Sexo-expresso (XXIIII) ou A evocação do sexo
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Atalanta Filmes
Paulo Branco não é parvo nenhum e sabe que a sua distribuidora só poderá sobreviver do cinema de culto europeu enquanto exercitar a polivalência intelectual.
Reconhecida que está a saúde das suas salas (a crescer, apesar da ameaça de falência dos Cinemas Millenium Alvaláxia), o realizador não parece apenas apreciar a erudição da 7ª Arte, mas estoicamente congrega em si (até que outros venham por esta corda no pescoço empresarial!), chama a si a representação distinta dessa importante "sociologia de película" na nossa sociedade cultural.
Talvez porque saiba que é accionista totalitário neste nicho de mercado, talvez... mas não interessa.
A sua determinação é evidente e vinga o sentimento comum e a sensação de que 'esse' cinema sem estereótipos standards só parece viabilizar-se nestes moldes.
Tudo o mais que surja é quase sempre na forma nostálgica (como os "pacotes" e efemérides da Cinemateca de João Bérnard da Costa) ou próprio de ambientes do diletantismo intelectual protagonizado por intelectuais do establishment (como é o caso de Clara Ferreira Alves e a Fundação Fernando Pessoa ou de Prado Coelho e o Instituto Camões).
Não tenho nada contra e mesmo considerando um certo aburguesamento da Cultura, tenho ciente de que é também a sua gestão por estas elites que nos dá a garantia da concretização e desenvolvimento do melhor que por cá temos.
Nada tenho contra mas chateia-me saber que sou da geração do pós-feminismo português do século XX e ainda hoje (no século XXI) me é vedada a filiação no Grémio Literário do Chiado (como se fosse uma ‘pelintra’ qualquer e só lá quisesse ir para armar uma escaramuça intelectual!). Mas não tenho nada contra...
Deixando a vasta cultura e voltando ao cinema europeu, é sabido que os vários ciclos de cinema experimental, documental e de produção independente que ocorrem ciclicamente no Verão e em Lisboa, não chegam para satisfazer o gosto da tela gigantesca que reivindica prazer todos os 365 dias por ano.
Ainda assim, não há como nos preocuparmos (identifique-se quem quiser) graças à Atalanta Filmes!
Mesmo cegos de referências (a)críticas ou informações, basta apearmo-nos numa das suas casas e esperar que, por entre as suas portas negras e mudas à nossa frente, surja a luz reveladora que nos chama e que quase sempre cumpre a emoção desejada!
Posso dizer que mui raras vezes (para quem sabe, rogo que salte por cima deste preciosismo itálico que gosto por me lembrar Dom Quixote e que me acusa de deveras «bacoco»), mui raríssimas vezes essa mesma luz me faz a desfeita.
E, quando tal acontece, trata-se precisamente da tal política polivalente e é consequência de tentar baralhar feijões pretos por entre feijões branco plácido, ou seja, as cedências no perfil do produto e o sintomático «afã do mercado, o mercado que é a vida de hoje (...) um mercado, um facto biológico», como afirmou o realizador espanhol José Luís Cuerda.
A competição empresarial nem sempre permite o absolutismo das opções estéticas.
A sobrevivência económica dos profissionais do Cinema obriga que «(...) os jovens guionistas estejam mais preocupados em vender um guião, que em contar uma história» como diz José Cuerda, obriga a que os actores desprezem a sua qualidade em troca de papéis aberrantes mas bem pagos e não dá alternativa aos empresários que não resistem a explorar esse magma sensacionalista e profícuo e que permite (Paulo Branco por exemplo) continuar a oferecer grande parte do genuíno cinema europeu e poder pagar-se a si próprio.
9 Songs(*)
A última destas raras ocorrências foi o "9 Songs".
E qual era o engodo? O SEXO!!!!! Sendo que neste caso o engodo constituia o sumo em simultâneo!
Enquanto o "Dia" de Elie Wiesel entrincheira parágrafos de sexo explícito porque é a única comunicação possível entre dois mortais comuns que deambulam no deserto da sua própria existência (o personagem masculino é a identidade desafecta que sobrou de um campo de concentração nazi e a personagem feminina uma individualidade anulada e produto do amor que não teve eco e só lhe restou crescer em auto-negação), já o realizador Michael Winterbottom opta pelo sexo como instrumento de diálogo básico para uma proposta que não passa desse mesmo lugar comum a todos nós (o corpo, por mais estranho e insólito que se apresente na acção, é sempre compreendido dadas as 'latitudes' da líbido de cada um).
A literatura de Elie Wiesel não invoca o sexo por ausência de uma ideia, até pelo contrário, sem recorrer a sofisticações retrata a intimidade violenta de um passado de terror subjugado e a tirania consequente no território da sensibilidade feminina (supostamente apaziguadora para esses homens a quem só resta a libertação no erotismo e amor).
Em relação ao filme, nem sequer tenho como me distanciar pragmaticamente para lhe espremer mais polpa porque - como diria muito bem a minha mãe - neste caso trata-se de "tusa" do princípio ao fim, "tusa" do muppi na rua ao escaparate do cinema, "tusa" da recensão jornalística ao próprio visionamento!
Ide ver e digam-me que não é assim!
Digam-me que não estiveram quase 1:30h a contorcerem discretos os 'membros' e a espreitar os do lado anormalmente frenéticos!
Digam-me senhoras, se aqueles 9 dias seguidos de 'marmelada' londrina não encalorou de súbito e inusitadamente os vossos espaços entre-membros!
"9 Songs" não é um filme, mas um candidato a ante-projecto de estudo para um filme (como o velho e valiosíssimo Relatório Wright que antecedeu tudo o que conhecemos de literatura erótico-americana do período moderno, inclusivé o "Último Tango em Paris").
Ide ver e digam-me se quando saíram da sala não repararam nos homens com o passo teso como miúdos acabados de roubar chocolates no supermercado e tentando disfarçar o que ia dentro da sua roupa! Ou as mulheres de tronco firme e um passo amiúde como se alguma coisa lhes fosse escorregar por entre as pernas!
Ide ver e depois digam-me se experimentaram mais além de sexo, de sugestões sexuais ou de invocações à líbido.
Se eu vos tivesse surpreendido à saída e perguntasse do que é que se lembravam mais intensamente, vocês talvez dissessem o mesmo que eu e que, curiosamente, se estreia como a primeira fala do filme:
- I just remenber Lisa... nothing that she told me about herself or her family... I just remenber Lisa...
A Atalanta Filmes escarrapachou em tudo quanto é fachada de recuperação coerciva em Lisboa uns provocadores cartazes gigantes que ilustram uma jovem em auto-estimulação e sugerem a inspiração sexual no puro rock londrino!
Eu já vi "9 Songs" de Michael Winterbottom... é um filme caseiro produzido com meios profissionais que me lembraram as "brincadeiras" de Yoko e Lennon... e também só me lembro de Lisa e a sua evocação tramada do sexo doido...
(*)Atalanta Filmes 2005 - Revolution Filmes
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