Miguel e os «muitos jogadores que falam mal» de Joel Neto
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No mês passado uma das crónicas de Joel Neto na "Grande Reportagem" era intitulada de "Para Mário de Carvalho" e dava um puxão de orelhas a «nós que também não falamos melhor português».
E quem era esta 1ª Pessoa do Verbo no Plural que vive de «bordões, frases feitas e expressões de publicidade»?
«Caramba, nós sabemos falar português? Nós sabemos mesmo falar português?», inquiria o jornalista tentando manter a postura (a maneira ou o modo da pessoa estar e não a saída do ovo da galinha), a postura modesta que, no fundo, estava inabalável pela certeza das suas convicções de que ninguém serve de exemplo.
A identidade colectiva eram todos e ninguém, afinal a especificidade do assunto não permite a simplificação dos que "são" e dos que "não são" bem falantes.
Por mim falo, que considero praticar bem a língua portuguesa e a escrita muito melhor (visto que o seu tempo de exercício me permite a correcção do erro ou do que não é adequado) mas, por exemplo, confesso-vos saber o alfabecto só até à letra "J".
[Não se riam... é verdade]
Desde miúda que é assim e estou convencida de que se trata de uma espécie de bloqueio qualquer, porque começo a soletrá-lo bem - A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, - e depois do "J" pimba! Passo ao "M", imaginem! Ao "M" e não ao "L" de direito consagrado muito antes de Camões!
Acreditem nisto. Ainda agora eu estou de dicionário aberto a comprová-lo! Adiante.
A 1ª Pessoa do Verbo no Plural eram «os portugueses contemporâneos e da nossa proto-história, comentaristas de TV, chefes de Estado estrangeiros, etc» e até a sua «própria geração» que «tem ideias definidas sobre tudo. Não só sobre futebol...».
Vem isto ao caso (incorrecto, que ainda não se formou o caso);
à baila (incorrecto, dada a origem primitiva do termo e que presumia apenas os momentos sociais como os locais para ‘bailar’ os assuntos);
à conversa (incorrecto, porque se trata de uma escrita digital e não de orações);
ou à net (estúpido, mas adequado) quase um mês depois e a propósito da conferência de imprensa de ontem à noite pela voz de Miguel, ex-jogador do Benfica (a do seu agente, essa estava logo ao lado, só que ‘entaladinha‘ com o contrato dos 7 milhões).
Na altura, quando li o referido texto de Joel Neto (a Julho de 2005), todas as suas evidências da retórica mundana e generalizada dos portugueses me pareceram incontestáveis e, tão certo como só a chuva grossa cair apenas no Inverno, a sabedoria pertinente e discretamente instalada em uma ou duas frases anteriores, diluiu-se naquele último parágrafo fulminante: «É que um jogador não tem ideias porque não pode ter ideias. Está treinado para não ter ideias, aliás, se as tem, faz o possível para esquecê-las. Nós perguntamos-lhe pelo próximo jogo e passa a batata quente ao mister. Nós falamos-lhe de salários e ele remete-nos para o presidente - o essencial, como diz o escritor Álvaro Magalhães, é que "não restem dúvidas de que não tem qualquer visão ou opinião pessoal"».
Irónico, não acham? O outro lado da crueldade estupidificante que aqui respira é o profissionalismo e o respeito exemplar das hierarquias pelo futebolista.
Quase um mês depois, a memória desta prosa foi suscitada pelas declarações constrangedoras do futuro "soldado" do Valencia.
O que me chocou e espantou, mesmo com a sensibilidade advertida anteriormente pelo jornalista, não foi constatar o atropelo ingénuo da gramática ou semântica nas palavras de Miguel quando já não tinha à sua beira a cábula estudada e elaborada academicamente pelo seu ‘mister‘, mas um sentimento bem pior e quase sinistro.
O que devia ser uma saída em grande do clube da Luz, principalmente depois do drama e novela mediática que se observou entre Luís Vieira, o jogador e todos os advogados, foi a oficialização de outras apetências dos jogadores que não as do linguajar do perdão.
Até isto explica uma conferência de imprensa às 24:30h, hora em que não há ninguém para nos ouvir e os jornais já estão no prelo!
Já sabia que a classe dos jogadores de futebol era propensa a muitos especimens quase incomunicativos, agora - graças à piedosa declaração de Miguel - lembrei-me de um outro parágrafo do Joel Neto onde moram estes profissionais «do discurso evasivo, repleto de manobras de diversão pobrezinhas e tão obviamente desprovido de ideias».
E nesse, meus amigos, habita uma vaia humilhante à individualidade do atleta e que o transforma, não num profissional racional, mas num homenzinho anulado pelo empirismo empresarial do desporto-rei e figura um empastelamento humano de inteligência e dignidade.
A diferença entre os «muitos jogadores que falam mal» e a generalidade das pessoas, é o bom senso que evita a ‘vergonha’ aquando da visibilidade dessa inapetência
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