quarta-feira, maio 04, 2005

Sexo-expresso (XVI) ou Sexo das formas


Eu não vi as esculturas de Alberto Carneiro mas «a prática da tridimensionalidade que permite ao espectador tomar consciência do seu corpo e volume» reconhecia-a logo - mesmo plana - impressa e rarefeita no pardacento do "Mil Folhas".
Há uns anos a Câmara Municipal de Lisboa quis devolver a ministerial Praça do Comércio aos lisboetas e «de matéria física, como do espaço que a rodeia» não podia tê-lo feito melhor.
A obra de Botero ganhava a sua indiscutível qualidade quando projectada a elevar-se sobre o horizonte do rio Tejo, em vez de pintada em miniaturas de 50/60cm num papel cochet de primeira classe.
Na amplitude livre e extensa da praça podíamos, sem pudor, envolvermo-nos corporalmente com o ferro de Botero. Por cima, por baixo, de fora, lá dentro, toda a interacção era possível dada a grandeza das suas esculturas, e, porque era inevitável, sentir-lhes a pele férrea e fria do seu sentimento esculpido.
Não havia quem resistisse a sentar-se num colo feminino e deixar-se simples a fruir a às vezes tão difícil ternura da pequenez humana.
A exposição de Botero teve sucesso imediato e abrilhantou a Praça do Comércio precisamente porque ofereceu obra à escala da má-relação que se tem com Lisboa e estimulou a confiança e a sensualidade dos espectadores para o encantamento daquele espaço da cidade virado para o Tejo das Descobertas.
A escultura em Portugal é usualmente inferiorizada em relação à pintura, coisa que não tem pés nem cabeça!
A percepção sensorial de uma esteria numa forma peculiar ou de uma temperatura indefinida só é um sentimento menor se desvalorizado o erotismo básico da fisicidade natural dos materiais.
Desprezar hoje o toque de um mármore exótico ou de um pedaço de cobre liquefeito é o princípio de um amanhã erótico esvaziado e embrutecido pelas "desesperadas" simulações dessas qualidades, agora sujeitas à ténue memória.