domingo, julho 31, 2005

A Capital e o Comércio do Porto


Quase se pode dizer que sou um bicho de jornais.
Gosto daquele papel pardacento cujo folhear dos dedos é único pela textura gordurosa e leveza instável que mais nenhuma folha comum tem.
Isto é só o seu corpo nos meus braços, porque o que ele me propõe em tintas, ora escritas, ora manchadas em rede, é o que me faz ser um bicho de jornais.
Quando se abre uma ficção de lombada, duas coisas temos garantidas: um sentido único de leitura (não obrigatório mas essencial para percepcionar o encadeamento histórico que sustenta as acções dos personagens) e a certeza de que é no final do livro que a história nos confessa os seus genuínos propósitos.
Recuar a leitura numa ficção de lombada serve essencialmente para referenciar a memória hesitante, adiantarmo-nos ao próprio autor (ilusão sempre irreal) ou a nostalgia de um bom pensamento que nos terá invadido e que muitas vezes trata-se do livro inteiro (entre estes estão os tais "livros da nossa vida").
Já a escrita folhada da Imprensa contraria tudo isto:
- não existe ordem de leitura e o mais aproximado talvez seja a disposição das secções que segue critérios de importância pessoais dos editores. Normalmente começamos a ler a macronacionalidade e findamos na microregionalidade, sendo muitas vezes evidente que uma é outra, e a outra a mesma;
- A história não existe, mas AS. É como uma ida ao museu com áreas e áreas para exploração dos nossos sentidos - como os políticos-expressionistas, os económicos-surreais ou os cultos-impressionantes.
A esta hora já estarão a perguntar-se: "E isto é ler jornais?"
Claro que não!
Confesso que o Comércio do Porto só o cumprimentava diplomaticamente e aquando das visitas à família 'lá de chima'. Agora, A capital já é outra conversa! Quantas vezes não a espreitei...
A minha cultura jornaleira é a do Público, no entanto, relaciono-me com os jornais como com a política!
A uns faço-me militante, a outros mero observador e concorrente!
Tenho em todos (os que não respeito intelectualmente e os que me referenciam) o certificado de que sou parte integrante da sociedade e não só mero cidadão passivo.
Agora podem dizer: "Então não é assim tão mau o desaparecimento destes dois jornais!"
Claro que é!
Já imaginaram os nossos quiosques com menos dois jornais e muito mais 'ralos' do que já são?
Já imaginaram as bancas portuenses tristes pelo sentimento de perda do seu ex libris da escrita folhada da Imprensa - o velhíssimo Comércio do Porto?
Já imaginaram como não vai ficar a minha coluna do "Diz-se", no Público, agora que ficou na miséria do 'diz-que-disse' por três tristes tigres nacionais (Diário de notícias, Expresso, Jornal de Notícias)?
Agora ouço-vos: "Mas o que é que isso tem a ver com jornais?"
É que eu sou um bicho de jornais!!!!!!!!!!!!!!!!
§
P.S.: Perdoem-me o atraso neste funeral, mas tinha muitos jornais para ler.