No dia Mundial do Ambiente: friends, jornais, cultura e os domingos
Friends are forever and ever? São os que são, senão os que apenas importam. Porque o que importa - isso sim - é que enquanto nos habitem como tal, sejam feitos do que nós precisamos.
Tenho um (muito particular dada a sua fresca passagem e já inquietante afeição) que designei como o meu SOCIAL-DEMOCRATA preferido e em exclusividade (pondo de lado o Vasco Graça Moura) e a única RELIGIOSIDADE a quem dou oportunidade para me tentar convencer da sua razão.
Em 34 anos nunca o fiz por meus avós - uns velhos doces e preservados da modernidade pela serrania transmontana -, mas faço-o por meu amigo. Faço-o pelo troiano humanismo e tolerância que a sua fé concentra.
Encontre-me como me encontrar interiormente, com ternura ELE ousa insistentemente contrariar-me a fatalidade. Ora para me forçar a um certo empirismo ideológico que, na sua opinião, me é mais genuíno ao coração, ora para me derrubar o romantismo diletante dos meus dias demasiado e naturalmente tecnológicos.
O meu TROIANO sabia de antemão (temos um grupo de tertúlia semanalmente requisitado) que por estes dias se me acabavam as férias e regressava á mundanidade rotineira - para mim um lugar comum bem mais fértil que a pasmaceira do tempo entregue ao ócio do dolce far niente veraneante.
Regressei ao emprego no domingo e aguardava-me no mail box da empresa (que a Net lá em casa ainda não chegou) uma pequena prosa em cenários naturais e aquosos. Não, nada que tivesse a haver com "Em Busca de Nero" ou a "Sereia Mágica", tratava-se simplesmente do oceano e as "questões antropológicas" dos seus habitantes aquáticos. À partida, todos bons candidatos à efeméride mundial do Dia Mundial do Ambiente:
- "Se os tubarões fossem gente", perguntou a filhinha da senhorita para o senhor k, "eles seriam mais amáveis com os peixinhos?".
"Naturalmente", ele respondeu, "se os tubarões fossem homens como nós construiriam grandes caixas para os peixinhos. Nelas colocariam toda a espécie de comida, plantas e pequenos animais. Providenciariam para que as caixas tivessem água fresca, e tomariam absolutamente todas as medidas sanitárias necessárias. Quando por exemplo, um peixinho machucasse uma de suas barbatanas, seria imediatamente medicado para evitar que morresse antes do tempo.
A fim de que os peixinhos nunca ficassem tristes, haveriam grandes festas de tempos em tempos, peixes felizes têm melhor sabor que peixes tristes. Naturalmente existiriam também escolas naquelas caixas. Nelas os peixinhos aprenderiam a nadar em direcção à boca dos tubarões. A geografia, por exemplo, seria ensinada a fim que pudessem encontrar tubarões vagabundeando em algum lugar. Sem dúvida a matéria principal seria a educação moral dos peixinhos. Nelas eles aprenderiam o que há de mais nobre e belo para um peixinho:
- oferecer-se alegremente e acreditar nos tubarões, principalmente quando prometessem providenciar um futuro melhor. Tudo se faria para mostrar aos peixinhos que esse futuro só seria garantido com sua total obediência. Deveriam ficar distantes de possíveis inclinações materialistas e marxistas, e informar imediatamente os tubarões se
qualquer um deles revelasse tais tendências...
Se os tubarões fossem gente haveria também lugar para a arte em geral.
Haveriam belos quadros mostrando os magníficos dentes dos tubarões, as suas bocas e gargantas, todos em cores esplêndidas. Os teatros, no fundo dos oceanos, ofereceriam espectáculos mostrando peixinhos eróticos nadando alegremente para dentro das gargantas dos tubarões...
Certamente haveriam religião... Ela ensinaria que a verdadeira vida começa na barriga do tubarão.
Se os tubarões fossem gente os peixinhos deixariam de ser, como são agora, iguais. Para alguns seriam dados escritórios e colocados acima dos outros. Aos maiores seria até permitido comer os menores... Os mais importantes, aqueles com escritórios, zelariam pela ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, engenheiros de construção, etc ...
Enfim, somente haveria cultura na mar se os tubarões fossem gente".»
Malandro!!!! Como o conheço bem.
O mail não declarava nada mais, nem sequer a moratória intencionada na sua oferta. No fim do texto muito simplesmente findavam estas letrinhas: «Autor: Bertold Brecht»
E a seguir discretamente afirmava: «Muito interessante...»
Uma cenoura!!!! Uma bela de uma cenoura para a minha reentrée bloguística - eu que sempre me inspirei nos meus afectos - e a lembrança de um senhor que conheci em miúda pelo Teatro e ainda hoje me(nos) serve os dias angustiantes:
- «Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.»
Friends are forever and ever? São os que são, aqueles que importam são os que nos deram da sua gente.
Mas não são só os amigos. A Cultura também é assim, ora chega, ora vai. Aliás, ela (no sentido mais abrangente e lato do seu significado) está muitas vezes entregue aos sabores da moda e caprichos economicistas dos mercadores culturais. Tão depressa Juan Miró (1893-1983) invade as t-shirts brancas da juventude que não sabe ou não conhece o Abstracionismo como um movimento de ruptura ao Classicismo tirano da representação figurativa que não admitia o valor da subjectivação estética, como Paulo Coelho enche as estantes de mulheres esquecidas do perfume feminino das fábulas eróticas.
Os valores culturais ocupam em cada um de nós o equivalente ao que o anterior imaginário infantil das primeiras descobertas ocupava. Não exigem desígnios ou prodígios em especial. São feitos das percepções simples (os sentidos) e da sensibilidade de cada um (a capacidade de emoção) no encontro com cada intervenção estética "real" de sentimentos subjectivados pelo seu autor.
Mas por onde anda a Cultura? Como cruzarmo-nos com essas acções que nos oferecem deslumbramento e deleite?
Por excelência e privilégio indiscutível, nos jornais e revistas, principalmente ao domingo (dia de descanso generalizado) onde as páginas disponibilizam dezenas de idéias á falta de tudo o mais que as preenche durante o resto da semana - teoricamente mais importante, urgente, prioritário, pertinente, etc.
A sociedade social e produtiva pára nesse dia para os cidadãos se entregarem (se assim o desejarem) á Cultura e se apaixonarem pela obra humana, ou seja, por si próprios.
Na generalidade das empresas de comunicação isto é mais que sabido. Como o domingo faz-se soalheiro para as Caixas (notícias em exclusivo ou inéditas) e desatento á Publicidade insaciável, torna-se indubitavelmente glorioso para todos os "passatempos" ditos culturais.
É um dia notório por exclusão de partes e, ao mesmo tempo, imerecidamente pobre da sua circunstância infeliz que o consignou improdutivo. Um dia que a Obra religiosa nos ofereceu indeliberadamente por ainda não conhecer a cultura proletária do horário laboral pré-definido e ter que fazer este mundo numa semana apenas.
Escusado será dizer que, como o Super Homem só habitava papel e tinta de offset, os operários responsáveis suaram as estopinhas e vergaram exaustos á sétima lua consecutiva, sugerindo o domingo como a única pausa temporal possível da "semanada". Um tempo próprio por indefinido e disperso, o limbo do tempo que lhe antecede (sábado) e do tempo que lhe precede (segunda-feira).
Este domingo queria dizer-vos quão poupada eu sou na água. Eu, que só a água fria e violenta me relaxa a TPM (Tensão Pré-Menstrual), que lavo os dentes de torneira fechada, que passo o meu santo dia a bebericá-la com um tal prazer que molho sempre as beiças para gozo dos demais, que faço meias-máquinas há 15 anos e desde que a DECO disse que os 30 graus são mais que suficientes e que basta a água chegar-me ao rosto para me fazer mais dócil e feliz.
Dizer-vos que - no meu entender - não chega Educação Ambiental nas escolas e bairros degradados ou novos civismos.
O que é preciso é que se instituam os valores naturais e independentes das modas e dos hábitos.
Meus avós, agricultores há mais de 90 anos, nunca desperdiçaram água e, na sua ingenuidade de energias renováveis, só a idéia de a esbanjar é um sacrilégio. Por quê, se á sua aldeia não chegou o 25 de Abril, quanto mais newsletters da DECO ou jornais com informação educada e certicada?
Porque a ÁGUA, mais do que um bem valioso por necessário á sobrevivência, tem imbuída conceptualmente um valor natural que lhe é intrínseco e livre do arbítrio de cada um ou da sociedade. TEM UM VALOR NATURAL E NÃO HUMANIZADO EM TENDÊNCIAS!
Sabem que mais? Friends may not be forever and ever, mas estarão por cá para nos inspirarem Berthold Brecht e os jornais (que não estiveram à altura da "banhada" em que está o Mundo Natural!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!) sairão sempre das rotativas todos os domingos a oferecerem-nos a "cultura" que quiserem ou exigirmos!
2 Comments:
O malandro troiano agradece-te, de verdade, a eleição ao panteão dos sociais-democratas favoritos e religiosos aceitáveis. Se eu te disser que não faço a mínima ideia se sou de facto social-democrata e que me confunde todos os dias o acontecimento de ter fé ficas espantada?
Olha Ana, de qualquer modo fiquei muito orgulhoso e um pouco embaraçado pelo excesso de importância que me atribuiste.
E não, o Brecht não foi uma provocação. Apenas um texto que torna evidente o que, nestes dias, só não vê quem não quer: o valor humano(do humano) recomeçou a declinar. A economia é o instrumento. A natureza do bicho homem o fundamento. Somos capazes do pior e isso está a vir ao cimo.
Contudo, não paradoxalmente, manifestam-se e multiplicam-se sinais contrários. Pequenos actos de esperança, acontecimentos que revolvem, espiritualidades que se revelam como novas luzes para as pessoas.
Havia aquele que dizia que o mundo está perigoso. Pois está. Mas eu prefiro dizer que está complexo, em roda livre.
É ou não é um oceano de oportunidades para os peixinhos deste oceano?
Um beijo
Tim
"A fim de que os peixinhos nunca ficassem tristes, haveriam grandes festas de tempos em tempos,"
Brecht, se fosse português, nunca escreveria assim. Quanto muito poderia formular: "haveria grandes festas de tempos em tempos".
asterisco - afim de assinalar esse terrível desígnio que é voltar à cadeia alimentar após as férias, haveria grandes frases por citar de tempos em tempos. E nelas se exaltaria o extraordinário brilho, a identidade única do peixinho.
kc
Enviar um comentário
<< Home