sexta-feira, abril 22, 2005

Precisamos de mais professores e menos padres nas nossas vidas rápidas* (cont.)

Em 1925, G. K. Chesterton** - um pensador cristão inglês - afirmava que fora «o surgimento e fortalecimento da igreja cristã na Europa pagã que permitiu a civilização ocidental existir na forma como é. Culturalmente estruturada e humanamente evoluída». E que se assim não o tivesse sido «a Europa seria hoje muito parecida com a Ásia», primitiva.
Ache-se o que se achar, religiosa, laica ou agnosticamente, a presunção é absurda e ofensiva e reúne fundamentalmente os princípios da crença e da absolvição dos pecadores (a espécie humana) à luz da Igreja. É aqui que desconfio da "grande peregrinação".
Não questionando algumas obras e exercício humanista da Instituição, espreitam, no entanto, variáveis desconcertantes e perigosas nas interpretações teológicas:
- o que significa passearmos a “existência territorial” só com vista, e em exclusivo, ao alcance da vida-Mor no Paraíso, onde só ela se realiza?
- como se garante a infalibilidade da justeza desse percurso, se o «desígnio abençoado» não está encorporado nessa caminhada, mas só no que alcançamos no final - quando «os cristãos que viveram na graça de Deus são chamados à santidade»?
- há valor de razão e legitimidade no "culminar" quando o fim se valoriza déspota e por si mesmo, e não como o primeiro de muitos - sendo então importante que nunca se pare de caminhar?
- como garantir a qualidade de exequibilidade, se os “entretantos” do durante são secundarizados?


O meu problema com a religião (não com a religiosidade ou fé) é que temos de viver com ela mesmo que não a reconheçamos nas nossas "doutrinas pessoais" - podemos abraçá-la, coabitar e tolerá-la ou negá-la em crítica social.
O que quer que adoptemos filosoficamente não impede que ela se envolva - como sempre fez - nas várias esferas da sociedade.
Não podemos vetá-la ao esquecimento, nem deixar de a acompanharmos (“purga” fiscal), porque, como a própria história mostra, ela pode vir a perseguir-nos se livre da regulação democrática, que, a meu ver, já tomou conta, e de maneira criminosa, de séculos suficientes da civilização.
Ninguém deseja que isso volte a acontecer, nem mesmo a própria instituição.

A jornada da cristianização dos povos mostrou-nos que, em nome de deus, a mesma mão que matava a fome, matava também o esfomeado por desejar a propriedade desse poder.
Nunca haverão garantias de que o fenómeno da cristandade inquisitorial dos hereges não se renove e substitua - por razões óbvias de sobrevivência “da empresa” - pela religião politizada. Principalmente se os estados democráticos e laicos não tiverem palavra a dizer sobre a sua possível e hipotética "ingerência" fora do seu meio.
A prova disto e da falibilidade dos credos éticos está no exercício das igrejas e deuses por todo o globo.
Há exemplos mais que suficientes para que não seja certo que, quando a «mão divina» se senta na cadeira do poder social, ela não proteja ou compactue com a tirania e a perseguição que serve os interesses dominantes e falsos democratas, mesmo que disfarçados por retóricas santimoniais da "legitimidade cristã".
A questão, no fundo, é entre valores de ética e moralidade, que os da justiça são para os tribunais humanos certificados, e não para os divinos e misteriosos.
Encarando a Igreja como um universo privado e independente de ideias, sobra-nos o respeito - mesmo que a contragosto - das suas leis internas ou o campo subjectivo e relativo das teorias.
Credo por credo, opto pelo meu, e sem impô-lo a outrém!
Por que é que João Paulo II designava o pecado como uma transgressão contranatural, «um acto suicida»?
Também não é contranatura penar pela graça de uma entidade que nunca alcançaremos em obra realizada e viva (e que assusta qualquer alma só com a grandeza que lhe é atribuída)?

Não é, antes de tudo, ferimo-nos a nós próprios e indignar a singularidade e beleza desta espécie evoluída que não devia valer menos que toda a obra vinda do "céu"?
Não é negar e desprezarmo-nos numa comparação de matéria e energia que não faz sentido nenhum, porque o único homem que conhecemos é de “carne e osso“ e que eu saiba ainda só chegou à Lua e numa aeronave?
Recusar a nossa própria natureza de "elemento vivo e actuante" na existência vivificada, não é negarmos a nós próprios?
Valor moral por valor moral, opto pelo meu: eleito em voto consciente e livre!
Quem me garante que amanhã um católico não determine a perseguição religiosa aos laicos "terroristas" que constituem uma ameaça para si?
O que me importa neste futuro papa é que a sua "potencialidade" humana assegure que o «choque entre os que acreditam e os que não acreditam, não domine os valores de liberdade e justiça» da futura humanidade, nas palavras de Jacques Delors.
A cidadania - expoente máximo do modernismo e a minha religião - não é uma opção, é, sobretudo, “O” imperativo cultural e humanista a doutrinar.
O único respeitador e conciliante possível para que as expressões várias de fé não saiam do seu terreno privado (onde são livres de fazer o que quiserem) e não interfiram e se sobreponham à liberdade universal e à visão nobre e bela do mundo centrado na grande obra: o homem unificado no feito humano. O fumo branco da liberdade universal do homem num mundo de homens vários!


(*)Ou «Em todas as terras do mundo há um "archote" - o mestre-escola - e um "extintor" - o pároco», Victor Hugo
(**)G. K. Chesterton (1874-1936) produziu literatura que ensina como se faz filosofia cristã de primeira qualidade e pretendeu oferecer respostas cristãs ao pensamento moderno. São conhecidos alguns livros como, por exemplo, "Orthodoxi" (Nova Iorque, 1908), "Heretics" (Londres, 1905), e "The Everlasting Man" (São Francisco, 1925).