terça-feira, abril 19, 2005

Precisamos de mais professores e menos padres nas nossas vidas rápidas*


(papa - termo designado pela junção das primeiras duas sílabas de duas palavras latinas: pater patrum - "pai dos pais")
Não tenho a certeza - que ela há muito que me prega partidas - e não juro, porque, se há alguma coisa pela qual "não ponho as mãos no fogo", é pela memória.
Nunca me ocorreu "tricotar" objectos do meu analfabetismo religioso, a não ser quando a sua acção prescrita estimula o carácter curioso e a cidadania nele embebida. Ou, claro, quando esbarramos, ambos, no terreno universal das concórdias: a sociabilidade emergente. Convenhamos, poucos ou nenhuns ainda não se imiscuíram na grande "papada" (grande vaga papista dos Media) em que a civilização está suspensa e expectante, e que é o luto da representação honorífica e absoluta de deus na terra - João Paulo II - e a vinda do seu sucessor e dessa transcendência que se inventou no séc. I d.C. (entre 0032-0067, representado pelo apóstolo Simão) do «chefe da igreja» nomeado em São Pedro.
Teoricamente, tratar-se-ia do "iluminado" das duas grandes questões da humanidade sobre a vida: donde viemos e como devemos fazer luz ao virtuosismo dessa apetência, ou seja, como devemos viver.
A sociedade de religiosos e não religiosos chama-lhe Papa e trata-se da «cabeça visível da Igreja», da "toponímia" moderna de São Pedro, «Vigário de Jesus Cristo na terra», ou seja, o seu pastor-mor.
Para mim, leiga destes domínios misteriosos, é simplesmente um "acaso" inspirador: a promoção inesperada de um homem simples e desprovido de "iluminações" para titular especial da acessoria de "Assistência ao Espírito Santo".
Coitado, foi-lhe pesado o último sopro de vida, "bem pesado" mesmo...
Além de suster o seu próprio peso quando, em Roma, o crucificaram de cabeça para baixo, ainda personificou (para "todo o sempre" mais longo que imaginem) o pendor da primeira short-story que surgiu no mundo:
- um universo criado em seis dias por uma força suprema que só descansou ao sétimo. Um gigantesco genoma rácico produzido e amassado por um deus do céu (por que é que tudo o que é Objecto Não Identificado - ONI - vem sempre do céu???), durante seis dias e mais um para os acabamentos (suspeito que foi neste sétimo dia - preguiçosa e absentista - que a missão produziu os "defeitos" que nós conhecemos...)
Se não me engano, a jurisprudência católica já promoveu entre o séc. I e o séc. XX à volta de 254 profissionais para o magistério ordinário dos ensinamentos cristãos aos crentes e fiéis.
Um rebanho valente para conduzir os "credos" temerosos e, indulgentemente, tolerar "os outros" como eu, que os menosprezamos filosoficamente porque damos privilégio à estética espiritual paterna e à criatividade romântica materna.
É à sombra desse manto evolucionista e romântico do homem moderno (com visão científica, historicista, racionalista, etc., e prevalecendo o optimismo humano) que reafirmo a convicção de que disciplinas do saber que não se propõem a instrumentos da racionalidade humana - o poder da intervenção clarividente na dimensão humanizada da "problemática" -, não servem os propósitos fundamentais da minha razoabilidade: a inteligência humana desenvolvida para a revelação da sua própria potencialidade, e não da sua sobrenaturalidade divina.
O delírio - no seu imaginário mais fértil e inumano - nunca é dispensável (!!!!!), mas, "ficcioná-lo" para enamoramento do espectador-seguidor para servir objectivos que não o visam como o beneficiário directo e (in)transmissível, é perverter a razão e a justiça (porque a justeza das coisas fez-se para os homens reais) de tudo o que ombreia a sua passagem rápida.
Desviar o homem da "matemática" social imprescindível à manutenção evolucionista e ao qualitativo "vivo" da sua espécie cultural, como parecem fazer os cristãos, é transformá-lo em exclusivo para a uma espécie de “espiritualidade territorial” - a do Céu e do Inferno que ultrapassam a massa do colectivo humano: «A capacidade de acolher a Deus está, às vezes, ofuscada pelo pecado. No homem o mal ocupa o lugar onde Deus quer viver. Por isto Jesus Cristo veio libertar o ser humano do domínio do mal e do pecado, e assim também de todas as formas de domínio do maligno, isto é, do diabo».
É como que forjar-lhe o egocentrismo da distinção divina por lucrativo ao seu descanso final: «O juízo particular é o que Deus faz ao homem, imediatamente depois de sua morte, para dar-lhe prémio ou castigo segundo suas obras».
Acções, ou melhor, a vida toda numa única acção globalizante, para que, na «hora da morte, os que estão totalmente limpos de pecado vão para o Céu para sempre».
Uma vida inteira a "coroar" a «graça de Deus sem alguma mancha de pecado ou dívida», que sabemos impossíveis na fragilidade natural, e para que não vão parar ao Inferno «pelos pecados» da sua susceptibilidade, mas sejam «perdoados e no Purgatório purificados totalmente».
Rogar a deus que perdoe, além do mal lucidamente malévolo que exercemos, também o mal que somos e concentramos intrinsecamente como espécie natural/imperfeita e social/adulterada que constituímos.
Lembro-me uma vez de ver minha avó - mulher, mãe e filha transmontana -, uma sobrevivente “aldeada” do Novo Mundo, prostrar-se em rezas no chão granítico e junto à lareira modesta, perante a notícia de uma indisposição grave do Santo Papa.
Ficou-me para sempre na memória esse dia. Emocionou-me dolorosamente aquele relâmpago sombrio da condição medieva e servil de uma camponesa que, subitamente, revela a sua força humana endurecida pelo amanhar da terra durense, reduzida ao véu místico e sensível da espiritualidade subvivente.
O que a minha avó nunca alcançou e meu pai nunca deixou, com ternura solidária, de lhe iluminar, era que se havia algum “papa“, não era um mas, com certeza, vários e mais genuínos.
O problema do meu pai com a religiosidade generosa das suas origens, era que de Madre Teresa de Calcutá ou de Satre, nunca chegaram à sua aldeia o amor pelos esfomeados sem o luxo vaticanista, ou a sabedoria crítica do conhecimento sem dogmas.
(*) «Em todas as terras do mundo há um "archote" - o mestre-escola - e um "extintor" - o pároco», Victor Hugo