quarta-feira, abril 13, 2005

Estes fartos amores... (I)

Ao fim de uns quantos "Amores Difíceis" tornou-se-me inevitável e (im)pertinente questionar a verdadeira essência desse colectivo espiritual, sensorial e pragmático - o Amor - que o programa se prestou a dissecar com conhecimento terapeuta e científico para os que estão deste lado do ecrã e que são, nem mais nem menos, quem verdadeiramente o personifica e testa nas suas múltiplas dimensões para reflexão e análise dos especialistas.
Inevitável porque a sua expressão individual não é nem pode ser uma redacção menor da complexidade e infinitude do homem plural e da instintiva interacção de "um" com o "outro". Trata-se de um "campo" humano imperfeito que não goza de transparência e quantificação possível, e que se faz (im)pertinente para qualquer sensibilidade atenta e curiosa da sua compreensão que, ao fim de tantos séculos da Psiquiatria, só se sabe que se trata de um sentimento que ganha corpo e vincula-se "mortalmente" na cumplicidade fértil e na dependência profícua - como mais nada no tempo útil da lucidez humana.
Talvez num futuro inimaginável de milhões de anos a ciência descodifique a totalidade do genoma do primata moderno, o código génetico da sua galáxia biocelular, mas nunca (e talvez ainda bem), nunca poderá racionalizar essa envolvência visceral e espiritual entre homens e mulheres (cosmos unos que interagem coerente e incoerentemente) com regras da moral subjectiva e códigos sensitivos da conduta objectiva.
Neste programa, agora reposto na RTP e acompanhado pela minha insónia nocturna, continua a entusiasmar-me a particularidade dos três intervenientes: duas (ou quase três) gerações e dois sexos distintos a cozinharem em fogo lento os suspiros privados dos amantes que não remetem a sua vida afectiva ao conhecimento leigo e á experiência amadora das suas uniões.

A apresentadora perfila o jovem contemporâneo sem preconceitos e surpreendido constantemente com as motivações subterrâneas das tumultuosas relações; o médico cinquentão tem um discurso de ternura e aceitação para as perversões contranaturas que encanta verdadeiramente e que realiza honesto, sem bluff ou charme para seu protagonismo televisivo (quem o leu pode testemunhar a continuidade teórica dos seus livros, hoje reincidente no ecrã); e uma médica escrupulosa que não lhe fica atrás mas destaca-se subtilmente porque parece dominar a comunicação e a pedagogia frágil do íntimo, privilégio da ala masculina que outrora dominava tradicionalmente estas profissões.
Um programa excelente porque o seu formato unisexo, ás tantas, desinibe-nos as "vergonhas" (de Pêro Vaz de Caminha) e só nos dá vontade de praticar as contrariedades logo ali no sofá...