domingo, maio 01, 2005

Um tipo “leva por tabela” no emprego e dá “à grande e à francesa” na mulher, nos filhos, na sogra e em tudo o que lhe aparecer à frente

Um tipo levanta-se muito cedo para encalhar na fila do Pragal, paga contrariado a portagem do monovolume ao preço do jipe que tanto deseja, chega aborrecido ao emprego com a saga do estacionamento impossível e os parquímetros avariados (Uffffff.......), o computador 'cranchou' e deu sumiço à base de dados da auditoria X do processo Y, engole em seco a tarde de trabalho para o lixo e o inevitável reparo do chefe de «que não pode trabalhar sem a sua parte cumprida» porque «as tarefas em equipa, se têm algum senão, é o de que as noitadas são para todos» porque se um falha «os outros levam por tabela» (uffffff.......), patati, patati...
Quando o filósofo José Gil explica que «a sociedade portuguesa, não tem canais de ar, respirações possíveis. É uma sociedade suavemente paranóica. As pessoas estão demasiado conscientes de si próprias, da imagem que possam produzir, da sua presença como imagem nos outros e isso é paralisante», o que esperar da tolerância e irmandade deste homem com a auto-estima em baixo quando, no regresso à home sweet home (não menos custoso que a saída de manhã) abrir a porta e verificar que antes de respirar fundo sem bióxido de carbono pelas narinas a dentro, tem que ajudar no jantar, lavar a loiça enquanto a mulher dá banho aos filhos e, hipoteticamente, ainda vir-lhe negado o ‘enrolanço’ e a 'marmelada' na cama pela parceira que "não pode com um gato pelo rabo" das 8 horas de balconismo, 1 de roupa para passar (Uffffff.......) e a roupa que há sempre para estender, para passar a ferro, patati, patati...
Tenho um colega que sei afundar-se na consola de jogos do filho e outro que ‘papa’ as midnight storys da TVCabo. Do meu pai, lembro-me erguer-se da mesa com grande classe e em movimentos sincronizados pegar no seu prato, ir para um canto da cozinha e zás!!!!. Deixá-lo cair só quando minha mãe lhe desse a atenção devida e sumir-se para a sala para ouvir a ópera de Aïda. Só muitos anos mais tarde é que percebi porque raio é que lá em casa haviam sempre 2 ou 3 serviços mas nenhum completo. Porque ele em vez de dar ‘nas fuças’ da mulher, dava nos pratos!
Na verdade, dada a minha solteirice veterana e a herança deste gene masculino que ‘dá’ na loiça de Sacavém, não sei como é no resto do País.
O mais que eu fiz até hoje foi dizer com um ar muito grave e sério que «sinto-me intratável e sem controle. Fica na tua que eu vou dar um giro» e sair porta fora para enfiar rápido nas goelas um bolo de pastelaria e desaparecer pelas ruas durante umas horas.
É algures no stress diário testado na susceptibilidade relacional dos agregados privados e afectivos que habita cada uma agredida por cada 5 parceiras na Europa

Mulheres que não têm a sorte de maridos como o meu pai ou colegas e que ao fim do dia recebem deles (em vez da sua valente solidariedade) o expediente introspectivo da frustração máscula no corpo já moído pela ‘esfrega’ doméstica.
Um dia, dois, e a seguir o casamento inteiro vingado em cada centímetro de pele violada que nunca mais volta a ser o mesmo porque o marido/mulher não encontra resistência e a mulher/homem não procura ajuda sequer, imersa que vive no drama da vergonha da sociedade que reabilita e perdoa a violência doméstica, como se de um arrufo saloio se tratasse.
José Gil não é menos transparente e incisivo que a intenção das ‘porradas’ destas figuras, e esboça socialmente uma afectividade confusa e a sua superiorização interior e deformada pela cultura moderna hedonista que gera actualmente 25% das ocorrências na polícia - personificadas em homens e mulheres que “levam por tabela” no emprego e dão “à grande e à francesa” no parceiro, nos filhos, na sogra e em tudo o que lhes aparecer á frente.
Apesar de muitas mulheres assumirem o seu poder, da lavoura à gestão do dinheiro, da lida da casa à educação dos filhos ou da cozinha à gestão da sexualidade - dizendo “que também mandam aqui” - infelizmente não são todas, nem os homens que as aceitam como tal.
São ainda poucos os que, em vez de optarem pelo facilitismo do divórcio ou da ‘porrada’, reconhecem coabitar com a sua tentação e na eminência do abismo da violência conjugal.

Estes, mérito seja-lhes reconhecido, prestam-se à ajuda psicanalítica de divãs como o de Gabriel Bastos: «Começam por falar que têm as mulheres que querem, casam e depois o discurso é outro: que só têm sexo quando as mulheres querem e elas raramente querem. Rapazes da cidade ouço-os há anos no divã».
Outros há também que não batem, mas porque são machões incorruptíveis, vão procurar fora do matrimónio o sedativo para as suas contradições públicas e feridas narcísicas. Buscam o equivalente da mulher com que não casaram mas que queriam que ela fosse na esfera privada - como o engate da solidão, a colega solteira, a prostituta ou até a namorada da 1ª semana que lhes diz «gosto tanto de ti», «que bom que és na cama», «adoro-te, estava à tua espera».
É um imaginário não menos delirante que o da violência doméstica, mas só dos homens que procuram este delírio quando “levam por tabela” no emprego não acham justo bater “à grande e à francesa” no parceiro, nos filhos, na sogra e em tudo o que lhes aparecer à frente.