segunda-feira, junho 27, 2005

«Nós, os povos das Nações Unidas...»


O Presidente Nixon anuncia que tropas do Vietnam do Sul e dos Estados Unidos invandiram o Camboja em Abril de 1970.


O ano de 1945 não foi só o ano da Assinatura da Carta das Nações Unidas na Conferência de São Francisco (26 de Junho) que se oficializou a 24 de Outubro na criação da ONU (Organização das Nações unidas).
«Preservar as gerações futuras do flagelo da guerra e reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas», era o que se dignificava textualmente - e sem concessões - para uma espécie de cidadania mundial e futura "concordata" entre países.
No entanto, o mesmo ano revelou que o contributo ideológico de Franklin Roosevelt era frágil e prematuro. A determinação americana para a consolidação da paz não era menor que a ambição de supremacia militar e estratégica do novo mundo ainda débil da II Guerra.
Logo a seguir, a 6 Agosto, os Estados Unidos lançam a bomba atómica sobre a cidade de Hiroxima e Nagasaki, tornando-se inevitável o aniquilamento económico do poderoso Japão.
Um mês apenas, para esquecer o «conceito mais amplo de liberdade» inspirado pelo filho pródigo nova-iorquino e estabelecerem-se sentimentos outros e bem contrários aos «de praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros».
Não é de espantar a desconfiança generalizada em qualquer iniciativa reformista do Tio Sam.
60 Anos depois, entre as várias propostas de actualização para a ONU, a dos Estados Unidos concentra - mais uma vez - as suas atenções para "a redução dos países membros em participação e decisão de veto para o número de 20", ou seja, a antítese da Carta das Nações Unidas.
O atropelo ao fundamental da Carta das Nações Unidas e ao seu valor maior - o que impera para e de todos - através do domínio de minorias criteriosamente selecionadas que resvalam sempre para o assento americano e dos seus aliados.


§


Postscriptum
- A 23 de Novembro de 1946 começa a guerra da Indochina, com o bombardeamento americano do Porto de Haiphong;
- A 14 Abril de 1949 surge a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma organização internacional militar.
A Aliança Atlântica foi criada no contexto da Guerra Fria e com o objectivo de constituir uma frente oposta ao bloco comunista, que poucos anos depois lhe haveria de contrapor o Pacto de Varsóvia.
Desta forma, a NATO reforçava o poder político-militar e os estados signatários deste tratado comprometiam-se, sem excepção, á cooperação estratégica para a manutenção do tempo de paz e á obrigação do auxílio mútuo em caso de ataque a qualquer dos países-membros.

sábado, junho 25, 2005

Sexo-expresso (XVIII) ou Sexo militarista

Charles Graner foi condenado a 15 anos de prisão pela acusação de humilhação, abuso, sevícias sexuais e outras tantas chafurdices. Não é o único entre vários militares norte-americanos envolvidos no "processo democrático e de libertação" do Iraque e que me deixa a pulga atrás da orelha e sugere uma grande cabala.
Na família do Tio Sam (de origem inglesa) conhecem-se reputados e exímios sexólogos praticantes. Aliás, o sonho americano é, entre outras características de dominância, o da reputada hegemonia sexual em toda a sua expansão e a expressão pura do "multiculturalismo (colonização) orgástico" entre nacionalidades.
A história das nações - feita á imagem de cada época - regista desde muito cedo o recurso á militarização e orgias sexuais com vista á supremacia étnica e civilizacional: escravos negros (Carolina do Sul e África do Sul), protestantes ingleses (América do Norte), índios das Américas, Canadá e Brasil, hispanos (Guerra méxico-americana) mormons, árabes, vietnamitas, etc.
Ou seja, "fornicarem" todos e mais alguns para que esses chegem á sua concordância (forçada) ou consenso.
Tudo povos 'papados' por esta 'raça' poderosa que é proprietária de grande parte do globo terrestre.
Lembremo-nos dos Três Princípios Fundamentais para a Formação de um Estado e da Declaração Americana de Independência (4 de Julho de 1776):
- Todos o homens receberam de Deus certos direitos naturais como a vida, a liberdade e a conquista da felicidade;
- Os justos poderes do governo se originam do consentimento dos governados;
- Se o governo não respeitar os direitos naturais do homem, torna-se legítimo derrubá-lo do poder pela força das armas e substituí-lo;

Quantas vezes não se «virou o bico ao prego»?

sexta-feira, junho 24, 2005

Espremendo bem a prosa... um interesse puramente difamatório?

«A vida de Álvaro Cunhal é a história de um projecto político terrível», era como começava o primeiro parágrafo do último editorial de uma revista semanal ainda nova, mas já sabida dos proémios narrativos da imprensa moralista.
O artigo de opinião nascia torto e não precisava.
Bastava-lhe simplesmente a reflexão crítica do ponto de vista histórico-político ou, se isso não lhe bastasse, a alusão da qualidade inglória do projecto social comunista português até hoje contido pelos portugueses nas urnas.
Porque, se desejasse mesmo mostrar respeito e sensibilidade pelo “morto” ainda fresco, bastava-lhe então lembrar os 20% de votos nas primeiras eleições livres em que Mário Soares saiu vitorioso, e não beliscava minimamente as personagens em perda afectiva, as consciências honestas e os representantes desse ideário político que não singra no poder (o PCP continua a não ultrapassar a quota dos 10-12% nas Legislativas).
Vai-se lá saber por quê ou para quê, do seu carácter a prosa só conseguiu cumprir o lado que revela a tendência ideológica da publicação porque aquele que legitimaria qualquer tipo de juízo (a informação verificada e comprovativa), não só o “abandalhou“ como outorgou a sua própria sentença de índole difamatória («com contexto histórico ou sem contexto histórico, as acções do líder comunista não se recomendam»).
Relativiza e menospreza as evidências dos milhares de pessoas que momentos antes se concentravam aos milhares na rua e no cortejo fúnebre («a maioria dos portugueses que têm o hábito de lhe elogiar a coerência»), como se não fosse uma “realidade de peso” e não merecesse qualquer análise.
Jornalisticamente falando, chega mesmo á falta de profissionalismo quando subtilmente roça a depreciação dos sentimentos implicados e que o bom-senso faria qualquer um coibir-se de comentar para encenação escrita.
Noutro ângulo - o crucial e mais interessante - o editorial decide ignorar a realidade histórica e as convulsões humanas dos movimentos expontâneos e organizados entre os anos 40 e 70 em Portugal e no mundo (Bloco de Leste, NATO, Pacto de Varsóvia, África quase inteira colonizada, Guerra Fria, uma Europa desejosa no projecto inter-nações, etc.) e perde a oportunidade do raciocínio político pertinente.
Vai-se lá saber por quê ou para quê, ao exercício intelectual complexo dos movimentos de massas, organizações sociais e corporativas numa época minada por ditaduras (Espanha, Chile, Brasil, Portugal, Itália, etc.) sobrepõe um “sentimento” irracional e personalizado que não chegamos a perceber se é teima, preconceito político ou ignorância histórica («o apoio activo ás políticas soviéticas que provocaram a morte de milhares de pessoas»).
Álvaro Cunhal não era nenhum santo mas também não era um “disfarçado” impulsionador de atrozes iniquidades mundiais.
Matámos menos almas durante a Guerra Colonial em África?
Quantos americanos e vietnamitas não se foram durante todos aqueles anos?
No velho conflito Israel-Palestina quantos mais árabes ainda estão por “ceifar“?
O editorial escamoteou as circunstâncias políticas da Revolução dos Cravos e da queda de Salazar para fazer parecer Álvaro Cunhal uma coisa que na realidade não é. Se houve processo revolucionário mais “limpo” e humanista foi com certeza o nosso e, sem dúvida, também graças a este político.
A seu tempo, a história acabará por denunciar quem foram os prevaricadores e em que lados estavam.
Vai-se lá saber por quê ou para quê, os actores do texto chegam a fazer-se zeladores dos próprios comunistas, extravasando o desabafo de que o líder comunista teria «executado uma implacável conquista do poder no interior do PCP».
Não temos neste momento o CDS “á nora” e tudo graças á descaracterização doutrinária de Paulo Portas quando tomou a sua direcção?
A seu tempo, O PCP decidirá que rumos ideológicos pretende firmar e que referências histórias deseja guardar para sua inspiração - a revista que não se preocupe - e os militantes comunistas continuarão a dar destaque a quem entenderem de direito legítimo.
Espremendo bem a prosa... um interesse puramente difamatório?

- § -

Editorial: Artigo jornalístico de fundo, geralmente sobre um tema da actualidade, que costuma aparecer sem assinatura e que reflecte a orientação da publicação.
Proémio: Parte inicial de uma obra onde se expõe o argumento, os fins da obra e o modo de tratar o assunto.
Moralismo: Excesso de preocupações morais.

domingo, junho 19, 2005

Sexo-expresso (XVII) ou Sexo da emoção "não inscrita"

«Não-inscrição significa que os acontecimentos não influenciam a nossa vida, é como se não acontecessem. Por exemplo, quando uma pessoa ama, esse sentimento não afecta a outra pessoa, objecto do amor. Não tem nenhum feito nas nossas vidas, não se inscreve nelas, não as transforma».
(José Gil - "Pública" 2005)


«Sexo é sexo, e, para qualquer primata dominador, é a emoção do instinto, puro exercício mundano e primitivo onde se diluem as hierarquias e os géneros (somente corpos como instrumentos de sexo) porque é pura emergência orgástica.
Potenciam as relações a imaginação erótica e a criatividade erógena que arranjarmos, já que o sexo está para o corpo idealizado e o afecto para o intelecto romântico
», defendia eu no início deste ano, em modesta provocação ás subtis indirectas de um colunista da praça que sugeria o
desmérito da expressão estética e romântica sobre a fisicidade do sexo (o campo intelectual ao serviço do campo sensorial). Uma acção sem a mestria e inteligência da escrita e, para si, uma arte contrária ao genuíno delírio criativo e á utopia lúcida que as letras, por exemplo, lhe proporcionam.
O que ele dizia também - e se o tivessse circunscrito á sua individualidade tinha soado melhor - era que o nível de erudição da dialéctica sexual não permitia a mesma «satisfação, glória e reconhecimento» como nas outras áreas.
Entretanto, a indústria americana de rádio e televisão (defendendo a mesma primitividade jocosa, embora com outras intenções por de trás), ao que parece, considera as variáveis naturais como leigo/científico, límpido/ambíguo crítico/alienante, etc, conceitos demasiado frágeis e que não asseguram os códigos rigorosos da linguagem apropriada para a comunicação de conteúdos eróticos, nem dão garantia de uma assimilação correcta. Pelo contrário, oferecem um conhecimento que roça a «boçalidade».

A resposta ao «ataque intencional aos bons costumes e á comunicabilidade de bem» por parte dos Media, é de tal maneira prioritária deste novo governo de George W. Bush que o político Kevin J. Martin, um republicano do seu consórcio, formulou um projecto de normas para a fiscalização e penalização do sexo e violência nas emissões da TV, Cabo e Satélite, chegando ao cúmulo de «uma multa» por cada «palavra indecente».
Quem conhece o puritanismo americano conhece-o de excessos em ambos os lados por qualquer coisa e nenhuma. E, incoerentemente, tão depressa normaliza a vulgaridade das emoções, sexo e violência na sua cultura, como se faz famoso na auto-estrada patriótica e política por peregrinações imbuídas de uma religiosidade oportunamente castradora.
O resultado? Qualquer coisa como uma sexualidade ambígua que varia entre fellatios "republicanos" e masturbações "democratas".

Sexo á americana? Uma emoção mal-parida!

sábado, junho 18, 2005

Queridos, mudei a casa!

A acusação de incompetência generalizada dos funcionários do Estado já se institucionalizou no discurso oficial, mas continua por se conhecer a ideia "revolucionária" e lógica inovadora de como o governo PS pretende tornar mais eficaz e produtiva a gestão governamental das suas instituições. Á medida que vêm chegando as novas leis a plebiscito, uma coisa torna-se suspeita, a hipótese da privatização dos comandos públicos e consequentes orgânicas superiores.
Que um governo descure a Inovação por entender que o que o país precisa é de ganhar força de produção e consistência qualitativa ainda se percebe e até se tolera, mesmo sabendo que mesmo num projecto de quatro anos isso é pouco salutar e, a curto prazo, significa regredir na eficácia da resposta.
Mas, que o mesmo entregue a exequibilidade pública ao jeito de "Querido Mudei a Casa", isso também é - no mínimo - inquietante.
Mude-se o que é preciso(!) da melhor maneira possível e com o timing que a máquina caduca e obsoleta exigir, e deixe-se para dias de maior fartura o que não é urgente ou até adiável, afinal estão em causa milhares de "oficializados" e "oficialismos" legitimados por leis constitucionais que o próprio PS há muito conhece e até foi cúmplice durante as suas anteriores governações.
Entre as coisas que não são claras está a acção lenta da reestruturação das chefias internas e o que parece ser um grande tapete vermelho com cláusulas de segurança e contrapartidas governamentais foi já lançado para as classes sociais não tradicionais e as dominantes nos tecidos económicos.
Ora, todos sabem que o gestor empresarial por definição não pode "servir o povo". Não porque lhe desagrade, mas porque se interiorizou eticamente em servir o seu próprio conforto e ascensão. A assunção de que as suas metas possam assumir os impulsos nacionais roça pouca inteligência, senão for ofensivo.
Quando António Costa sugeriu a infalibilidade das esferas superiores de direcção («increptização própria») na transparência total e com o recurso a modelos de gestão "politizados" - indivíduos por excelência envolvidos e actuantes na dinâmica social exterior - quatro coisas se sugerem:

  • a) o que resulta da legitimação desses cargos intermédios (os únicos de decisão superior que ainda estão livres da mão eleitoral) por parte da "massa funcional" e da cultura do empregado público?
  • b) como compatibilizar a "ambição honorária" típica destes gestores com projectos de "sacrifício" contínuos, frágeis e de responsabilidade social e extrapessoal?
    c) o que se institui "eticamente relevante" e de prioridade governativa para esses decisores quando personificam quadros de competência e formação desvinculados da "escola pública".
  • d) que garantias há de contrariar o compadrio, a cunha ou o favorecimento político, mesmo reinventando o «estatuto do pessoal dirigente», se a selecção continua a ser permeável porque sujeita a decisão hierárquica de outro cargo eleito anteriormente na esfera política vigente.

É óbvio que «o reforço da estabilidade das administrações e eficiência dos seus funcionamentos» pode valorizar-se pelo «intercâmbio de experiências de gestão privada e pública» - nada a apontar.
Qualquer empresa inteligente está em constante avaliação do resto do mercado competitivo. Mas não se deve assegurar a profissionalização formal "dos da casa" e que cá vão ficar até aos 65 anos (nova idade de reforma)?
Ou achará o PS que os cargos públicos de eleição política (que não são assim tão poucos) são suficientes para a exequibilidade das instituições - como se de um general severo e dominador ás suas tropas submissas se dirigisse.
José Sócrates elaborou, inclusive, uma «carta de missão» que avalia a temporalidade executiva mediante o cumprimento das metas estabelecidas.
Um corpo de normas «para a avaliação regular do desempenho e do serviço de que o dirigente é máximo» - nada a apontar.
Não somos avaliados todos os dias e consequentemente (des)promovidos por "subtis mudanças logísticas" no emprego?
Numa primeira leitura o que se questiona é o que as orientações desses cargos a "termo certo" (cuja agenda é passível de interrupção pelo não cumprimento dos compromissos) reflectem nas necessidades prossecutórias e intemporais das organizações públicas.
Uma coisa é certa, todas as carreiras de topo e poder de decisão vital na Administração Pública para além de não chegarem "a fazer escola" para o futuro (o que significa esvaziamento de qualidade profissional e identitária), incorrem perigosamente aos caprichos doutrinários da política vigente e sujeitam-se ás "modas pessoais" dos que por lá passam e sabem á partida que a responsabilização é relativa pela precariedade do vínculo administrativo.
"Queridos, mudei de casa!"

quinta-feira, junho 16, 2005

Vasco Gonçalves, Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal



Uma verdadeira mortandade, quase se pode dizer... Os três homens que a morte resgatou este segundo fim-de-semana de Junho ascendem a valores únicos de referência nacional e representam tempos históricos talvez nunca inigualáveis.
Vasco Gonçalves, o modesto general que na intimidade da sua casa e família sempre me fez pensar que nunca esperou abraçar uma revolução e que acabou por fazer a história da libertação política dos portugueses e do povo colonizado pelo sistema monstruoso do fascismo - o mesmo que o formara militarmente. É á sua liderança que se deve o grande movimento de solidariedade cívica e a consciência anti-ditadura dos soldados e oficiais - um processo indispensável para as conquistas revolucionárias de Abril de 1974.
Eugénio de Andrade ou José Fontinhas, o seu nome verdadeiro, não tem palavras que lhe baste a profunda reflexão humana e a sensibilidade naturalista extraordinária. Arranjem-nas os mais eruditos, que a mim satisfaz-me a verdade das "suas" coisas e das "suas" gentes que tantas vezes é quem lembra que "delas" viemos e para "elas" caminhamos na mesma simplicidade do respirar tenro das árvores.
Álvaro Cunhal, o exercício político com honra, hombridade e ética para a construção de uma sociedade mais consciente das suas contradições e - por isso - digna no seu desenvolvimento humano. Uma sociedade mais enérgica onde, em cumplicidade salutar, se deva também ao próximo - outro "companheiro" - a nossa própria realização.
Assegurar justiça e verdade entre cada intenção política e reciprocidade ideológica foram alguns dos princípios deste comunista no tempo sociológico de cada um de nós.
Não é só o Partido Comunista, os intelectuais portugueses ou os militares de Abril que estão em luto melancólico.
Na circunstância temporal que esta tríade acabou por protagonizar, foi Portugal inteiro inevitavelmente arrastado pelo sentimento de perda destas três figuras, enquanto homens de causa transparente e inquestionável patriotismo desinteressado.
O ser humano é um sistema aberto e sujeito às mudanças do seu próprio querer simples (o desejo utópico de cada um na vida) e a sociedade o produto do consenso que ele reúne com os outros - defendia Álvaro Cunhal.
O que se estará hoje questionando em ampla expectativa sobre Os cidadãos participativos e Os futuros líderes sociais de amanhã?
Do que nos "ofereceram" estes homens do pós-Salazar - hoje geração minoritária - o que é que nós interiorizámos como ensinamentos filosóficos progressistas e reais valores "individuais e comunitários"?
Se há unanimidade sobre o que destingue singularmente estes três homens, é o conceito valioso de que o Futuro está em aprender a pensar o Presente, celebrando cada Homem e sua Obra como parte integrante de um todo unitário.
Cada Homem pode - e deve - através da sua parte, modificar o todo.
É aqui que o consenso se gera em todos os quadrantes políticos e sociais e se reconhecem Vasco Gonçalves, Álvaro Cunhal e Eugénio de Andrade, como homens a quem a história portuguesa deve das suas mudanças mais importantes e (a uma escala menor) outros contributos para o Mundo deste século se realizar mais democrático.
A sua ausência no futuro ultrapassa a natural "falta aos seus que cá ficam" e assume o significado bem maior da inquestionável estima por todos e o peculiar (e raramente observável) respeito ideológico, cultural, humanista e filosófico destes três homens de Esquerda.
Neste mundo de incertezas pilares, polaridades sociais assimétricas e constantes mudanças dos valores das relações humanas não há dúvida que Vasco Gonçalves, Álvaro Cunhal e Eugénio de Andrade - cada um à sua maneira - foram preciosos na reflexão e avaliação desta complexidade de transformação social e desta fragilidade do potencial humano.
Hoje o sentimento enlutado reúne toda a sociedade portuguesa numa representatividade absoluta pelo Humanismo porque a eles não podemos indissociar a sindicância social, a utopia empreendedora e o pensamento erudito e filosófico.
Uma verdadeira mortandade, quase se pode dizer... Os três homens que a morte resgatou este segundo fim-de-semana de Junho eram relevantes para o país porque o seu humanismo gerava valores activos e férteis para a relevância da realidade portuguesa
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sábado, junho 11, 2005

O PS de de Guterres está entregue ao General! (2)

O general
O general entrou na cidade ao som de cornetas e tambores ...
Mas por que não há "vivas" nem flores?
Onde está a multidão para o aplaudir, em filas na rua?
E este silêncio
Caiu de alguma cidade da Lua?
Só mortos por toda a parte.
Mortos nas árvores e nas telhas, nas pedras e nas grades, nos muros e nos canos ...
Mortos a enfeitarem as varandas de colchas sangrentas com franjas de mãos ...
Mortos nas goteiras.
Mortos nas nuvens.
Mortos no Sol.
E prédios cobertos de mortos.
E o céu forrado de pele de mortos.
E o universo todo a desabar cadáveres.
Mortos, mortos, mortos, mortos ...
Eh! levantai-vos das sarjetas e vinde aplaudir o general que entrou agora mesmo na cidade, ao som de tambores e de cornetas!
Levantai-vos!
É preciso continuar a fingir vida,
E, para multidão, para dar palmas, até os mortos servem, sem o peso das almas.
(José Gomes Ferreira)

sexta-feira, junho 10, 2005

O PS de de Guterres está entregue ao General! (1)

Apesar do "desalinhamento" de alguns reputados parlamentares da Ala Esquerda "alegrina" (Jorge Lacão e José Magalhães), outros que chegaram mesmo a militar oficialmente alguma oposição (Rui Cunha), senão todos os cerca de 20 novos deputados da mesma ala que foram - afinal - escolhidos e reeleitos com Sócrates, a Esquerda portuguesa (PCP e Bloco) alertou a sociedade activista que o novo governo não só se identificava com os mesmos objectivos políticos «de direita» de António Guterres há duas nomenclaturas, como pretenderia avançar mais à direita ainda do que sugeria.
Quem nos avisa, nosso amigo é!
A solidariedade dos socialistas ao "neoliberalismo de centro" de Sócrates foi sol de pouca dura e parece ter servido apenas para o egocêntrismo de derrotar os sociais-democratas durenses e seu sucessor Pedro Santana Lopes.
Muito antes até da própria campanha legislativa começar, o secretário-geral do PS eleito com 80 por cento dos votos (e se isto não é apoio incondicional e vontade de mudança, então não sei o que será), talvez recordado da sua eleição interna, antecipou-se e tratou logo de contentar uns tantos com nomeações e avisar mais alguns na Comissão Política: «Espero que daqui a quatro meses o partido permaneça tão unido como agora».
O que parecia ser a "normal" redefinição ideológica consequente de um novo líder partidário e respectiva vitória, foi um verdadeiro cavalo de tróia no séquito das rosas e revelou-se na política portuguesa a ascenção do liberalismo absolutista de rosto único e a política (a)social de "testa de ferro".
As evidências sugerem-no:

  • Uma equipa de ministros clandestina e desconhecida de todos - inclusivé o próprio PS
  • até ao último minuto da sua exposição;
  • O secretismo arrogante do Programa de Governo à sociedade política e eleitora;
  • A descriminação machista do género feminino ao reclamar-lhe um perfil «insuficiente de protagonismo político e técnico» para integrarem o elenco governamental:
  • No governo, o domínio quase maioritário de figuras desvinculadas do universo social e político e (in)dependentes do mercado privado-económico; etc.

O PS de António Guterres tem, hoje, uma paternidade déspota e autista que não hesita na educação severa e repressora "dos seus" e Portugal está sujeito ao esvaziamento ideológico porque o General de Campanha coopera perigosamente com outsiders da política de raíz social e com uma permissividade duvidosa, senão comprometedora da cultura de representatividade democrática.
Se o PS já gozou de alguma desenvoltura profícua por parte do General e que tenha sido fértil até ao momento, talvez o recorrente oportunismo político do partido dominante no poder que sempre permite que alguns boys possam assentar praça nos vários organismos do Estado (só na Administração Pública 20 "bateram a pala" muito antes da própria proposta de lei ser discutida no Parlamento) e - para os que ficaram ainda de fora - a nova lei que permite a nomeação política ao invés por concurso dos Directores-gerais, Secretários-gerais, Inspectores-gerais e Presidentes (cargos considerados de direcção superior da Administração Pública).
Estes "soldadinhos" não poderão ser em grande número dada a obscenidade do Défice, mas pelo menos o dirigente em questão «pode optar pelo ordenado que tinha no cargo de onde veio, desde que não exceda o salário do primeiro-ministro» (cerca de cinco mil euros ilíquidos, mais despesas de representação) e pode também «ter prémios de gestão em função do seu cumprimento dos objectivos».

Quem quiser - ou puder - fica bem remediado!
Pergunto-me se a residência oficial do Primeiro-Ministro não terá neste momento à porta uma valente fila para arrajar emprego (em particular os candidatos a Gestores Públicos que podem ser livremente nomeados por despacho conjunto do General).
Mas como tudo o que é bom... e todos os sinais de súbita reconversão de Sócrates ou o seu enfoque aos interesses socialistas e sua identificação com as estruturas que o elegeram são sol de pouca dura... parece que a esquerda socialista está novamente insatisfeita.
Ainda agora saídos do frustrado e cobarde Referendo do Aborto, os "soldadinhos" foram novamente contrariados e somam-se as contradições políticas e de contornos sinistros indecifráveis como o fim do Regime Especial para o Cálculo de Reforma e das Subvenções Vitalícias dos Titulares Públicos e Políticos, ou o congelamento salarial em 2006 dos Administradores de Empresas Públicas:
«Privilégios injustificados!!!!!!!!!!!!!!!. É altura de pôr cobro a um conjunto de regimes de excepção que proliferam na nossa Administração Pública!!!!!!!!!!!!
Esta reforma tem de começar também pelos cargos políticos!!!!!!!!!!!!!
» - afirmou o General.
A oposição diz que «Sócrates abriu a caixa de Pandora», outros que «se trata de uma revolução extraordinária».
Eu diria que não acredito que tudo isto se trata de contar trocos para aliviar o desgraçadinho do Défice ou redistribuir equalitativa e democraticamente o dinheiro dos contribuintes.
O General - intocável e de reacções imprevisíveis - pode muito bem com um levantamento interno e talvez só o idealismo de Abril de Manuel Alegre o possam deixar sem resposta, mas nesse caso só porque a retórica tecnológica não tem coração! Não tem emoção!
O General já mostrou que se precisar de substituir "cavalheiros" e arranjar "oficiais" novos, tem vários quadros disponíveis em outsourcing. Aliás, bem feitas as contas, se somarmos o fim das regalias dos parlamentares com a limitação de mandatos políticos, o futuro dos políticos de carreira em Portugal imagina-se escabroso ou absurdo.
Uma coisa já se antevê no Partido Socialista: um clã "socrático" e perversamente organizado...
Os outros que restam? Uma "horda" de políticos "tesos" e com a possibilidade de "assento generoso" caducada.
José Sócrates é o General... e um paradoxo no "tempo das rosas".

terça-feira, junho 07, 2005

No dia Mundial do Ambiente: friends, jornais, cultura e os domingos

Friends are forever and ever? São os que são, senão os que apenas importam. Porque o que importa - isso sim - é que enquanto nos habitem como tal, sejam feitos do que nós precisamos.
Tenho um (muito particular dada a sua fresca passagem e já inquietante afeição) que designei como o meu SOCIAL-DEMOCRATA preferido e em exclusividade (pondo de lado o Vasco Graça Moura) e a única RELIGIOSIDADE a quem dou oportunidade para me tentar convencer da sua razão.
Em 34 anos nunca o fiz por meus avós - uns velhos doces e preservados da modernidade pela serrania transmontana -, mas faço-o por meu amigo. Faço-o pelo troiano humanismo e tolerância que a sua fé concentra.
Encontre-me como me encontrar interiormente, com ternura ELE ousa insistentemente contrariar-me a fatalidade. Ora para me forçar a um certo empirismo ideológico que, na sua opinião, me é mais genuíno ao coração, ora para me derrubar o romantismo diletante dos meus dias demasiado e naturalmente tecnológicos.
O meu TROIANO sabia de antemão (temos um grupo de tertúlia semanalmente requisitado) que por estes dias se me acabavam as férias e regressava á mundanidade rotineira - para mim um lugar comum bem mais fértil que a pasmaceira do tempo entregue ao ócio do dolce far niente veraneante.
Regressei ao emprego no domingo e aguardava-me no mail box da empresa (que a Net lá em casa ainda não chegou) uma pequena prosa em cenários naturais e aquosos. Não, nada que tivesse a haver com "Em Busca de Nero" ou a "Sereia Mágica", tratava-se simplesmente do oceano e as "questões antropológicas" dos seus habitantes aquáticos. À partida, todos bons candidatos à efeméride mundial do Dia Mundial do Ambiente:

  • "Se os tubarões fossem gente", perguntou a filhinha da senhorita para o senhor k, "eles seriam mais amáveis com os peixinhos?".
    "Naturalmente", ele respondeu, "se os tubarões fossem homens como nós construiriam grandes caixas para os peixinhos. Nelas colocariam toda a espécie de comida, plantas e pequenos animais. Providenciariam para que as caixas tivessem água fresca, e tomariam absolutamente todas as medidas sanitárias necessárias. Quando por exemplo, um peixinho machucasse uma de suas barbatanas, seria imediatamente medicado para evitar que morresse antes do tempo.
    A fim de que os peixinhos nunca ficassem tristes, haveriam grandes festas de tempos em tempos, peixes felizes têm melhor sabor que peixes tristes. Naturalmente existiriam também escolas naquelas caixas. Nelas os peixinhos aprenderiam a nadar em direcção à boca dos tubarões. A geografia, por exemplo, seria ensinada a fim que pudessem encontrar tubarões vagabundeando em algum lugar. Sem dúvida a matéria principal seria a educação moral dos peixinhos. Nelas eles aprenderiam o que há de mais nobre e belo para um peixinho:
    - oferecer-se alegremente e acreditar nos tubarões, principalmente quando prometessem providenciar um futuro melhor. Tudo se faria para mostrar aos peixinhos que esse futuro só seria garantido com sua total obediência. Deveriam ficar distantes de possíveis inclinações materialistas e marxistas, e informar imediatamente os tubarões se
    qualquer um deles revelasse tais tendências...
    Se os tubarões fossem gente haveria também lugar para a arte em geral.
    Haveriam belos quadros mostrando os magníficos dentes dos tubarões, as suas bocas e gargantas, todos em cores esplêndidas. Os teatros, no fundo dos oceanos, ofereceriam espectáculos mostrando peixinhos eróticos nadando alegremente para dentro das gargantas dos tubarões...
    Certamente haveriam religião... Ela ensinaria que a verdadeira vida começa na barriga do tubarão.
    Se os tubarões fossem gente os peixinhos deixariam de ser, como são agora, iguais. Para alguns seriam dados escritórios e colocados acima dos outros. Aos maiores seria até permitido comer os menores... Os mais importantes, aqueles com escritórios, zelariam pela ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, engenheiros de construção, etc ...
    Enfim, somente haveria cultura na mar se os tubarões fossem gente".»

Malandro!!!! Como o conheço bem.
O mail não declarava nada mais, nem sequer a moratória intencionada na sua oferta. No fim do texto muito simplesmente findavam estas letrinhas: «Autor: Bertold Brecht»
E a seguir discretamente afirmava: «Muito interessante...»
Uma cenoura!!!! Uma bela de uma cenoura para a minha reentrée bloguística - eu que sempre me inspirei nos meus afectos - e a lembrança de um senhor que conheci em miúda pelo Teatro e ainda hoje me(nos) serve os dias angustiantes:

  • «Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
    Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.»

Friends are forever and ever? São os que são, aqueles que importam são os que nos deram da sua gente.
Mas não são só os amigos. A Cultura também é assim, ora chega, ora vai.
Aliás, ela (no sentido mais abrangente e lato do seu significado) está muitas vezes entregue aos sabores da moda e caprichos economicistas dos mercadores culturais. Tão depressa Juan Miró (1893-1983) invade as t-shirts brancas da juventude que não sabe ou não conhece o Abstracionismo como um movimento de ruptura ao Classicismo tirano da representação figurativa que não admitia o valor da subjectivação estética, como Paulo Coelho enche as estantes de mulheres esquecidas do perfume feminino das fábulas eróticas.
Os valores culturais ocupam em cada um de nós o equivalente ao que o anterior imaginário infantil das primeiras descobertas ocupava.
Não exigem desígnios ou prodígios em especial. São feitos das percepções simples (os sentidos) e da sensibilidade de cada um (a capacidade de emoção) no encontro com cada intervenção estética "real" de sentimentos subjectivados pelo seu autor.
Mas por onde anda a Cultura? Como cruzarmo-nos com essas acções que nos oferecem deslumbramento e deleite?
Por excelência e privilégio indiscutível, nos jornais e revistas, principalmente ao domingo (dia de descanso generalizado) onde as páginas disponibilizam dezenas de idéias á falta de tudo o mais que as preenche durante o resto da semana - teoricamente mais importante, urgente, prioritário, pertinente, etc.
A sociedade social e produtiva pára nesse dia para os cidadãos se entregarem (se assim o desejarem) á Cultura e se apaixonarem pela obra humana, ou seja, por si próprios.
Na generalidade das empresas de comunicação isto é mais que sabido. Como o domingo faz-se soalheiro para as Caixas (notícias em exclusivo ou inéditas) e desatento á Publicidade insaciável, torna-se indubitavelmente glorioso para todos os "passatempos" ditos culturais.
É um dia notório por exclusão de partes e, ao mesmo tempo, imerecidamente pobre da sua circunstância infeliz que o consignou improdutivo. Um dia que a Obra religiosa nos ofereceu indeliberadamente por ainda não conhecer a cultura proletária do horário laboral pré-definido e ter que fazer este mundo numa semana apenas.
Escusado será dizer que, como o Super Homem só habitava papel e tinta de offset, os operários responsáveis suaram as estopinhas e vergaram exaustos á sétima lua consecutiva, sugerindo o domingo como a única pausa temporal possível da "semanada". Um tempo próprio por indefinido e disperso, o limbo do tempo que lhe antecede (sábado) e do tempo que lhe precede (segunda-feira).
Este domingo queria dizer-vos quão poupada eu sou na água.
Eu, que só a água fria e violenta me relaxa a TPM (Tensão Pré-Menstrual), que lavo os dentes de torneira fechada, que passo o meu santo dia a bebericá-la com um tal prazer que molho sempre as beiças para gozo dos demais, que faço meias-máquinas há 15 anos e desde que a DECO disse que os 30 graus são mais que suficientes e que basta a água chegar-me ao rosto para me fazer mais dócil e feliz.
Dizer-vos que - no meu entender - não chega Educação Ambiental nas escolas e bairros degradados ou novos civismos.
O que é preciso é que se instituam os valores naturais e independentes das modas e dos hábitos.
Meus avós, agricultores há mais de 90 anos, nunca desperdiçaram água e, na sua ingenuidade de energias renováveis, só a idéia de a esbanjar é um sacrilégio. Por quê, se á sua aldeia não chegou o 25 de Abril, quanto mais newsletters da DECO ou jornais com informação educada e certicada?
Porque a ÁGUA, mais do que um bem valioso por necessário á sobrevivência, tem imbuída conceptualmente um valor natural que lhe é intrínseco e livre do arbítrio de cada um ou da sociedade. TEM UM VALOR NATURAL E NÃO HUMANIZADO EM TENDÊNCIAS!
Sabem que mais? Friends may not be forever and ever, mas estarão por cá para nos inspirarem Berthold Brecht e os jornais (que não estiveram à altura da "banhada" em que está o Mundo Natural!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!) sairão sempre das rotativas todos os domingos a oferecerem-nos a "cultura" que quiserem ou exigirmos!