sexta-feira, agosto 19, 2005

Sexo-expresso (XXIII) ou o Sexo viril


«O tratamento jornalístico do tema reclama um enquadramento sóbrio e rejeita o sensacionalismo», ou seja, a actuação denunciante da violência doméstica nos media e o seu envolvimento "terapêutico" (mesmo que em moldes teóricos) na sociedade exigem a «autoregulamentação».
O Club Porto Invicta das Soroptimist Internacional (ONG) reúne neste parágrafo as razões para o lançamento de um "livro de estilo" para os profissionais da comunicação social.
Uma manual que lhes permite interpretar a fragilidade do mundo do feminicídio (morte da mulher no meio doméstico) com clareza técnica e sensibilidade adaptada ao público leitor que - involuntariamente - menospreza ou relativisa a violência cruel das vítimas.
Não por concordância, mas pela sua não-identificação natural ao género nas notícias que foram feitas com base em relatórios e discursos complexos (normalmente análises numéricas, reflexões sintomáticas, resultados percentuais).
A influência destes dados na dimensão humana e esfera social das vítimas, revela-se uma panóplia de informação muitas vezes menos importante do que «reforçar e insistir para a consciência ampla da mortalidade que está em jogo».
Um crime, uma vítima, um julgamento...
Quantas vezes a lição moral e a mão da justiça não ficam guardadas da vergonha num processo, num arquivo, numa instância judicial...
E, porventura, ultrapassará a consciência do juiz, do advogado, do réu, do funcionário do tribunal, a humanidade atroz que também preenche a banalidade dos nossos dias?
Como o Ocidente evoluído "não faz justiça por mãos próprias" na privacidade do lar ou na praça pública, destina-se inevitavelmente também aos media uma quota-parte da denúncia e desmistificação social desse "homem viril e machão déspota" - um criminoso em casa, mas fora dela um cidadão como os outros .
A violência doméstica radicaliza a inferioridade feminina através do atropelo da dignidade da mulher, instrumentaliza a submissão e explora-a como forma de poder absoluto e impune (porque privado).
Aos olhos da lei, este processo é equivalente ao tradicional crime de sangue - ainda socialmente tolerado nos meios pequenos - e cuja a expressão urbana tem evoluído perversamente.
O enquadramento pessoal e o contexto social dos envolvidos têm um vocabulário de acção próprio e diferente, mas o fundamental fio da violência é igual ao praticado nos meios rurais e com a mesma perversão novelista: a contrariedade, a exposição da vítima à intolerância, a violência perpetrada, o corpo violentado continuamente...
Fornecer conhecimento especializado como técnica de combate ao simplismo mediático (sempre contraproducente) e dotar os jornalistas de instrumentos de análise sociológica, significa um compromisso entre as estruturas de justiça e os media (privilegiados entreportas da intimidade do lar).
Uma aposta para o essencial dos direitos humanos sobre o «acessório sensacionalista» que procura audiências na exploração da dor das vítimas, para a transparência emocional e condigna durante a exposição dos envolvidos, para a reeducação dos valores de solidariedade e ética com vista à democratização do "sexo-fraco", para o fim dos dogmas que protegem a devassidão e tirania tradicional, para que se deixe de pensar que "entre marido e mulher, não se mete a colher"...