quinta-feira, julho 21, 2005

Insucesso escolar = insucesso da sociedade contemporânea?

Se o saber é a actividade humana por excelência entre as "criaturas" do mundo e a sua dimensão informativa faz dos homens seres sociais produtivos, então poderemos ousar que o insucesso escolar é um sério problema de afeição com os instrumentos do conhecimento da parte de todos os intervenientes educativos (dos alunos, dos pais, dos professores, dos técnicos e das instituições implicadas).
Talvez por essa complexidade actuante o debate da TSF dedicado ao "Insucesso Escolar Português" fosse injustamente selectivo e restringisse a reflexão apenas nas suas dimensões formação/profissionalismo versus formação/motivação.
Engenhosamente, a rádio emissora punha logo de lado as recorrentes intervenções dos familiares insatisfeitos que fatalmente caiem sempre no cenário mais comum (não menos verdadeiro) da desmotivação dos "coitadinhos" dos alunos:


  • a inexperiência ou absentismo do professor
  • os conteúdos curriculares demasiado vagos da cultura liberal ou demasiado exigentes da cátedra extenuante
  • o peso excessivo dos horários escolares
  • o calendário de exames que não se coaduna com o tempo de estudo demasiado curto para as metas que se propõem, etc.


Estava assim entregue o debate só a um lado e aos principais responsáveis das estruturas de ensino (os professores, os teóricos e os vários técnicos educativos) ou seja, limitavam-se à partida os considerandos a um só ângulo da "obscenidade" nacional.
Cerca de 4 horas interessantes de debate radiofónico que alternavam entre os afazeres domésticos e catedráticos a vociferar para o sistema tecnocrata, entre a higiene dos cães e tecnocráticos a desvalorizar as doutrinas obsoletas e, de vez em quando, a tónica zangada mudava para os licenciados no estrangeiro (perplexos com a falta de exigência das escolas e a não dedicação dos alunos) ou para os gestores públicos que optaram por NBA's privados que o Estado empregador lhes paga muito bem (!!!!!) mas ainda não é o que os forma melhor.
Conclusões? Nenhumas, claro está!
Nem um ano de métodos escolásticos e conceitos cognitivos chegaria para resolver o que, à partida, enche um hipermercado de dúvidas mas de certezas basta-nos um carrinho: o "parque de ensino" como está, não produz qualidade e muito menos faz escola.
Contudo, num pormenor estes educadores estavam, sem dúvida alguma, em acordo. Não há nem nunca se pode garantir o sucesso, se para todos os actores (professor/técnico/teórico/instituição) ao invés da promoção ou mero sustento pessoal, o objectivo não for comum e não visar a informação e formação do indivíduo na malha social.
As deficiências da má ou inexistente escolaridade produzem como que uma espinha cultural bífida no cidadão e a seu tempo desastrosa para todos:

  • os indivíduos que hoje não assegurarem a totalidade da sua formação académica, esperam-lhes um amanhã fatal no mercado de trabalho e consequentemente para a subsistência da sua família
  • os agentes de educação que não "abraçarem" a responsabilidade de munir os seus educandos da capacidade progressiva e evolutiva de aquisição de conhecimento que os superioriza na temporalidade da sua época, correm eles próprios o risco de, num futuro cada vez mais imediato, enfileirarem a massa inútil e dispensável dos cidadãos que só lhe restam aguardar pela caridade da sociedade do conhecimento industrializado e do Estado cada vez mais benfeitor e menos social
  • um país que não é dotado de uma população informada e formada, não materializa profissionalmente resultados nem competências sociais para competir saudavelmente na economia global. Isso significa um passo para integrar um novo "Terceiro Mundo" que cresce rapidamente e que reúne as sociedades frágeis da aliteracia dominante e inutilidade pofissional, etc.


A "era do conhecimento" não é um fenómeno em lenta expansão, já é a realidade severa do presente. O tecido competitivo da sobrevivência tão depressa projecta magnificamente o indivíduo como o segrega e empurra para a marginalidade errante, ou seja, parece capaz de homogeneizar o planeta desenvolvido quando, na verdade, as diferenças locais tornam-se profundas e desastrosas.
A atenção sobre o insucesso escolar está muito para lá de razões como:

  • valores de «justiça económica na vertente social do contribuinte» e que mais não serve para encapotar a contenção de despesas que um Estado - desesperado - não sabe como fazer
  • absurdas teorias de «predisposição genética para esta ou aquela faculdade de compreensão do saber» que só um cientista saberá esclarecer e que na voz da actual ministra de Educação soa a desajustada desculpa no seu campo teórico e pedagógico
  • a globalização espacial da sociedade informatizada que mais não faz senão disciplinar o tempo e o espaço sem que lhe correspondam eficazmente novos hábitos e competências do saber
  • a redução negativa dos agentes de ensino a vulgos funcionários executantes, etc.

Deixemo-nos de ingenuidades. Algures, entre universidades utópicas de doutos filósofos e "exércitos" tecnológicos, é preciso encontrar o graal do ensino e dar espaço ao seu tempo primordial (aprender significa criar representações do mundo interno e externo e, com a linguagem própria, assimilá-lo e saber intervir).

Um hiato no tempo útil e produtivo da sociedade que não gere riqueza, mas precioso para o futuro que a divisão de trabalho da modernidade de raiz capitalista nos legou.
Se a aprendizagem de um aluno é uma espécie de negociação entre o meio e o seu próprio "sistema" de interesses e importâncias, então o Ensino deve ser também ele um "feliz" negócio entre a sociedade e as competências/saberes dos cidadãos.