segunda-feira, abril 18, 2005

A arte do passeio urbano

A arte do passeio urbano não se limita ao telurismo insalubre das fezes caninas, das buzinadelas em despropósito ruidoso ou do movimento paranóico dos outros.
Tudo anotações naturais de uma pauta mirabolante que só perturbam a percepção da “escalada” musical e que se sucede durante esta peculiar arte de fruição citadina que se caracteriza pelo intercâmbio sensorial entre a acção externa e os nossos próprios movimentos - a circulação.
Não nos limitamos a observar a passagem do tempo, enquanto soma de mudanças várias (timbre), como se estivéssemos simplesmente “plantados” numa qualquer esplanada.
Não, de maneira nenhuma.
Deambulamos quase aleatoriamente (partindo do princípio que a seguir ao primeiro passo os outros respondem pelos estímulos à volta) e o que se deseja é uma leitura e interpretação do ambiente – a pauta -, como se de uma onda sonora de sucessivas notas musicais se tratasse (novas posições sucedem outros espaços e novos tempos das coisas).
Gozamos a descoberta e o registo crítico - a reflexão - da multidão vibrante e do espaço arquitectónico invadido. O prazer incorporado do movimento humano – o nosso - na rede de sonoridades da cidade em constante agitação.
Anda-se, observa-se, pensa-se e com fantasia “faz-se música aos nossos ouvidos”!

A arte do passeio urbano, para quem aprecia, é uma espécie de “vagabundagem musical” (pauta) para captação de objectos de reflexão e criatividade consequente (frequências) que só o movimento global da multidão (melodia) permite.
Somos viajantes solitários (este registo implica a ausência de todos os que nos distraiam ou dispersem) pelas ruas vivas e buscamos o “tempo das coisas” nas acções do exterior cruzado com a nossa deslocação física e espiritual.
Imaginando-me… se um dia me vir confinada a um espaço fechado e estanque, imagino-me definhando dolorosamente… “dar em louca”.
Calcorrear uma cidade, principalmente à noite - e por mais provinciana que seja a sua expressão - é um passeio pelo imprevisto, surpreendido de encontros e, sem qualquer dúvida, o lugar comunitário por excelência para o que merece ser visto de gente, obra humana ou beleza natural.
Quem se presta à humildade do passeio, dá-se à liberdade da divagação e reforça a confiança na sua relação com o lar privado, o espaço público, o emprego e o seu papel de cidadão e esteta nesse corpo global.
Passeamo-nos e as idéias caiem como relâmpagos que se cruzam e se atropelam para conquistar a nossa atenção e valor crítico!

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Desviar o homem da "matemática" social imprescindível à manutenção evolucionista e ao qualitativo "vivo" da sua espécie cultural, como parecem fazer os cristãos" - Pois é esse desviar o homem da matemática evolucionista, que apenas conduz à continuidade biológica da espécie, o grande desígnio de Cristo quando propõe a cada homem um projecto pessoal de crescimento que o torne um ser transcendente - que se eleve da condição de "elemento da espécie" e se proponha ao desafio do sagrado. Não me parece um mau desafio.

13:50  
Anonymous Anónimo said...

"Desviar o homem da "matemática" social imprescindível à manutenção evolucionista e ao qualitativo "vivo" da sua espécie cultural, como parecem fazer os cristãos" - Pois é esse desviar o homem da matemática evolucionista, que apenas conduz à continuidade biológica da espécie, o grande desígnio de Cristo quando propõe a cada homem um projecto pessoal de crescimento que o torne um ser transcendente - que se eleve da condição de "elemento da espécie" e se proponha ao desafio do sagrado. Não me parece um mau desafio.

13:50  
Anonymous Anónimo said...

Só uma pequena correcção. Descontados os anti-papas e os cismas diversos, este é o papa 266º.

São bué deles!

13:52  

Enviar um comentário

<< Home