quinta-feira, maio 05, 2005

A arte do passeio urbano



No cruzamento da Pascoal de Melo e da Rotunda da Estefânia está, orgulhosamente, um muppi alusivo à ambição mais aceite e tolerada pela sociedade em geral:
«Foi em 1989 que se mudou o destino de alguns portugueses: 3 – 4 – 5 - 15 – 18 – 44»
A imagem reúne, sobre um fundo verdejante e arejado, um provocador coupé em movimento lento e ostensivamente guiado pelo Galo de Barcelos, ou seja, pela representação popular do povo camoniano.
Porque, convenhamos, quem joga no Totoloto é o povo, ou seja, todos os galitos que aspiram a uma vida farta e opulenta de pavão.
Por que é que é sempre - e em todo o lugar do mundo - o Sr. Galo folclórico a simbolizar a injusta e triste ideia do nosso povo ‘teso’ e ‘remediado’?
Por que não O nobre Vasco da Gama insuflado e orgulhoso naquelas vestes aristocráticas?
Pois é… ao Sr. Galo está indubitavelmente associada a precária e frágil abastança lusitana e, atenção, não se iludam: é que lá por ser o homem da capoeira… um galo é um galo, e não vai para lado nenhum a não ser para o tacho – ao contrário do imponente touro castelhano que ainda pode optar entre o sólido “Naco na Pedra” ou o cobrimento viril das vacas ciosas para, depois de clonados os seus genes, poder morrer de velho.
Pois é… mesmo ‘papadas as pitas’ e registada a insígnia pomposa da “Cabidela de Galo à Portimonense”… um galo é um galo…

Foi na primeira metade do século XII que se conjecturou esta imagem iconologista da nossa portugalidade
Reza a lenda que um dia apareceu em Barcelos um galego suspeito.
Como tinham havido uns roubos misteriosos nos dias anteriores, o sujeito importunou a curiosidade alheia e as autoridades, admoestadas pelo povo desconfiado, resolveram prendê-lo apesar da jura da sua inocência.
Ninguém acreditou ou julgou possível que o galego se dirigisse a S. Tiago de Compostela para cumprir uma promessa como devoto do santo que lá se venerava.
O povo pressionou, a autoridade viu-se apertada e o desgraçado foi condenado à forca.
Mas, antes de ser enforcado, pediu que o levassem à presença do juiz do tribunal para voltar a afirmar a sua inocência.
É nesse momento, em que o honorífico se banqueteava com amigos, que o galego aponta para o galo assado em cima da mesa e exclama:
- É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem.
Ora, nem o juiz ou os presentes fizeram caso do absurdo e, quando o peregrino estava a ser enforcado, o que parecia impossível, tornou-se realidade!
O galo assado ergueu-se do prato na mesa e cantou.
O juiz correu desalmadamente à forca e conseguiu corrigir a justiça obstinada porque o nó do forcado estava laço de mais e impediu o estrangulamento. O carrasco ajudou o devoto a ser imediatamente solto e o juiz mandou-o em paz.
O peregrino galego, passados alguns anos, voltou a Barcelos e fez erguer um monumento (capela) em louvor à Virgem e a São Tiago.
O Galo de Barcelos é o monumento à justiça on time.
À ignorância desconfiada e ao misticismo intolerante do povo, é verdade, mas homenageia e faz louvor à justiça celerada.
Á saída do Metro do Chiado, e em frente à emblemática Brasileira, lembrei-me para meu encanto e brio nacional que, afinal, o galináceo não goza só da popularice regional que gera ícones por “dá cá aquela palha”.
O Sr. Galo é, fundamentalmente, emblemático da misericórdia rogada pela Santa Casa ao sentimento de esperança da fartura “impossível” que os galitos da Taprobana podem aspirar.
«Foi em 2005 que se mudou o destino de alguns portugueses: 2 – 7 – 13 - 23 – 48 – 49»