Ela desfez o penteado e os seus cabelos agora caíam-lhe sobre o peito. O seu peito subia e descia a um ritmo irregular.
- E seu eu me apaixonasse por si? – perguntou-me ela num tom de intencional ingenuidade.
- Pouco provável! Você vai mas é odiar-me.
O seu rosto ficou um pouco mais triste, um pouco mais pungente:
- Receio que não tenha razão.
Algures, por cima da cidade, a alvorada preparava-se para se erguer sobre um mundo nevoento.
- Olhe para mim – disse eu.
- Estou a olhar.
- O que vê?
- Um santo – respondeu ela.
Pus-me a rir de novo: estávamos os dois nus e um de nós era santo? Era grotesco! Eu possuía-a brutalmente, tentando fazer-lhe mal. Ela mordeu os lábios, não gritou. Ficámos juntos até uma hora avançada da tarde.
Sem que uma palavra fosse dita.
Sem que um beijo fosse trocado.
(*) Elie Wiesel

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Atalanta Filmes
Paulo Branco não é parvo nenhum e sabe que a
sua distribuidora só poderá sobreviver do cinema de culto europeu enquanto exercitar a polivalência intelectual.
Reconhecida que está a saúde das suas salas (a crescer, apesar da ameaça de falência dos Cinemas Millenium Alvaláxia), o realizador não parece apenas apreciar a erudição da 7ª Arte, mas estoicamente congrega em si (até que outros venham por esta corda no pescoço empresarial!), chama a si a representação distinta dessa importante "sociologia de película" na nossa sociedade cultural.
Talvez porque saiba que é accionista totalitário neste nicho de mercado, talvez... mas não interessa.
A sua determinação é evidente e vinga o sentimento comum e a sensação de que 'esse' cinema sem estereótipos standards só parece viabilizar-se nestes moldes.
Tudo o mais que surja é quase sempre na forma nostálgica (como os "pacotes" e efemérides da Cinemateca de João Bérnard da Costa) ou próprio de ambientes do diletantismo intelectual protagonizado por intelectuais do establishment (como é o caso de Clara Ferreira Alves e a Fundação Fernando Pessoa ou de Prado Coelho e o Instituto Camões).
Não tenho nada contra e mesmo considerando um certo aburguesamento da Cultura, tenho ciente de que é também a sua gestão por estas elites que nos dá a garantia da concretização e desenvolvimento do melhor que por cá temos.
Nada tenho contra mas chateia-me saber que sou da geração do pós-feminismo português do século XX e ainda hoje (no século XXI) me é vedada a filiação no Grémio Literário do Chiado (como se fosse uma ‘pelintra’ qualquer e só lá quisesse ir para armar uma escaramuça intelectual!). Mas não tenho nada contra...

Deixando a vasta cultura e voltando ao cinema europeu, é sabido que os vários ciclos de cinema experimental, documental e de produção independente que ocorrem ciclicamente no Verão e em Lisboa, não chegam para satisfazer o gosto da tela gigantesca que reivindica prazer todos os 365 dias por ano.
Ainda assim, não há como nos preocuparmos (identifique-se quem quiser) graças à Atalanta Filmes!
Mesmo cegos de referências (a)críticas ou informações, basta apearmo-nos numa das suas casas e esperar que, por entre as suas portas negras e mudas à nossa frente, surja a luz reveladora que nos chama e que quase sempre cumpre a emoção desejada!
Posso dizer que mui raras vezes (para quem sabe, rogo que salte por cima deste preciosismo itálico que gosto por me lembrar Dom Quixote e que me acusa de deveras «bacoco»), mui raríssimas vezes essa mesma luz me faz a desfeita.
E, quando tal acontece, trata-se precisamente da tal política polivalente e é consequência de tentar baralhar feijões pretos por entre feijões branco plácido, ou seja, as cedências no perfil do produto e o sintomático «afã do mercado, o mercado que é a vida de hoje (...) um mercado, um facto biológico», como afirmou o realizador espanhol José Luís Cuerda.
A competição empresarial nem sempre permite o absolutismo das opções estéticas.
A sobrevivência económica dos profissionais do Cinema obriga que «(...) os jovens guionistas estejam mais preocupados em vender um guião, que em contar uma história» como diz José Cuerda, obriga a que os actores desprezem a sua qualidade em troca de papéis aberrantes mas bem pagos e não dá alternativa aos empresários que não resistem a explorar esse magma sensacionalista e profícuo e que permite (Paulo Branco por exemplo) continuar a oferecer grande parte do genuíno cinema europeu e poder pagar-se a si próprio.

9 Songs(*)

A última destas raras ocorrências foi o "9 Songs".
E qual era o engodo? O SEXO!!!!! Sendo que neste caso o engodo constituia o sumo em simultâneo!
Enquanto o "Dia" de Elie Wiesel entrincheira parágrafos de sexo explícito porque é a única comunicação possível entre dois mortais comuns que deambulam no deserto da sua própria existência (o personagem masculino é a identidade desafecta que sobrou de um campo de concentração nazi e a personagem feminina uma individualidade anulada e produto do amor que não teve eco e só lhe restou crescer em auto-negação), já o realizador Michael Winterbottom opta pelo sexo como instrumento de diálogo básico para uma proposta que não passa desse mesmo lugar comum a todos nós (o corpo, por mais estranho e insólito que se apresente na acção, é sempre compreendido dadas as 'latitudes' da líbido de cada um).
A literatura de Elie Wiesel não invoca o sexo por ausência de uma ideia, até pelo contrário, sem recorrer a sofisticações retrata a intimidade violenta de um passado de terror subjugado e a tirania consequente no território da sensibilidade feminina (supostamente apaziguadora para esses homens a quem só resta a libertação no erotismo e amor).
Em relação ao filme, nem sequer tenho como me distanciar pragmaticamente para lhe espremer mais polpa porque - como diria muito bem a minha mãe - neste caso trata-se de "tusa" do princípio ao fim, "tusa" do muppi na rua ao escaparate do cinema, "tusa" da recensão jornalística ao próprio visionamento!
Ide ver e digam-me que não é assim!
Digam-me que não estiveram quase 1:30h a contorcerem discretos os 'membros' e a espreitar os do lado anormalmente frenéticos!
Digam-me senhoras, se aqueles 9 dias seguidos de 'marmelada' londrina não encalorou de súbito e inusitadamente os vossos espaços entre-membros!
"9 Songs" não é um filme, mas um candidato a ante-projecto de estudo para um filme (como o velho e valiosíssimo Relatório Wright que antecedeu tudo o que conhecemos de literatura erótico-americana do período moderno, inclusivé o "Último Tango em Paris").
Ide ver e digam-me se quando saíram da sala não repararam nos homens com o passo teso como miúdos acabados de roubar chocolates no supermercado e tentando disfarçar o que ia dentro da sua roupa! Ou as mulheres de tronco firme e um passo amiúde como se alguma coisa lhes fosse escorregar por entre as pernas!
Ide ver e depois digam-me se experimentaram mais além de sexo, de sugestões sexuais ou de invocações à líbido.
Se eu vos tivesse surpreendido à saída e perguntasse do que é que se lembravam mais intensamente, vocês talvez dissessem o mesmo que eu e que, curiosamente, se estreia como a primeira fala do filme:
- I just remenber Lisa... nothing that she told me about herself or her family... I just remenber Lisa...
A Atalanta Filmes escarrapachou em tudo quanto é fachada de recuperação coerciva em Lisboa uns provocadores cartazes gigantes que ilustram uma jovem em auto-estimulação e sugerem a inspiração sexual no puro rock londrino!
Eu já vi "9 Songs" de Michael Winterbottom... é um filme caseiro produzido com meios profissionais que me lembraram as "brincadeiras" de Yoko e Lennon... e também só me lembro de Lisa e a sua evocação tramada do sexo doido...
(*)Atalanta Filmes 2005 - Revolution Filmes

domingo, agosto 21, 2005

Comédia atleta

Caodagua[1].jpg

[O tipo é de fibra! Olha-me para aqueles peitorais. Incham, incham...
São bons sim senhor, bem oxigenados sim senhor, até lembras 'Adónios' (acho que era assim que o grego se chamava).
E agora m’amigo, agora os bícepes!!!!! Dá-lhe! Dá-lhe!
Ora aí está ele, g’anda musculatura pá! Musculados q.b., muito bem… g’anda desempenho, pá!
Um cabedal de inveja. Recomenda-se o tipo!
Mostra lá outra vez: isso, isso mesmo. Nádegas e glúteos firmes, tesas e jeitosas, hum?.
Aperta lá a 'tranca'. Estica os aductores! Isso! Isso! Isso!
Iaouuuuu, Auieeee, Iaouuuuu, Auieeee! Hummmmmmm… o tipo é mesmo bom. O tipo faz-se!
Oh pá, não sei o que me lembras mais: se 'Adónios', se o Bruce Lee!]

- Linfócittos!
-
Ahhh?
- O que é que é que estás a fazer!?
- A barba. Vou fazer a barba.


[Apanhado com as cuecas na mão! Comédia assistia a tudo, muda e surda, por trás da porta da casa de banho. A minha exibição atlética, o meu tónus expressivo e musculoso que afinal não tinha só como espectadores os champôs e os after-shaves.
Apanhado em pelota como vim ao mundo e gozado alforreca acabada de sair da água.]

- Ias fazer a barba com quê? Que procuras Linfócittos?
- Ahhh?


[Saí do banho e quando ia preparar-me para fazer a barba reparei num tipo de porte mediano e bem jeitoso no espelho. Chamou-me a atenção aquele vigor e agilidade com que se mexia. Em meia-dúzia de movimentos bem calculados o tipo rodou, esticou-se e até se agachou para procurar as chinelas ('tudo' impossível num cubículo de 2 metros quadrados para quem não tem alguma envergadura atlética). ]

- Estás um bocado vermelho Linfócittos, ainda arrebentas de tanto suster a respiração para isso que estás a...
- Fuuuuuuuuuu…… -
expirei. Mais um minuto e rebentava. Engasgava-me por me virem os pulmões à boca - Estava a testar a sinusite Comédia.

[Bolas! Expirei tudo o que tinha e o gajo do espelho já não me parecia o 'Adónios' mas um qualquer "chupadinho" que, de lado ou de frente, parecia sempre o mesmo! Bolas!
Foram-se os músculos viris e os ossos fortes e salientes que lhe davam uma pinta do caraças. Para onde foi o arcaboiço? E os abdominais oxigenados?
O tipo era mesmo bom! Rodassem-no num escaparate de stand automóvel e elas caíam aos molhos doidinhas!
Agora este? É difícil de dizer onde começa o pescoço e acaba o rabo!
Este, de Stallone só tem a voz apatetada porque isto é mais chupadinho que o gato da vizinha. Enfezadito e com umas penugens envergonhadas - tão ralas me parecem…

Oh pá, tu às mulheres nem as aquecias nem as arrefecias!
Para não falar da pichota pá! Tu não tens vergonha? Isso nem para um "grelo" chega pá!]


- Linfócittos?
- Ahhh?
- O que é se passa? Desde quando é que tens uma sinusite?
- Comédia!!!! Importas-te de me dar privacidade!!!!
- Está bem, não precisas gritar dessa maneira!

(…)
- Linfócittos!!!!!
- Sim?

[De máquina de barbear em riste como o verdadeiro Sandokan, olho para trás e vejo Comédia no seu casaco escorrido e lustroso a inchar a estola farfalhuda, as melenas grisalhas e a seduzir-me para aquela peitaça e robustez dorsal.
Sobre as patas traseiras e em excelente equilíbrio rodou o peito sobre si mesmo sem deixar de arquear as costelas para manter a respiração profunda. Com a perfeição de uma bola de bilhar na mesa rodou novamente para a minha direcção.
Comédia senta a garupa sexy e robusta e de repente ergue-se outra vez sobre as patas traseiras mostrando-me a força e o impulso do tronco compacto (leve o suficiente para não molestar a frágil linha arqueada das patas anteriores).
Deitou-se e rebolou para que elas (escondidas por aquele pêlo farto) se pudessem esticar e mostrar a linha geometricamente perfeita que fazia com as cochas.
Saltaram à vista os escondidos músculos fibrosos e trabalhados do trem anterior que não perdiam nada para o posterior.

Um verdadeiro tórax de expressão imperialó-romana.
Comédia além de inteligente é um regalo atlético debaixo daquele pêlo todo!
Quem diria Comédia?
Fez mais umas quantas piruetas e provas de agilidade no corredor estreito
que me obrigaram a ir até ao mesmo e rapar um frio do caraças com o "zézinho" ao pendurão e envergonhado.
Em pé, rodou-se com o focinho esticado bem para a frente e em posição de cisne.
Alta, leve, segura e firme, só lhe destoava aquele esfregão da cauda que era para ela (na sua teoria) como o sorriso (im)perfeito de Monalisa.
Comédia surpreende-me sempre!]

- Comédia vences-te, mas no fim já parecias um cão de circo…
- Cão de circo!!!!!!!


[Estraguei tudo! A fofa ficou ofendida e pirou-se. Deixou-me em pelota e no espelho outra vez aquele "zézinho" prostrado entre a banheira e a pia que brilhava muito mais e volumes seguramente mais robustos e torneados para encher as vistas.]

- Comédia?????

[Vou atrás dela para dizer-lhe sim senhor, um cão de fibra e exemplar porte atlético!
Mostra-me esses peitorais. Isso! Isso! São bons, sim senhor. Bem oxigenados, sim senhor.
E agora fofa, os bícepes!!!!! Dá-lhe! Dá-lhe!
Ora aí está ela, g’anda musculatura! Musculados q.b., muito bem… g’anda desempenho!
Upa, Comédia! Upa, Comédia! Equilíbrio e segurança! Muito bem… g’anda desempenho fofa!
Mostra lá outra vez a garupa. Isso mesmo! Cochas firmes, tesas e jeitosas, hum...
Comédia! Agora em pé! Isso! Isso!
Tu fazes-te fofa!!!!! Recomenda-se sim senhor!!!!
Comédia recomenda-se mais uma vez!]

sábado, agosto 20, 2005

Miguel e os «muitos jogadores que falam mal» de Joel Neto


"Que haces tu?" - pintura do espanhol J.J.Cabanes

-
No mês passado uma das crónicas de Joel Neto na "Grande Reportagem" era intitulada de "Para Mário de Carvalho" e dava um puxão de orelhas a «nós que também não falamos melhor português».
E quem era esta 1ª Pessoa do Verbo no Plural que vive de «bordões, frases feitas e expressões de publicidade»?
«Caramba, nós sabemos falar português? Nós sabemos mesmo falar português?», inquiria o jornalista tentando manter a postura (a maneira ou o modo da pessoa estar e não a saída do ovo da galinha), a postura modesta que, no fundo, estava inabalável pela certeza das suas convicções de que ninguém serve de exemplo.
A identidade colectiva eram todos e ninguém, afinal a especificidade do assunto não permite a simplificação dos que "são" e dos que "não são" bem falantes.
Por mim falo, que considero praticar bem a língua portuguesa e a escrita muito melhor (visto que o seu tempo de exercício me permite a correcção do erro ou do que não é adequado) mas, por exemplo, confesso-vos saber o alfabecto só até à letra "J".
[Não se riam... é verdade]

Desde miúda que é assim e estou convencida de que se trata de uma espécie de bloqueio qualquer, porque começo a soletrá-lo bem - A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, - e depois do "J" pimba! Passo ao "M", imaginem! Ao "M" e não ao "L" de direito consagrado muito antes de Camões!
Acreditem nisto. Ainda agora eu estou de dicionário aberto a comprová-lo! Adiante.
A 1ª Pessoa do Verbo no Plural eram «os portugueses contemporâneos e da nossa proto-história, comentaristas de TV, chefes de Estado estrangeiros, etc» e até a sua «própria geração» que «tem ideias definidas sobre tudo. Não só sobre futebol...».
Vem isto ao caso (incorrecto, que ainda não se formou o caso);
à baila (incorrecto, dada a origem primitiva do termo e que presumia apenas os momentos sociais como os locais para ‘bailar’ os assuntos);
à conversa (incorrecto, porque se trata de uma escrita digital e não de orações);
ou à net (estúpido, mas adequado) quase um mês depois e a propósito da conferência de imprensa de ontem à noite pela voz de Miguel, ex-jogador do Benfica (a do seu agente, essa estava logo ao lado, só que ‘entaladinha‘ com o contrato dos 7 milhões).
Na altura, quando li o referido texto de Joel Neto (a Julho de 2005), todas as suas evidências da retórica mundana e generalizada dos portugueses me pareceram incontestáveis e, tão certo como só a chuva grossa cair apenas no Inverno, a sabedoria pertinente e discretamente instalada em uma ou duas frases anteriores, diluiu-se naquele último parágrafo fulminante: «É que um jogador não tem ideias porque não pode ter ideias. Está treinado para não ter ideias, aliás, se as tem, faz o possível para esquecê-las. Nós perguntamos-lhe pelo próximo jogo e passa a batata quente ao mister. Nós falamos-lhe de salários e ele remete-nos para o presidente - o essencial, como diz o escritor Álvaro Magalhães, é que "não restem dúvidas de que não tem qualquer visão ou opinião pessoal"».
Irónico, não acham? O outro lado da crueldade estupidificante que aqui respira é o profissionalismo e o respeito exemplar das hierarquias pelo futebolista.
Quase um mês depois, a memória desta prosa foi suscitada pelas declarações constrangedoras do futuro "soldado" do Valencia.
O que me chocou e espantou, mesmo com a sensibilidade advertida anteriormente pelo jornalista, não foi constatar o atropelo ingénuo da gramática ou semântica nas palavras de Miguel quando já não tinha à sua beira a cábula estudada e elaborada academicamente pelo seu ‘mister‘, mas um sentimento bem pior e quase sinistro.
O que devia ser uma saída em grande do clube da Luz, principalmente depois do drama e novela mediática que se observou entre Luís Vieira, o jogador e todos os advogados, foi a oficialização de outras apetências dos jogadores que não as do linguajar do perdão.
Até isto explica uma conferência de imprensa às 24:30h, hora em que não há ninguém para nos ouvir e os jornais já estão no prelo!
Já sabia que a classe dos jogadores de futebol era propensa a muitos especimens quase incomunicativos, agora - graças à piedosa declaração de Miguel - lembrei-me de um outro parágrafo do Joel Neto onde moram estes profissionais «do discurso evasivo, repleto de manobras de diversão pobrezinhas e tão obviamente desprovido de ideias».
E nesse, meus amigos, habita uma vaia humilhante à individualidade do atleta e que o transforma, não num profissional racional, mas num homenzinho anulado pelo empirismo empresarial do desporto-rei e figura um empastelamento humano de inteligência e dignidade.
A diferença entre os «muitos jogadores que falam mal» e a generalidade das pessoas, é o bom senso que evita a ‘vergonha’ aquando da visibilidade dessa inapetência

sexta-feira, agosto 19, 2005

Sexo-expresso (XXIII) ou o Sexo viril


«O tratamento jornalístico do tema reclama um enquadramento sóbrio e rejeita o sensacionalismo», ou seja, a actuação denunciante da violência doméstica nos media e o seu envolvimento "terapêutico" (mesmo que em moldes teóricos) na sociedade exigem a «autoregulamentação».
O Club Porto Invicta das Soroptimist Internacional (ONG) reúne neste parágrafo as razões para o lançamento de um "livro de estilo" para os profissionais da comunicação social.
Uma manual que lhes permite interpretar a fragilidade do mundo do feminicídio (morte da mulher no meio doméstico) com clareza técnica e sensibilidade adaptada ao público leitor que - involuntariamente - menospreza ou relativisa a violência cruel das vítimas.
Não por concordância, mas pela sua não-identificação natural ao género nas notícias que foram feitas com base em relatórios e discursos complexos (normalmente análises numéricas, reflexões sintomáticas, resultados percentuais).
A influência destes dados na dimensão humana e esfera social das vítimas, revela-se uma panóplia de informação muitas vezes menos importante do que «reforçar e insistir para a consciência ampla da mortalidade que está em jogo».
Um crime, uma vítima, um julgamento...
Quantas vezes a lição moral e a mão da justiça não ficam guardadas da vergonha num processo, num arquivo, numa instância judicial...
E, porventura, ultrapassará a consciência do juiz, do advogado, do réu, do funcionário do tribunal, a humanidade atroz que também preenche a banalidade dos nossos dias?
Como o Ocidente evoluído "não faz justiça por mãos próprias" na privacidade do lar ou na praça pública, destina-se inevitavelmente também aos media uma quota-parte da denúncia e desmistificação social desse "homem viril e machão déspota" - um criminoso em casa, mas fora dela um cidadão como os outros .
A violência doméstica radicaliza a inferioridade feminina através do atropelo da dignidade da mulher, instrumentaliza a submissão e explora-a como forma de poder absoluto e impune (porque privado).
Aos olhos da lei, este processo é equivalente ao tradicional crime de sangue - ainda socialmente tolerado nos meios pequenos - e cuja a expressão urbana tem evoluído perversamente.
O enquadramento pessoal e o contexto social dos envolvidos têm um vocabulário de acção próprio e diferente, mas o fundamental fio da violência é igual ao praticado nos meios rurais e com a mesma perversão novelista: a contrariedade, a exposição da vítima à intolerância, a violência perpetrada, o corpo violentado continuamente...
Fornecer conhecimento especializado como técnica de combate ao simplismo mediático (sempre contraproducente) e dotar os jornalistas de instrumentos de análise sociológica, significa um compromisso entre as estruturas de justiça e os media (privilegiados entreportas da intimidade do lar).
Uma aposta para o essencial dos direitos humanos sobre o «acessório sensacionalista» que procura audiências na exploração da dor das vítimas, para a transparência emocional e condigna durante a exposição dos envolvidos, para a reeducação dos valores de solidariedade e ética com vista à democratização do "sexo-fraco", para o fim dos dogmas que protegem a devassidão e tirania tradicional, para que se deixe de pensar que "entre marido e mulher, não se mete a colher"...

quinta-feira, agosto 18, 2005

As várias faces do multiculturalismo

O multiculturalismo devia 'embandeirar' questões de antropologia social e cultural, em vez de servir contingências de domínio!
Talvez «O Dilema do multiculturalismo» de Ralf Dahrendorf (1) resida no seu pressuposto da natureza conflituosa («os ataques terroristas de Londres, em Julho, demonstraram a força e a fraqueza deste conceito») ou nos seus sinuosos ângulos humanos das "sociedades multiculturais" («para os terroristas, os conflitos étnicos e culturais, são consequência dos efeitos perturbadores da modernização»), mas não no conceito que encerra.
Sem as condicionantes da aculturação política (a mudança cultural imposta pela vigência) ou da transculturação filosófica (a troca/partilha por comum acordo), o multiculturalismo é basicamente uma espécie de concordância universal cuja (pré)concepção democrática é actualizada pela humanidade das próprias épocas e permite aos povos a oportunidade para o entendimento civilizacional.
As origens arcaicas desta abstração humana imagino que remontem aos primeiros contactos sociais do homem isolado pelos continentes e - arrisco a dizer - terá provavelmente começado a sofrer da sua pureza sociológica, logo pelas descobertas do poder do mesmo homem já socialmente organizado.
Isto só é importante para o estudo da organização social, política, de parentesco e das instituições sociais (antropologia social) e dos sistemas simbólicos, da religião e do comportamento (antropologia cultural), saberes que passam ao lado da globalização para revelarem a nacionalidade desconhecida no seu próprio vivir histórico.
Isto só é importante para dignificar o que serve o multiculturalismo e que a crítica (que supostamente não é comprometida) não devia permitir que se escamoteasse do pé para a mão, em virtude de uma modernidade oportunista que - à falta de instrumentos de comunicação consensuais - readapta mecanismos da vida cultural para fundamentar e legitimar a cegueira das suas bandeiras geoestratégicas e proteccionistas.
Posto isto, o multiculturalismo não aborda significantes sociais do séc. XX, dada a sua génese comunitária ser secular.

É simplesmente um termo pós-moderno usado para o cruzamento intemporal das culturas (porque o tempo é a sua unidade real de consolidação) e as influências transgeográficas dos seus representantes nacionais (os conflitos armados deixaram a convencionalidade da acção em casa, como se verificou nos atentados de Madrid e Londres).
O multiculturalismo também tem uma face hipócrita, na medida em que não é só o ambiente cultural que exerce pressões sociológicas para o desenvolvimento das cidades globais (os portos de influência política, económica, cultural, etc, como Londres, Nova Iorque ou Hong Kong que estão verdadeiramente em causa) mas também - e sobretudo - as contingências de domínio e os macropoderes pós-Guerra Fria.
E isto trata-se de transformar as consciências sociais e políticas!

O multiculturalismo já teve outros nomes...
Da mesma forma que o sistema republicano precedeu a gestão impossível da monarquia feudal (e da conquistada sociedade instruída e produtiva q.b.) para a descoberta, mais tarde, da política parlamentar e do capitalismo (como mais-valia social de desenvolvimento técnico e humano), hoje arranjou-se esta palavra redonda e demasiado vaga - o multiculturalismo - para "actualizar" movimentos colonizadores e estabelecer os consequentes domínios extra-nações cuja legitimidade é demasiado ambígua nos termos gerais da Democracia que entendemos e, por isso, já não convencem.
Politicamente, a prática da aculturação civilizacional já tem uma história longa: já se "evangelizou", já se "reformou", já se "(contra)reformou", já se "iluminou", já se "colonizou", já se "nacionalizou", já se "privatizou", já se "europanizou", patati, patatá.
Reinos, condados, penínsulas, federações, confederações, impérios, repúblicas, colónias, emirados, faixas, estados, democracias, ditaduras, eixos, patati, patatá, já se fez tanto que só nos resta ou a vastidão sem fronteiras do multiculturalimo ou voltarmos à meta!
Eu esperava outra coisa que não sei o que é de Ralf Dahrendorf, um reformado da política inglesa colaborante do americanismo expansionista, mas que raio, pelo menos um douto das Ciências Humanas!
Pensando bem, o que é que eu queria ler... se no seu tempo político útil, nem as questões católicas do IRA (a guerrilha de combate ao domínio inglês contra a unificação da Irlanda do Norte ao restante do país) e do Ulster o senhor não conseguiu resolver...
O que é que eu queria ler... se ainda antes da monarquia inglesa devolver os territórios irlandeses que Henrique II alienou à nobreza irlandesa (1175) através da Tratado de Windsor, o próprio IRA cessaria a oposição armada...
O que é que eu queria ler... de um ex-observador/mediador do conflito da Irlanda - também de questões culturais e religiosas - que só reconheceu o Sinn Féin e concedeu a autonomia à região do Ulster (a Irlanda do Norte) em 1949.
Pensando bem, o que é que eu queria ler... se antes do entendimento entre os irlandeses do Norte e a coroa britânia, o Estado da Palestina foi reconhecido e neste preciso momento mais de 50% dos colonatos já estão vazios...
Não há «dilemas», há é que reconhecer que o multiculturalismo tem vários rostos e nomes, e deles todos depende a sua verdade.
Vários intervenientes, por assim dizer. «O verniz do multiculturalismo é fino» pela manietação fraudulenta que lhe impõem e não por uma qualquer característica ética que permite que não seja «preciso muito para virar pessoas de um grupo contra aqueloutros com os quais até aí tinham vivido aparentemente em paz», como Ralf Dahrendorf exemplifica com os Balcãs.
A Radovan Karadzic associa-se também uma «brutal matança», mas é uma questão de soberania política bem diferente do que o terrorismo apregoa.
E não é de forma nenhuma «um fenómeno moderno» esse sentimento «da falta de pertença». É sim, a acção terrorista de expressão fanática que se herdou do desenvolvimento democrático tardio das terras do Al-Corão.
A Europa de Ralf Dahrendorf sofre hoje o etnocentrismo (2) sustentado belicamente do Islão religioso primitivo.
Os tempos mudaram, o Ocidente tem à sua porta a determinação civilizacional do mundo árabe numa ofensiva tão discriminatória e preconceituosa, quanto a cultura ocidental outrora personificou pelo mundo fora.
Neste século, os bárbaros são eles e o terrorismo nada tem a ver com o multiculturalismo, exceptuando nos discursos "obscuros" de quem não reconhece a falsa «integração multicultural».


&
(1) "Público" - 17/09/2005
(2) Posicionamento de superioridade de um grupo étnico em relação ao(s) outro(s).

sexta-feira, agosto 12, 2005

Sexo-expresso (XXII) ou Sexo sem fronteiras de espécie


(Uma das propostas do famoso Calendário Pirelli)
.
O insólito deu-se no Jardim Zoológico de Bremerhaven, na Alemanha, quando 6 machos dos 10 pinguins da espécie Humboldt (em extinção) decidiram assumir a sua homossexualidade na pequena comunidade onde vivem com 4 fêmeas.
A surpresa não ficou por aqui e a instituição vê-se agora grega com associações gays e lésbicas locais que a acusam de «forçar e contrariar a orientação sexual e pessoal dos animaizinhos», mesmo informadas que as avançadas técnicas de reprodução e fertilidade em projecto garantem não afectar "conscientemente" a sociabilidade nem a tendência monogâmica dos machos.
A liberalização do sexo tem que ter fronteiras. Tem de ser razoável, sustentada e de preferência cingir-se às espécies que têm consciência que o desfrutam, caramba!
É por estas e por outras que os 'outros' que eu conheço e estimo são considerados como umas 'coisas esquisitas' que gostam de outras 'coisas' mais esquisitas ainda... (reaccionários diria a Mafaldinha).
E se os meninos se fossem antes acorrentar-se ao mausoléu da Cicciolina para protestar contra aquelas 'coisas' que ela faz com o........... e põe à volta da.......... e dentro do.........
NÃO HÁ PACHORRA!

quinta-feira, agosto 11, 2005

«Jornais de costas largas»

Que circunstâncias levam um jornalista à defesa "corporativa" da sua prática social?


  1. quando se sente ou está deontologicamente "atropelado" por interesses estranhos à profissão;
  2. quando prevê consequências internas/externas para as suas competências profissionais;
  3. quando há "suspeitas" (mesmo que não declaradas) de apetências outras da sua parte, que não as próprias à sua classe;
  4. ...ou quando precisa de se destinguir entre outros profissionais que, ao contrário do próprio, nem sempre se ficam pelo seu papel comunicacional;
  5. quando considera importante reforçar o contributo da Comunicação Social na manutenção da democracia.

Mais haverá, mas são achegas suficientes para "aproveitar" Pedro Rolo Duarte e balizar, à partida, o que se escreve a seguir.
Provavelmente por falta de conteúdos, este jornalista faz um pequeno exercício sobre os malogrados jornais e jornalistas que foram e continuam a ser as desculpas esfarrapadas da corrupção política.
«É um clássico na relação entre políticos e media, no Brasil ou em França, nos EUA ou em Portugal quando há desespero e desorientação, quando há trapalhadas e tiros nos pés, a classe política não hesita e atira a matar na imprensa»
O Verão é uma estação avarenta para polémicas (a não ser a devastidão dos incêndios que, na TV, a imagem televisiva ganha aos pontos à monocromática da Imprensa) e isto só não é o sexto ponto lá atrás, porque é a razão de que desconfio para Pedro Rolo Duarte vir defender as causas que «o jornal esteja a cumprir» e a ética dos jornalistas para «manter a independência e isenção que os leitores lhe pedem».
Afinal, a revista "Veja" e o caso do "mensalão" não se passam em território português e o próprio afirma que a revista «continua a fazer a sua investigação» e a equipa de jornalistas «sem ceder perante a ameaça e a mentira, o desmentido histérico e o fantasma da conspiração».
A primeira conclusão, logo a meio do Editorial, é que não há razões para a sua classe profissional se sentir posta em causa.

Então que circunstâncias o levaram a lembrar a sua importância social e (in)questionável idoneidade?
Nenhumas... parece-me. No entanto, aquele lead agradavelmente sonoro e imbatível inspirou-me (também eu estava sem assunto para conversa) e lembrou-me alguma sociologia comunicacional sem qualquer pretensão e que por acaso (terá sido?) Pedro Rolo Duarte se esqueceu.
A realidade social não é uma página coesa de ideias e com regras delimitadas como as que a Imprensa produz diariamente. É uma bolsa comportamental e idealizada por todos os "visionários" de opinião actuante e que têm o feed-back precisamente nos jornalistas (nunca a sua matéria é outra que não a informação que lhes é fornecida).
Aliás, pode-se dizer que se trata de um casamento feliz: as organizações dominantes na sociedade emitem as opiniões por si seleccionadas (a informação) e os jornalistas registam essa "ocorrência" em moldes próprios.
A Comunicação Social não é uma individualidade autónoma, é simultaneamente quem "realiza" a informação para a opinião pública (sem a sua percepção os acontecimentos não chegam a "acontecer") e também quem a avaliza e legitima.
O jornalista é um fazedor de opinião e, ao contrário do historiador por exemplo, a Imprensa interpreta a "história humana" e ensina-nos a ajuizá-la (a principal razão porque os títulos de imprensa são tão apetíveis para certos lobbys).
Enquanto que um historiador pouco sério sabe que, no tempo histórico, o espera o momento da verdade desmistificadora, já o jornalista não é certo que o mesmo lhe aconteça. Os políticos só são corruptos porque a Comunicação Social os prova assim. E os que ela entender não questionar, serão para o cidadão (até um dia) um exemplo de honestidade e competência.
Claro, como os verdadeiros casamentos, também a fidelidade na Informação às vezes falha e trai precisamente quem não deve, porque «no campo dos Media cuzam-se jornalistas, dirigentes políticos, escritores, advogados, juízes. Muitos deles em busca de uma maior visibilidade social»(1)!
O lead que encabeçava o editorial de ontem do "Diário de Notícias" era, de facto, implacável. Não pela verdade absoluta que Pedro Rolo Duarte quer ver lá morar, mas pela sua qualidade de imputável: os jornais têm as «costas largas» porque os jornalistas também as têm para o favorecimento de certas opiniões enquanto "sujeitos mediáticos" e "sujeitos políticos"!

&
(1)"O Discurso do jornal", por José Rebêlo. Editorial Notícias

quarta-feira, agosto 10, 2005

Tsunamis de fogo



Ontem choveu por todo o lado. Nas ruas, nas praias e até nas florestas.
Pingou dentro das competições enxarcadas da Helsínquia televisiva e do lado de fora dos varandins gotejantes que os cães não resistiam a lamber com satisfação.
No Verão, quando chove, experimentamos a virtuosidade da água que refresca o calor opressivo e a consciência cívica revolta-se-nos com a fórmula simplificada para por fim às aflições próprias desta estação: os incêndios e a seca.
No Verão, quando chove, a sensibilidade de uma revelação inédita e flamejante não é, nada mais, nada menos, que a evidência dos conhecimentos primordiais e telúricos sobre matérias-primas e fenómenos metereológicos.
Não há mistério algum, o calor (fogo) extingue-se, ora consigo próprio em exaustão, ora no uso da sua força oposta e antítese, o frio (humidade da água)!
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Ontem choveu por todo o lado. Nas ruas, nas praias, nas florestas, em Helsínquia, à minha janela e até de forma desconcertante neste ecrã luminoso!
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«(...) Portugal registou quedas pluviométricas prolongadas no Inverno e na Primavera deu-se um elevado crescimento vegetativo nestas áreas, contribuindo para um aumento significativo do biomassa. Nestas condições, ficou favorecida a acumulação da matéria inflamável, sem descontinuidades, que, aliada à secura e às altas temperaturas, facilitou a propagação de incêndios e dificultou o rescaldo, alimentando a probabilidade de reacendimento, em particular perante a presença de ventos muito fortes (...)»
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«(...) Notou-se haver dificuldade no accionamento dos planos. Na verdade estes requerem actualização permanente e verificação da sua eficácia através de exercícios periódicos (...)»
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«(...) Nem sempre se verificou uma ligação permanente da autarquia ao CDOS, o que é essencial para que conheça o ponto de situação quanto ao incêndio, aos meios empenhados e aos meios disponíveis (...)»
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«(...) Falhou a organização dos teatros de operações, nomeadamente na utilização eficaz do sistema de comando operacional, com repercussões graves a nível da logística, da recepção e enquadramento dos meios de reforço na rentabilização e pessoal e veículos (...)»
Isto são só "faíscas" «da destruição avassaladora, quer para a vida e bens da população das áreas atingidas, quer para o património florestal e, consequentemente para a economia do país» que se fez banal à angústia observadora dos citadinos protegidos (que, no máximo, só sentem a rara contenção do fornecimento de água pública).
As chamas, as vagas ardentes, os tsunamis de fogo, esses continuam dramáticos comos os primeiros e nunca são os últimos a quedarem-se póstumos na memória carbonizada dos relatórios.

terça-feira, agosto 09, 2005

Eu desconfio que o Professor está sem candidato que o "ofusque" e "com quem se deia bem"!

Um intelectual de formação económica e catolicista (1) com 'poleiro' semanal no Diário de Notícias, desculpa-se com as próximas eleições autárquicas e legislativas para:

  1. se desencantar da geração política do Portugal pós-25 de Abril («O nosso problema actual é que foi essa elite que concebeu, ao sabor de ideologias, a Constituição que regula todos os poderes») em legítimo direito, mas omitindo desonesto nas suas reflexões que, afinal, essas ideologias são o corpo das doutrinas e visões-de-mundo dos individíduos todos que, desde essa altura, vêm sendo orientadas nas acções sociais, incluindo as do colunista!
  2. responsabilizar directamente essa elite pela crise actual e a herança da sua história intelectual («O nosso problema actual vem do poder que essa elite detém, no Parlamento e no Governo»). Ora, nós e Ele temos a consciência que essa mesma história é precisamente do domínio de todas as mentalidades. Todas, incluindo a sua!

Temos aqui um profissional catedrático do Ensino Superior Privado (a Universidade Católica só possível depois de Abril de 1974) que goza de toda a liberdade para fazer uso do seu intelecto(!), reflectir(!) e especular(!) sobre uma classe dominante no nosso país (que lhe chama de 'elite intelectual'). A que para si «nunca fez nada» porque «a acção desembaraçada do povo é que conservou Portugal e o projectou pelo mundo».
O povo que diz dar-se «melhor com a improvisação que com o planeamento, com o expediente que com a organização» e o que «para o bem e para o mal, são o povo do "dá-se um jeitinho", "não há-de ser nada" e "por ser para si, faço uma atençãozinha"».
VIVA O POVO!!!!!!!
Se João César das Neves considera que «Portugal é um país de pessoas, não de ideias» porque «a "Filosofia portuguesa" nunca saiu do ovo», será então caso para perguntar o que as primeiras (as pessoas) ganham às segundas (as ideias) e de que lado é que este intelectual acha então que está.

EU DESCONFIO que precisamente do lado que mais critica severamente, a elite intelectual, porque do lado dos «mais brilhantes e influentes da nossa História que permanecem desconhecidos do grande público», a sua dedicada exposição pública-versada confirma-nos que não, e do lado «do pior da nossa classe política e dos escândalos, abusos e corrupção», não há suspeitas sequer.
Portanto, não sendo claro o que João César das Neves quer politicamente acusar os outros e dada a relatividade que o termo elite encerra (2), só podemos interpretar e reflectir sobre a "tal" que «não é defeito, mas característica».
Ora, a conclusão é ambígua. Porque se essa "elite intelectual", sobre o povo, só «têm escrito bibliotecas a explicar como os traços da personalidade nacional vão ser a nossa desgraça», então não se lhe podem cobrar os nossos problemas!
Ou melhor, a intelectuais como João César dos Neves não podemos cobrar outras facturas, que não as notas das cadeiras do seu "ensino inflacionado" que selecciona ou o PIB que não atina na Imprensa!
Concluindo, porque é que este intelectual afirma que «o nosso problema actual vem do poder que essa elite detém, no Parlamento e no Governo», quando todos sabem que são os seus conterrâneos económicos que lá estão.
O que é que Ele acusa - sem chegar a acusar - de caustinantes e perversas «ideologias»?
Qual é a sua dor «na Constituição que regula todos os poderes» de Portugal?

EU DESCONFIO que, das três, uma:
- ou o professor descobriu-se na classe dominante errada. A que socialmente não controla os processos económicos e políticos em Portugal e não é detentora dos instrumentos e meios sociais para a expansão e desenvolvimento do país;
- ou o intelectual está é sem candidato que o "ofusque" e "com quem se deia bem" porque, como ele bem diz a meio da prosa, «São as legislativas que nos desagradam. Ou, pelo menos, só gostamos delas quando os partidos são ofuscados pelas personalidades, como Soares, Cavaco ou Guterres» (quantas vezes não é a meio das prosas que às vezes está a verdade que se pretende!).

- ou João César das Neves também participou da massiva alienação da "inveja" de José Gil e, como eu, achou comercialmente pouco sério por parte do intelectual! Aí sim, já estamos mais próximos!

&

(1) João César das Neves está ligado a organizações e movimentos sociais da prática católica e do cristianismo "salvador" como, por exemplo, o NÃO ao Referendo sobre a Discriminizalização das Mulheres que Abortam e a produção de livros de contos natalícios para as crianças.
(2) "Elite" é uma referência geral de posicionamento dos grupos institucionais, hierárquicos, partidários, de interesses específicios, etc., em relação às decisões e influências sociais.
No caso da distinção de "elite intelectual", pretende-se a idéia da "formação da opinião pública" e da construção ideológica implícita numa dada orientação política. Mesmo assim, à elite intelectual está associada fundamentalmente a direcção cultural na história social.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Sobre as ideias perdidas do Ballet Gulbenkian


Isabel Santa Rosa (1931-2001)*
Há algum tempo Eduardo Prado Coelho escreveu que «(...) neste momento a Cultura não merece grande transformação. Precisa apenas de começar a existir».
Na altura, não sabia se me havia de sentir aliviada (mesmo que num breve e insignificante suspiro), se me ancorasse perplexa naquela frase ambígua «de que os mecanismos sociais que a impulsionam deixaram que tudo adormecesse e, a existir um consenso, ele faz-se em torno de coisa nenhuma».
Se ALIVIADA, porque essa coisa da 'cultura' afinal gozava de saúde, mesmo que não lhe sentissemos agora o pulsar, e não era grave porque no tempo certo ela tomaria o seu lugar concreto.
Se SERENA, porque a sua desenvoltura, agora em pousio «nos mecanismos sociais», aparentava o vazio da orfandade, mas não deixava de ser também a sua expressão (mesmo que adormecida e consensual).
Ou PERPLEXA porque tudo participava directamente da actual socialidade suspensa e imersa na crise económica e identitária do momento.
Reconheça-se, quando a marinada dos tempos difícies nos obriga a pragmatismos até nos ócios, huummmmmmmmmm...
...Nenhum de nós hesita em relegar para 32ªs núpcias as espiritualidades ou o espaço romântico das coisas da 'cultura' (mesmo sabendo que se corre o risco de, passada a modorra, não ter a garantia de recuperar certos...).

Sobre isto e com mérito, escrevinhou Prado Coelho em Fevereiro. Hoje, em Agosto, pergunto-me se Prado Coelho não predestinava (mesmo em consciência nublosa), por exemplo, o encerramento da Companhia de Bailado da Gulbenkian.
O Ballet Gulbenkian desde 1965 que nos proporciona a oportunidade de conhecer a dança moderna na sua expressão mais erudita/inovadora.
Para muitos a Fundação Gulbenkian está para Portugal como a Bauhaus (literalmente: Staatliches Bauhaus - casa estatal de construção ou arquitetura) esteve entre 1919 a 1933 para a arquitectura e design alemão.
Uma escola de ideias de vanguarda que representou, para a época, a oportunidade para as mais originais expressões do modernismo na arquitectura e no design mundial.
Mesmo que alguns projectos particulares de dança já tivessem corpo, é o Ballet Gulbenkian (BG) - disciplinar da "dança clássica" ou ballet - que, efectivamente, mostra em Portugal haver mais para lá da dança de expressão folclórica ou popular, e estar ao alcance de quem o desejar fruir.
Foi há 40 anos pela mão de Calouste Sarkis Gulbenkian que a cultura erudita própria dos grupos sociais dominantes em Lisboa, teve a oportunidade de deixar para trás privilégios de classe e entregar-se aos interesses e exigências de grupos culturais que fossem surgindo naturalmente.
Começou uma nova escola de ideias para a dança portuguesa e implementou a democratização na fruição da cultura e das artes.
Ainda hoje se constata que os espectadores dos concertos, exposições, museus, etc, são sobretudo estudantes, jovens da sociedade cultural e rostos indiferenciados de idades e ocupações sociais. Este é o verdadeiro projecto da Fundação: ser de todos os que a quiserem e para tudo o que culturalmente importar!
Parece-me difícil escalonar a importância do BG e pô-lo acima de todos os outros projectos e metas da Fundação que cobrem vários segmentos sócio-culturais também importantes (ciência, alfabetização, rede de bibliotecas, ensino da música ou as inúmeras bolsas nacionais e internacionais para quase todos os conteúdos académicos).
Reconheça-se, o BG constitui um universo fundamental de estágios e emprego para os bailarinos portugueses, mas a sua «renovação de programas» será, por isso, menos importante?
A entidade é clara e honesta quando alega «a extinção da companhia como resultado do exercício regular de avaliação da sua actividade», ou seja, o entendimento da necessidade - ou não - da sua existência como está estruturada.
Acrescenta mesmo: «O panorama artístico de Portugal evoluiu muito e, actualmente, a companhia já não é essencial aos artistas para lhes assegurar currículos ou reportórios».
A Fundação achou inadequada a continuidade do BG enquanto tal e perante o actual contexto social e artístico português (mesmo com a consciência do seu valor nacional) decidiu dar prioridade «à qualidade dos bailarinos, à iniciação profissional, à experiência de coreografia, à produção da qualidade e ao confronto de ideias e sua internacionalização».
Partindo do pressuposto da verdade absoluta destas ideias todas, o que leva a sociedade civil (porque dos profissionais da companhia é de esperar a resistência), o que a leva a chocar-se e organizar-se para a salvação do BG?
O que existe na essência deste súbito medo da extinção do BG e não se verifica na pequenina rede portuguesa de cinemas que exasperam por sessões cheias, nas bibliotecas que só respiram o bafio da sua própria escrita ou os cafés/esplanadas das cidades (quase inexistentes) que permitem mais que uma relação circunstancial de passagem nelas e oferecem um espaço comunicador com a sua identidade?
E as livrarias? E os teatros? E os parques/jardins? E os museus nacionais?
O que é que o BG têm de tão importante que o resto não tem?
E a Capital? E o Comércio do Porto?
Pergunto-me se na origem desta 'aflição' não estarão as características artísticas do Ballet Gulbenkian e que o vinculam (por génese) às modalidades de culto das classes mais altas (como as elites da ópera).
Há uns meses, Eduardo Prado Coelho escreveu que essa coisa agradavelmente sonora da 'cultura' e o «trabalho das ideias» (no dizer exímio do próprio) está inevitavelmente envolvida na cultura de massas actual.
Por isso, pode-se reflectir também em causas tão esvaziadas e incaracterísticas como as da (in)gerência política/cultural generalizada: «aquilo que passa a estabelecer a diferença do que é importante, é o grau de confiança que o rosto e o corpo político nos merecem. Não estando com paciência para ter ideias, diz-se que este ou aquele homem fala, olha, gesticula e organiza o discurso em termos que me permitem afirmar: este homem é ou não de confiança(...).
E numa campanha política, vale mais um vendaval do que ideais».
Na altura quando o li, não sabia o que havia de sentir perante a incontornável DESFAÇATEZ ao meu BEL-PRAZER intrínseco e a desconfiança de futuros prejuízos para essa coisa imensa e facetada da 'cultura' - agora sujeita aos efeitos preversos dos gostos massificados pela estética economicista.
Aquela perigosa consideração do momento cultural do país, mais que considerar candidatos ou projectos, fazia uma análise assustadora do que a sociedade da redução de custos, do nivelamento por baixo e da produção/consumo em massa deixa ao desbarato para amanhã.
Os homens económicos e funcionais acordarão amanhã indivíduos amargurados porque chegaram à conclusão de que a sua vida foi esvaziada de significado e trivializada nas suas acções mais nobres.
O vazio de ideias e sentido ameaça o homem moderno. Corremos o risco de voltar ao homem 'brutalizado' pela cultura idiota: a (in)cultura geral e banalizada.
Se relativamente a essa coisa da 'cultura', o próprio Prado Coelho reconheceu que «neste momento não merece grande transformação» o que esperar do Ballet Gulbenkian?

(*) Famosa bailarina portuguesa que iniciou a carreira no Grupo de Bailados Portugueses Verde Gaio, único agrupamento musical de dança da época (1947).

quinta-feira, agosto 04, 2005

O guru americano e a candidata (3)

Entre a obra e a competência
É no último parágrafo que Maria José Nogueira Pinto frustra as suas próprias expectativas e contradiz a teoria e prática (por continuidade) das soluções e determinações subjacentes.
Por exemplo, propõe «políticas e medidas efectivas para atrair a classe média, a população activa e os jovens». Só neste conteúdo globalizador e crucial, verifica-se o inverificável e algumas questões sensíveis:


  • uma cidade irreal porque qualquer um sabe que a verdadeira classe média é hoje a classe alta [a única com estabilidade financeira] e a maioritária é ainda a classe baixa em crescente perda de autonomia económica;
  • a referência constante e perturbadora a este mesmo grupo social naturalmente minoritário (classe média/alta) e que já habita Lisboa (principalmente os seus espaços modernizados que só eles podem pagar);
  • chama a si uma «sociedade activa» não sendo claro o que isso significa. Se os que produzem por iniciativa própria (pequenos e médios empresários) se todos os 'produtivos' que já enchem e esvaziam a cidade em levas diárias;
  • não esquece os futuros eleitores das gerações jovens (como todo o político faz), mas falseia as capacidades financeiras que esses cidadãos não têm porque ainda agora começaram a edificar uma vida. É uma ingenuidade inadmissível para mim (que sou nova) que a candidata pense que possa influenciar o destino fatíco dos ‘modestos’ (porque os abastados nunca de cá saíram) e contornar as tabelas ambiciosas dos empreiteiros;
  • a «modernização efectiva» alfacinha - mesmo com os excepcionais programas integrados da EPUL ou o esporádico sacrifício de património camarário - implica uma política pública de investimento na cidade, cujos instrumentos estão muito longe se equipararem aos recursos camarários.


O curioso é que a própria afirma que «só quem não conhece o mundo real é que pode minimizar estes aspectos». Ora, não se trata de minizar estas equações sociais que soam sempre tão bem aos ouvidos, mas interpretar as aspirações citadinas de Maria José Nogueira Pinto como uma grande intenção política - e de intenções está o mundo cheio.
A candidata já cá anda há muito tempo e, no mínimo, espera-se que tenha o bom-senso (nos políticos normalmente muito subaproveitado) para definir o ideal-ético e não teorias avançadas de uma realidade utópica, como se se tratasse do ovo de Colombo autárquico.
Quésado/Porter é muito claro: «os centros de competência do país têm que ser orientados para o valor» social que representam e fomentar a Estratégia Cultural de Cooperação.
Ou seja, a CML deve ter como objectivo inspirar a 'massa crítica' estratégica para a efectivação, criação e produtividade dos ‘valores’ importantes da sua autarquia (o Governo), mas não fantasiar o âmbito das suas competências.
O conceito orgânico de cidade para Maria José Nogueira Pinto soa muito bem no discurso sadio e ambientalista «das infraestruturas seguras, tranquilidade pública, menos poluição, mais espaços de convívio e melhor limpeza», mas grande parte da sua realização ultrapassa-a e abrange obrigações eleitorais de outras candidaturas:

  • não cabe à câmara ser empresária, mas ter a oportunidade de realizar algund protocolos de serviços sustentados e com os agentes empregadores;
  • não cabe à câmara a edificação do parque habitacional urbano, mas regular a sua qualidade, segurança, toponímia, legalidade e necessidade social;
  • não cabe à câmara decidir sobre segurança pública (exceptuando as suas forças), mas exigir ao Estado o seu activo e, a si, a participação na fiscalização da sua necessidade;
  • cabe à câmara (e com o governo) a limpeza pública, normas para produtos e serviços poluentes, legislação para defender a cultura acossada pelo consumismo ou até a habitabilidade do convívio entre cidadãos.


Se para Maria José Nogueira Pinto (ou qualquer candidato), o ‘valor’ e a ‘ideia’ não forem para garantir a exequibilidade e transparência legítima do seu papel estratégico na promoção da cidade de Lisboa, então o seu «conceito orgânico» só pode concentrar momentos nostálgicos de uma urbanidade de outrora («queremos reviver o espírito de bairro... animação cultural em ruas animadas…») e viver a antiga cidade sub-desenvolvida.

A realidade incontornável que Quésado/Porter omitiu
Independentemente da tradição política (liberal, conservadora, europeista, etc), os desmandos governativos desta nação seguem o tour europeu.
Por cada etapa individual que estabelecemos, temos acima de tudo que corresponder às directrizes da EU complexada pelos gigantes do capital americano que ditam os destinos do mundo desenvolvido (e depois é que vêm as cidades!!).
A câmara de Lisboa - como todas as outras - tem só a autonomia política para escolher a matriz ideológica da militância nos seus trabalhos, tal como as juntas de freguesia em relação a si.
Ao contrário de um governo presidencial, a prática ideológica dos autarcas só lhes permite ditar a urgência e fazer a lembrança dos grandes imperativos para as pólis do futuro.
A Estratégia, infelizmente, essa está nas leis - umas vezes justas e outras injustas - que são produto da ambição plebiscita dos governantes e da sua inspiração nos gurus economicistas!
Ao contrário de muitos dos nossos deputados na Assembleia da República, o exercício político de um autarca raras vezes pode ser 'debutante', até pelo contrário, o seu exercício baseado na seriedade costuma ser uma prática faustosa das 'diuturnidades' sociais.

quarta-feira, agosto 03, 2005

O guru americano e a candidata (2)

As 'promessas úteis' da política teórica realizam-se quase sempre em 'compromissos inúteis' na prática política
Se o país (des)governado paira na indefinição planificadora do ‘valor’ criador e dos critérios sustentados da estratégia de Quésado/Porter, como não hão-de os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa revelarem também a mesma ambiguidade política?
Neste caso, Maria José Nogueira Pinto sabe que só pode oferecer aquelas ilusões ‘mágicas’ próprias das campanhas eleitorais porque não tem, nem vai ter, também a sua matriz social de intervenção legítima.
«Cedo aprendi que, na área social, ou se previne ou se remedeia - o que têm sempre um maior custo humano e financeiro».
Não estão aqui em causa as ideias e a vontade 'apaixonada' da candidata, mas a inevitabilidade de que a autarquia como está eticamente pensada, não é susceptível de se traduzir em dimensões empresariais de metas para cumprir e, no máximo que é já muito, só conseguirá remeter-se ao exorcismo das suas referências culturais e ao exercício identitário das causas. Sendo que isso já é uma carga de trabalhos.
Actualmente, qualquer candidato só pode «sanear» as gestões sem qualidade e os recursos humanos inviáveis, nada mais.
A democracia moderna tem também os seus aspectos perversos e um deles é o efeito bola de neve que a crise gera. Quando os patamares políticos superiores entram em decadência, os mais inferiores podem não ir por arrasto, mas sofrem o bloqueio da direcção inábil na hierarquia.
Para mim, cidadã-residente em Lisboa, entre a pág. 8 e a pág. 9 do Público, morava parte da explicação e parte da solução (embora por traduzir) para o insucesso português da capital e para a qualidade do meu futuro social como cidadão activo.
Quer queira-se, quer não, a sobrevivência política dos candidatos significa pelo menos a possibilidade de uma vida mais qualitativa para muitos de nós (emprego, habitação, serviços, etc.) nas cidades.
Pela caneta de Quésado, o guru explica-nos que a «cultura de qualidade e o efeito escala na produtividade» passa pelo cumprimento da lógica estrutural de intervenção.
Que cada um assuma só o seu universo de acção e participação, significando isso o «instrumento central de qualificação estratégica» que Porter considera haver em cada agente/organismo social.
No caso das candidaturas a Lisboa, infelizmente isto significa que a Câmara terá o direito aos "pareceres tradicionais", mas nunca acompanhará a decisão final e em parceria com o governo sobre a gestão económica e visão empresarial da cidade nas mudanças estruturais para o futuro (
rede habitacional, ficha arquitectónica, leis de veto à poluição, racionalização da segurança pública ou até da exploração dos imóveis e órgãos culturais governativas para contrariar a massificação da cultura, etc).
A CML será, efectivamente, apenas «a entidade facilitadora da vida dos cidadãos» com esses desastres ou as raras glórias - como muito bem disse a candidata.

terça-feira, agosto 02, 2005

O guru americano e a candidata (1)

Há poucos dias no Público, Francisco Jaime Quésado lembrou-se de Michael E. Porter, um entre vários teóricos americanos da Nova Economia, para ‘piramizar’ um conceito de estratégia nas relações sociais produtivas das instituições do poder.
No meu entender não precisava de ir até às Américas, bastava-lhe consultar algumas das teses de António Barreto ou espreitar alguns dos seus colegas opinion makers na Imprensa.
A pequena amostra da lógica competitiva de Quésado/Porter monta-se através de uma matriz social de intervenção sustentada por três tipos de entendimento da Estratégia, para si uma das chaves do sucesso económico de liderança:

  • Estratégia Intelectual: visa a valorização do indivíduo pelo conhecimento que lhe pertence e pode vir a alienar. Propõe uma educação estruturante - qualificada, tecnológica, comunicacional e criativa - das gerações futuras no sentido de o imbuir de uma «linha comportamental de justiça social e ética moral» que formulem a produtividade das 'ideias';
  • Estratégia Operacional pelo Valor: Discrimina competências realizadoras e competências 'indutoras' das ideias;
  • Estratégia Cultural de Cooperação: Lembra-nos que só a articulação operacional entre os vários agentes do ‘capital realizante’ e do ‘capital criador’ é que pode consolidar a ‘cultura social produtiva’ e a competitividade criativa em permanente construção.

Simplificando em variáveis comuns, Quésado/Porter constrói uma lógica política em que articula os vários 'valores' representativos e os responsáveis pelas aritméticas sociais vigentes:

  • o indivíduo informado do saber ('valor' da formação), o indivíduo realizador ('valor' da competência) e a rede de indivíduos ('valor' da cooperação).


Uma fórmula simples que, por si só, não desvenda segredos mágicos. Propõe apenas um determinado modus operandus para a caminhada do que pretendemos e alerta que o fundamental é assegurar os 'valores' de construção, ou seja, a Estratégia.
Curiosamente, na página a seguir Maria José Nogueira Pinto expunha as razões da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa.
Um texto bem escrito e onde se nota claramente a fragilidade da reentré política do CDS saído de uma liderança partidária sem o coração dos militantes, e de uma governação curta a que ainda hoje cobramos os números ambíguos (afinal, Portas poupou uns números justos e empacotou outros injustos).
A candidata estruturou o seu programa sem projectos concretos e com várias ideias inconcretizáveis pela dimensão humana que implicam (apesar da sugestão dos "Bairros Admnistrativos" que correspondem aos actuais gabinetes dos bairros e "Bairros Históricos", e da anunciada resistência à mudança do Aeroporto de Lisboa).
A sua primeira proposta em bruto para a CML e para nós - seus eleitores - é, no fundo, um grande desabafo sentimental na mesma óptica de 'valores' de Quésado/Porter.
Começa na figura-Câmara, passa pela figura-Cidade, chega à figura-País e termina na verdadeira e cruel realidade da «solidão - a doença do séc. XXI» e das pólis do futuro onde «todos, como num corpo, somos afectados pelo ciclo da pobreza e a sua morbilidade própria».
Algures entre a Estratégia intelectual para Portugal de Quésado/Porter e os Compromissos úteis de Maria José Nogueira Pinto, pareceu-me ouvir o sibilar asmático do Portugal regional sem saída ‘global’ e incapaz da interpretação pragmática das luzes europeias para o desenvolvimento humano-social dos municípios e os correspondentes instrumentos autárquicos da sua competitividade salutar.