quinta-feira, junho 16, 2005

Vasco Gonçalves, Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal



Uma verdadeira mortandade, quase se pode dizer... Os três homens que a morte resgatou este segundo fim-de-semana de Junho ascendem a valores únicos de referência nacional e representam tempos históricos talvez nunca inigualáveis.
Vasco Gonçalves, o modesto general que na intimidade da sua casa e família sempre me fez pensar que nunca esperou abraçar uma revolução e que acabou por fazer a história da libertação política dos portugueses e do povo colonizado pelo sistema monstruoso do fascismo - o mesmo que o formara militarmente. É á sua liderança que se deve o grande movimento de solidariedade cívica e a consciência anti-ditadura dos soldados e oficiais - um processo indispensável para as conquistas revolucionárias de Abril de 1974.
Eugénio de Andrade ou José Fontinhas, o seu nome verdadeiro, não tem palavras que lhe baste a profunda reflexão humana e a sensibilidade naturalista extraordinária. Arranjem-nas os mais eruditos, que a mim satisfaz-me a verdade das "suas" coisas e das "suas" gentes que tantas vezes é quem lembra que "delas" viemos e para "elas" caminhamos na mesma simplicidade do respirar tenro das árvores.
Álvaro Cunhal, o exercício político com honra, hombridade e ética para a construção de uma sociedade mais consciente das suas contradições e - por isso - digna no seu desenvolvimento humano. Uma sociedade mais enérgica onde, em cumplicidade salutar, se deva também ao próximo - outro "companheiro" - a nossa própria realização.
Assegurar justiça e verdade entre cada intenção política e reciprocidade ideológica foram alguns dos princípios deste comunista no tempo sociológico de cada um de nós.
Não é só o Partido Comunista, os intelectuais portugueses ou os militares de Abril que estão em luto melancólico.
Na circunstância temporal que esta tríade acabou por protagonizar, foi Portugal inteiro inevitavelmente arrastado pelo sentimento de perda destas três figuras, enquanto homens de causa transparente e inquestionável patriotismo desinteressado.
O ser humano é um sistema aberto e sujeito às mudanças do seu próprio querer simples (o desejo utópico de cada um na vida) e a sociedade o produto do consenso que ele reúne com os outros - defendia Álvaro Cunhal.
O que se estará hoje questionando em ampla expectativa sobre Os cidadãos participativos e Os futuros líderes sociais de amanhã?
Do que nos "ofereceram" estes homens do pós-Salazar - hoje geração minoritária - o que é que nós interiorizámos como ensinamentos filosóficos progressistas e reais valores "individuais e comunitários"?
Se há unanimidade sobre o que destingue singularmente estes três homens, é o conceito valioso de que o Futuro está em aprender a pensar o Presente, celebrando cada Homem e sua Obra como parte integrante de um todo unitário.
Cada Homem pode - e deve - através da sua parte, modificar o todo.
É aqui que o consenso se gera em todos os quadrantes políticos e sociais e se reconhecem Vasco Gonçalves, Álvaro Cunhal e Eugénio de Andrade, como homens a quem a história portuguesa deve das suas mudanças mais importantes e (a uma escala menor) outros contributos para o Mundo deste século se realizar mais democrático.
A sua ausência no futuro ultrapassa a natural "falta aos seus que cá ficam" e assume o significado bem maior da inquestionável estima por todos e o peculiar (e raramente observável) respeito ideológico, cultural, humanista e filosófico destes três homens de Esquerda.
Neste mundo de incertezas pilares, polaridades sociais assimétricas e constantes mudanças dos valores das relações humanas não há dúvida que Vasco Gonçalves, Álvaro Cunhal e Eugénio de Andrade - cada um à sua maneira - foram preciosos na reflexão e avaliação desta complexidade de transformação social e desta fragilidade do potencial humano.
Hoje o sentimento enlutado reúne toda a sociedade portuguesa numa representatividade absoluta pelo Humanismo porque a eles não podemos indissociar a sindicância social, a utopia empreendedora e o pensamento erudito e filosófico.
Uma verdadeira mortandade, quase se pode dizer... Os três homens que a morte resgatou este segundo fim-de-semana de Junho eram relevantes para o país porque o seu humanismo gerava valores activos e férteis para a relevância da realidade portuguesa
.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gaita amiguinha, tu tens espírito formatado de religiosa. Consegues de uma penada inscrever três santos no teu panteão da divindade.

Olha, a realidade é muito mais crua do que a agiografia que fazes. O humanismo de que falas cobriu-se de actos desumanos sistemáticos e deliberados durante décadas (no caso de Cunhal). Eu conheço-os, posso contar-tos. Durante um ano e picos Vasco Gonçalves, que não era desumano mas de um idealismo quase onírico, tentou a quadratura do círculo - impor um modelo de sociedade que as pessoas não queriam. Durante décadas, Eugénio de Andrade escreveu belos poemas, e algum lixo, que são claros e luminosos mas não figurarão na eternidade da nossa história literária, senão pela lenda que criou e por dois ou três poemas de facto excepcionais.

São homens amiguinha. Cobertos de alguma grandeza, vestidos também de vil e comum humanidade. No caso de Cunhal, de cego e utópico desígnio, que o levou às maiores barbaridades em nome de um ideal muito questionavelmente humanista. Muito mesmo.

Que chatice não se poder mudar a humanidade por decreto. Que aborrecimento não poder lavar os homens com poemas.

13:31  

Enviar um comentário

<< Home