sexta-feira, maio 13, 2005

Home, sweet Home



Desde o século XIX que nos convencemos que a nossa casa é a excelência do mundo harmonioso que não encontramos lá fora. Uma espécie de condomínio global-privado para a retirada do caos social e onde podemos largar as armas e a couraça imprescindíveis na esfera pública para nos protegermos. Não há cidadão - mais e menos abastado - que não suspire esse culto do lar tão pessoal e especial: "Ó doce lar, doce lar".
O novo ideal da privacidade conquistou em curto espaço de tempo a Europa inteira e a América do Norte. Por toda a parte, os cidadãos passaram a equipar as suas fortalezas familiares com jardim, salão, biblioteca e quarto de crianças, a decorá-las dedicadamente com fundas poltronas e banquinhos guarnecidos de franjas, com grossos tapetes, papéis de parede têxteis e pesados cortinados, a elevá-las por meio de espelhos e retratos a um reino da autoconfirmação e afirmação.
Bom, eu só tapei uns buracos no tecto, renovei as madeiras e pintei as paredes velhas, mas não seja por isso....
Está um brinquinho !!!!!!!!!!!!!!!! Bem, só depois de umas boas aspiradelas e valentes esfreganços.
Até Junho!!!!!!

quinta-feira, maio 12, 2005

A propósito de férias, lembrei-me de Durão Barroso nas legislativas que o levaram a Primeiro-Ministro (1)

Um político num cargo de visibilidade pública de alto-risco (como o Primeiro-ministro, o Presidente da República, o Presidente da ONU ou da NATO, etc.) é como o Barman-primeiro (o Superior) de um reputado clube ou de um restaurante de 1ª categoria. É candidato à representação “máxima” da organização porque é a imagem de marca decisiva que dela se nos apresenta pela primeira vez.
Como tal, esse político deve ter em mente que a sua responsabilidade vai bem além de "preparar" e "servir" a gestão política entre gabinetes.
De forma geral, o público forma a imagem de uma determinada organização partidária através dos seus líderes atendentes. Dessa maneira, quem tem contacto directo com o cidadão ou suas estruturas (também como o barman faz ao cliente), e que é o caso de Durão Barroso, transmite reflexos das suas orientações e competências políticas através do seu próprio comportamento em público.
Quando entrou no activo, o Presidente da Comissão Europeia triplicou as suas funções e tornou-se, simultaneamente, encarregado-mor dos garçons socialistas, garçons portugueses, garçons europeus, e com as principais funções de organizar e seleccionar as “pastas prioritárias” e o respectivo pessoal inter-nações e sob a sua supervisão.
Ora, Durão Barroso revelou-se mais "enguia" política que Pedro Santana Lopes (PSL).
Astuciosamente (aqui o termo trata da qualidade de versátil e não do “escorregamento” depreciativo) o militante foi escalonando o PSD.
Quando jovem acompanhou – discreto por imberbe - a liderança de Sá Carneiro, o estrelato de Cavaco Silva, a acessoria "anã" de Marques Mendes, o afectuoso Marcelo Rebelo de Sousa e até PSL nas suas "escorregadelas" hesitantes de presidências adiadas ou incompletas por todo o lado.
Ascendeu em consenso e com o apoio social-democrata, até a sua deontologia não poder mais com a ambição e zás (!!!), de repente ganhou poderes camaleónicos. Sem que o PSD desse por isso (pese embora o facto de nunca ter feito por esconder as suas pretensões), sem que toda a Direita portuguesa o imaginasse, pimba (!!!), Durão Barroso tinha trocado a laranjada pobretanas por um Ritz Fitz afrancesado (2).
Pimba! Deixou o partido à nora, o CDS governante orfão, a Direita portuguesa perplexa e o “poveco" traído.
Durão deixou tudo e todos em pantanas!
Também como o barman - que organiza e supervisiona o trabalho de mise-en-place - o nosso Presidente da Comissão Europeia e ex-Primeiro Ministro devia mostrar profissionalismo e provar o conhecimento e domínio da sua “zona de acção” (ideológica e patriótica) e mostrar-se eficaz e funcional na sua actuação (no PSD, no Governo e em Bruxelas).
Devia - sobretudo porque no futuro ficávamos fora da sua alçada - assegurar a Portugal:
- pessoas responsáveis pelo sectores ministeriais;
- pessoas verdadeiramente adequadas às tarefas e exigências do interesse público (Europa/Portugal) e privado (Portugal/PSD);
- coerência entre os cargos e os indigitados para a “filosofia” certa da "empresa" nacional;
- e que a Europa – na sua presidência - garantisse agora a Portugal o que nunca fez, por ser um país periférico e menos rico que os outros.

Na verdade, a formação tecnocrata e deontológica de Durão deixou muito a desejar e na posição de destaque que agora ocupa ainda dá mais barraca. Questiono-me se este político possue algum nível cultural e independência ideológica, além da sua especialização profissional.
Tendo em conta os longos anos de estudo académico e exéquias de barman-político, é de surpreender que a “moral e os bons costumes” diplomáticos que servem a confiança do povo a estes futuros estadistas (mesmo que regionais), não tenha sido tábua rasa desde o seu primeiro dia em Bruxelas.
Se há regras cruciais de transparência, idoneidade e boa-fé na exposição pública, são a imparcialidade e neutralidade dos interesses pessoais (seus e doutros) quando não se trata precisamente de trabalho político - e na proporção directa às suas responsabilidades e poder.
Ao Presidente da Comissão Europeia pede-se, por exemplo, que seja economicamente discreto quando vai de férias e que não deixe dúvidas nessa movimentação - como as férias num cruzeiro familiar no iate do grego Spiro Latsis, em Agosto de 2004, que envolveram +- 20.000€.
Quando Latsis é proprietário de um império na área dos transportes marítimos e detém a companhia marítima que ganhou em 1998 o contrato para gerir os fundos estruturais gregos providenciados pela comissária holandesa Neelie Kroes (afastada da pasta marítima por conflito de interesses com sector da construção naval) e suscitadas então dúvidas, Durão barroso não pode invocar com arrogância «ser um facto normal da vida privada».
E muito menos recusar-se a dar explicações se reincide pela segunda vez (em 2003 o senhor gozou férias na ilha brasileira de Vasco Pereira Coutinho, que tinha projectos com o governo como a compra da Quinta da Falagueira do Estado ou a licença da TV Digital).
Que eu saiba não há memória do nosso ex-Primeiro Ministro ostentar tanto burguesismo luxuoso em Portugal e pelas suas férias.
As evidências são desconcertantes: depois de abandonada a Praia dos Tomates na Lusitânia crítica, Durão Barroso fez-se ao Parlamento Europeu e a Bruxelas como os seus Mall's (centro comercial) de eleição.
Quase se podia dizer: «Quem está satisfeito com a sua vida, fica por cá. Quem quer mudanças, vai para Bruxelas»

(1) «Quem está satisfeito com a actual situação, vota no que está. Quem quer a mudança deve votar no PSD». Durão Barroso em 2002.
(2)1 lance de Amaretto; 1 lance de suco de limão coado; 1 lance de Curaçao blue; champanhe gelada; 1 pétala de rosa, se desejar. Misture o Amaretto, o suco de limão e o Curaçao na taça. Complete com champanhe. Decore com a pétala de rosa, se desejar).

terça-feira, maio 10, 2005

Basta voar até aos trópicos escaldantes, desérticos e fantasiarem uma corrida em grupo e em pelota ostensiva e descarada...

Este jovem réu que não tem nada a haver com cárteis de droga e tem suscitado o interesse da imprensa diária (como o caso dos pilotos aéreos) conheço-o tão bem quanto mal. Tão bem quanto "o charro" que o levou a este momento tão difícil e desconcertante, e tão mal quanto o conhecimento pueril e (des)conhecido dos tempos de curso e associativismo do MECLA (Movimento Estudantil Contra a Lei de Acesso) que se ocasionaram por acaso na mesma escola em Lisboa e no mesmo tempo de "crescimento contestatário".
À imagem da nossa lei penal, a acusação a Ivo Ferreira não se trata de um crime. Talvez de "comportamento marginal", dado que o consumo de haxixe habita a lista das socialidades irreverentes e mal toleradas, mas de um crime propriamente dito (crime = ofensa perigosa à sociedade) não se trata.
Estava o rapaz em casa e ambientado à sua maneira ocidental (signifique isto o que cada um quiser), quando lhe entram porta adentro umas figuras mestiças e fardadas à procura do que já sabiam encontrar e, de antemão, onde sabiam estar inclusivé a aguardá-los.
Agora, imaginem-se vocês estirados no sofá bebendo um bom conhaque aquecido previamente num balão escaldado, com o obsceno cohiba 16 entre anelares e apreciando o bambolear exibicionista de uma companhia jovem e afoita...
Pronto, pronto, eu sei que é um lugar-comum demasiado vulgar, pronto...
Então imaginem-se vocês estirados no sofá na companhia de outros mais e visionando - por curiosidade - antigos celulóides de propaganda política franco-nazi... ou, se preferirem, porque não "voar" até trópicos escaldantes, desérticos e fantasiarem uma corrida em grupo e em pelota ostensiva e descarada...
Três coisas se sugerem de imediato em qualquer um destes contextos: o comportamento público, o comportamento em privado e as regras sociais (gerais) da sua conduta considerada "correcta" e bem aceite.
Em Portugal, o consumo de drogas leves só é passível de ser criminalizado se se tratar de quantidades suficientes para o tráfico de estupefacientes. Ou seja, um charro é tolerado.
Mas mesmo quando cá se fumava haxixe às escondidas, havia instituída a liberdade da reunião privada e, muito importante, a liberdade de se fazer entre as paredes da nossa própria casa o que se quisesse, desde que a expressão dessa acção não alcançasse a esfera pública.
Já no Dubai, e ao que parece, consideram-se estes costumes de "suspeição criminosa", mesmo praticados no domínio privado.
Não é que não interesse, mas não é importante discutir a malha complexa das nacionalidades pelo mundo fora no que toca às suas regras cívicas, morais e (i)legitimamente passíveis de constituirem figuras-crimes.
Povos ou sociedades mais desenvolvidas são todos produto do mesmo: séculos sedimentados de poeira da história social, religiosa e cultural de cada um no seu tempo.
Neste caso trata-se de droga e, até agora, o mesmo charro inofensivo que se fuma na discoteca ou se fumou há muito nas traseiras da escola ou do nosso bairro em Portugal - mas podíamos estar a falar, por exemplo, de nudez naturalista.
Imaginem quão perplexo e violento não seria para a minha família e outros tantos militantes, quando surpreendidos pelos jornais pela minha súbita clausura forçada numa prisão de delito comum e de expressão medieval, por motivos de prática nudista "criminosa"...
Outras três coisas se sugerem de imediato neste contexto: a liberdade cultural (e religiosa), a liberdade fundamental do direito individual e os direitos universais de qualquer homem em qualquer parte do mundo.
Considerando uma concepção comum e universal dos direitos e liberdades aqui sugeridos e implícitos, se houve algum crime (crime = ofensa perigosa), foi a leviandade com o réu expôs a sua dignidade e o seu valor fundamental de pessoa humana na passagem e estadia profissional por um país estrangeiro - à partida uma socialidade que não assegura a condição de total respeito e absoluto reconhecimento pela sua diversidade e diferença individual, cultural e moral.
A Ivo Ferreira de nada serve o artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1), que agora está em terras estranhas e onde estranhas lhe são as Leis e as Gentes, mas suscita à lembrança o Art.29º (1.O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade).
Ao meu ex-colega resta-lhe apenas - e infelizmente - que o interesse diário da imprensa e a pressão da família importune o sossego diplomático das entidades estatais, promova esforços para a "reciprocidade embaixatriz" e consiga dar luz às "humanidades estrangeiras" e às honras de clemência possíveis no Direito Internacional Público (2) ou Privado (3).

(1) Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.
(2) Conjunto de princípios que regram os direitos e deveres exteriores e as relações das pessoas jurídicas que fazem parte da comunidade internacional (...), assim como as regras comuns de protecção individual interna ou externa estabelecidades por acordos internacionais (1934).
(3) Conjunto de princípios que determinam os limites no espaço da competências legislativas dos Estados, quando há de aplicar-se a relações jurídicas que possam estar submetidas a mais de uma legislação (1931).

sexta-feira, maio 06, 2005

Valha aos povos de "capitalismo herege" este descanso do guerreiro...

Todos os obreiros das "grandes jornadas" descansam ao sétimo dia e os EUA não são excepção [atenção (!!!) tratam-se de razões de ordem logística e não de imperativas ideológicas ou espirituais].
O general Richard Meyers (Chefe da Junta de comandantes do Estado-maior das Forças Armadas Americanas) confirmou ao Congresso Americano, com declarada angústia e pena, que a partir de agora qualquer intervenção armada para «projectar o poder em qualquer parte do mundo, será sempre triunfal e inigualável, mas incapaz de cumprir as expectativas de rapidez e de precisão habitual. A vitória seria certa, mas o seu preço muito maior do que se pensa... As forças americanas continuam, apesar da limitação de recursos humanos causada pelo desgaste das obras e da redução dos arsenais de armas de precisão, as mais profissionais, melhor treinadas e melhor equipadas».
Nos próximos tempos (esperemos que longos) o descanso do guerreiro por novas investidas...

quinta-feira, maio 05, 2005

A arte do passeio urbano



No cruzamento da Pascoal de Melo e da Rotunda da Estefânia está, orgulhosamente, um muppi alusivo à ambição mais aceite e tolerada pela sociedade em geral:
«Foi em 1989 que se mudou o destino de alguns portugueses: 3 – 4 – 5 - 15 – 18 – 44»
A imagem reúne, sobre um fundo verdejante e arejado, um provocador coupé em movimento lento e ostensivamente guiado pelo Galo de Barcelos, ou seja, pela representação popular do povo camoniano.
Porque, convenhamos, quem joga no Totoloto é o povo, ou seja, todos os galitos que aspiram a uma vida farta e opulenta de pavão.
Por que é que é sempre - e em todo o lugar do mundo - o Sr. Galo folclórico a simbolizar a injusta e triste ideia do nosso povo ‘teso’ e ‘remediado’?
Por que não O nobre Vasco da Gama insuflado e orgulhoso naquelas vestes aristocráticas?
Pois é… ao Sr. Galo está indubitavelmente associada a precária e frágil abastança lusitana e, atenção, não se iludam: é que lá por ser o homem da capoeira… um galo é um galo, e não vai para lado nenhum a não ser para o tacho – ao contrário do imponente touro castelhano que ainda pode optar entre o sólido “Naco na Pedra” ou o cobrimento viril das vacas ciosas para, depois de clonados os seus genes, poder morrer de velho.
Pois é… mesmo ‘papadas as pitas’ e registada a insígnia pomposa da “Cabidela de Galo à Portimonense”… um galo é um galo…

Foi na primeira metade do século XII que se conjecturou esta imagem iconologista da nossa portugalidade
Reza a lenda que um dia apareceu em Barcelos um galego suspeito.
Como tinham havido uns roubos misteriosos nos dias anteriores, o sujeito importunou a curiosidade alheia e as autoridades, admoestadas pelo povo desconfiado, resolveram prendê-lo apesar da jura da sua inocência.
Ninguém acreditou ou julgou possível que o galego se dirigisse a S. Tiago de Compostela para cumprir uma promessa como devoto do santo que lá se venerava.
O povo pressionou, a autoridade viu-se apertada e o desgraçado foi condenado à forca.
Mas, antes de ser enforcado, pediu que o levassem à presença do juiz do tribunal para voltar a afirmar a sua inocência.
É nesse momento, em que o honorífico se banqueteava com amigos, que o galego aponta para o galo assado em cima da mesa e exclama:
- É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem.
Ora, nem o juiz ou os presentes fizeram caso do absurdo e, quando o peregrino estava a ser enforcado, o que parecia impossível, tornou-se realidade!
O galo assado ergueu-se do prato na mesa e cantou.
O juiz correu desalmadamente à forca e conseguiu corrigir a justiça obstinada porque o nó do forcado estava laço de mais e impediu o estrangulamento. O carrasco ajudou o devoto a ser imediatamente solto e o juiz mandou-o em paz.
O peregrino galego, passados alguns anos, voltou a Barcelos e fez erguer um monumento (capela) em louvor à Virgem e a São Tiago.
O Galo de Barcelos é o monumento à justiça on time.
À ignorância desconfiada e ao misticismo intolerante do povo, é verdade, mas homenageia e faz louvor à justiça celerada.
Á saída do Metro do Chiado, e em frente à emblemática Brasileira, lembrei-me para meu encanto e brio nacional que, afinal, o galináceo não goza só da popularice regional que gera ícones por “dá cá aquela palha”.
O Sr. Galo é, fundamentalmente, emblemático da misericórdia rogada pela Santa Casa ao sentimento de esperança da fartura “impossível” que os galitos da Taprobana podem aspirar.
«Foi em 2005 que se mudou o destino de alguns portugueses: 2 – 7 – 13 - 23 – 48 – 49»

quarta-feira, maio 04, 2005

Sexo-expresso (XVI) ou Sexo das formas


Eu não vi as esculturas de Alberto Carneiro mas «a prática da tridimensionalidade que permite ao espectador tomar consciência do seu corpo e volume» reconhecia-a logo - mesmo plana - impressa e rarefeita no pardacento do "Mil Folhas".
Há uns anos a Câmara Municipal de Lisboa quis devolver a ministerial Praça do Comércio aos lisboetas e «de matéria física, como do espaço que a rodeia» não podia tê-lo feito melhor.
A obra de Botero ganhava a sua indiscutível qualidade quando projectada a elevar-se sobre o horizonte do rio Tejo, em vez de pintada em miniaturas de 50/60cm num papel cochet de primeira classe.
Na amplitude livre e extensa da praça podíamos, sem pudor, envolvermo-nos corporalmente com o ferro de Botero. Por cima, por baixo, de fora, lá dentro, toda a interacção era possível dada a grandeza das suas esculturas, e, porque era inevitável, sentir-lhes a pele férrea e fria do seu sentimento esculpido.
Não havia quem resistisse a sentar-se num colo feminino e deixar-se simples a fruir a às vezes tão difícil ternura da pequenez humana.
A exposição de Botero teve sucesso imediato e abrilhantou a Praça do Comércio precisamente porque ofereceu obra à escala da má-relação que se tem com Lisboa e estimulou a confiança e a sensualidade dos espectadores para o encantamento daquele espaço da cidade virado para o Tejo das Descobertas.
A escultura em Portugal é usualmente inferiorizada em relação à pintura, coisa que não tem pés nem cabeça!
A percepção sensorial de uma esteria numa forma peculiar ou de uma temperatura indefinida só é um sentimento menor se desvalorizado o erotismo básico da fisicidade natural dos materiais.
Desprezar hoje o toque de um mármore exótico ou de um pedaço de cobre liquefeito é o princípio de um amanhã erótico esvaziado e embrutecido pelas "desesperadas" simulações dessas qualidades, agora sujeitas à ténue memória.

terça-feira, maio 03, 2005

Aborto (cont.)


Curiosamente, pela altura do primeiro Referendo, a questão subjectiva do seu valor de opinião votada não emergiu e o que dominou foi o espanto chocado em todos nós do evidente fracasso [derivado, em grande parte, pelas inúmeras campanhas (a)moralistas que condicionaram a transparência da opinião civil] neste processo nacional.
Ouvidas as vozes patrióticas e verificado que a maioria cedeu (in)voluntariamente à cultura católica que condena as mulheres que abortam - a mesma multidão onde algures habitam também as prevaricadoras - será então útil e mais verdadeiro o próximo referendo?
Será este segundo - e tangencial aos resultados anteriores - mais esclarecedor se, a priori, condicionado pelo inicial ("desinformado", "duvidoso" e "calado" pela castração cristã)?
Alguém, sinceramente, acredita que quem já fez um aborto não se envergonhe e o denuncie na praça pública moralista como forma de protesto pelo esquecimento a que é vetado ou pela cegueira ao sofrimento real e intransponível da mulher que o enfrenta?
Há quem acredite num referendo isento, sem discriminação de credos, raças e classes económicas?
Nas democracias modernas a liberdade de expressão pode ser "um pau de dois bicos" e, neste caso, é um "grande pau de obra".
A justiça social, no que o termo tem de mais abrangente, passa por garantir que, neste caso, se à prova provada de que o aborto não é figura-crime, então a sociedade não pode punir quem o faz.
Se virmos bem, quem é contra teoricamente não o faz, nem é obrigado a fazê-lo. E quem é a favor, não só não significa que o ambiciona fazer, mas, se um dia o fizer, pelo menos não poderá por isso ser condenado.
Abortar não passa por exercer pressão ou vontade sobre outrém. Passa e recai unicamente sobre nós próprios.
É neste paradigma simplificado - a subjectividade do Referendo e a pessoalidade implicada nesta opção violenta -, dificilmente passível de analisar com razão, que a classe política (excepto o Partido Comunista) reclama a praça pública.
É justo referendar o que não é passível de uniformizar e instituir como "universal"?
A lei que é importante (e que nunca se propôs a desbaratar a violência do aborto ou a vulgarizá-lo como anti-concepcional) é que permita que se possa ser acompanhado por apoio clínico e técnicos profissionais - não conferindo nunca ao aborto terapêutico e acompanhado, a expressão de "ciência ou metodologia clínica" por si só, lá por ele constar dos cuidado de saúde gerais.
O SIM assegura apenas que a sociedade executiva seja condolente e se solidarize com meios logísticos no apoio às mulheres que a ela recorrem para não pôr em causa a sua própria vida ou saúde.
Vamos agora referendar o suicídio? Não, claro que não.
Vamos referendar a eutanásia? Sim, claro que sim, mas pelas razões contrárias: garantir a democracia plena ao direito privado no tecido das legitimidades e liberdades colectivas.
Enquanto, em Portugal, cingir-mos as nossas noções e opções de "justiça política e social" pelos valores e juízos culturais que fazemos à nossa imagem, nunca questões como o aborto serão unânimes - nem mesmo entre os cientistas e clínicos de saúde -, nunca mesmo se a dimensão judicial da ética e moral deontológica for individualizada e não entregue à razão da ciência que é o garante da isenção e imparcialidade.
Quem vir no homem um indivíduo total, pleno das suas capacidades e dono do seu próprio corpo ( = a vida), dirá SIM à Despenalização do Aborto e defenderá que «vida dentro da vida» constitui um único ser e esse é (e deve ser sempre) livre de escolher.
Escolher para si próprio e sem prejuízo dos demais.
E se essa noção de autonomia e individualidade não for universal e democratizada, então todos os «óvulos, esperma e células» são passíveis um dia do julgamento social, ou seja, a globalidade da existência em cada um de nós não é, afinal, totalmente nossa e nem dispomos 100% de fazer o que quisermos com ela e a sua dignidade.
Estranhos os nossos dias... a ciência procura a longevidade da vida como libertação total do hominídeo e, ao mesmo tempo, os dogmas de fé entendem-na exclusivamente devedora a Deus - o único proprietário -, e só lhe consideram importante a autosuficiência e autonomia social enquanto entidade crente e unida a um desígnio único: o encontro com o Senhor.
A propósito da eleição do último Pater Patrum, encontrei um "fiel do rebanho" que me surpreendeu e que ouso chamá-lo aqui: Pio XII.
Este Ilustre Divino afirmava nas suas encíclicas que: «não se devem utilizar meios excessivos para prolongar a vida. Que isso não é obrigatório como é moralmente condenável, prolongar o sofrimento das pessoas dessa forma».
Ou seja, a própria Igreja reconheceu - nessa altura - haver no segmento da Vida um estágio de autonomia e dignidade de opção sobre a mesma.
O referendo do Aborto trata disso mesmo!
Nos estados laicos como o nosso, há dois tipos de leis:
- as leis reguladoras que visam regulamentar e promover o que é comum a todos em exercício comunitário;
- as leis proteccionistas que fiscalizam e protegem a vulnerabilidade dos que não estão consignados individualmente na lei.
A lei do aborto é uma lei de índole proteccionista e ilustra o "princípio" de que a ditadura executiva do colectivo não se deve sobrepor ao direito individual de escolha e impossível de legislar em decreto e leis.

segunda-feira, maio 02, 2005

Aborto

No mini-parlamento de reflexão social e cidadã lá de casa discute-se a prioridade, este ano, do Referendo sobre o Aborto, e, entre as várias pessoas de sentimentos democráticos imputáveis surgiu a discórdia insolúvel e subjacente à moratória íntima de cada um.
Na lúcida e escrupulosa razão de que a sociedade deve ser auscultada (2), inclusivé na sua legitimidade complexa e nas suas dimensões ambíguas do Interesse (3), há elementos de diferendo que não se resolvem.
O Referendo, enquanto figura constituinte nos instrumentos democráticos de "alta-decisão" reúne o consenso total, mas a sua representação fiável de uma subjectividade concreta, como a do sentimento violado de quem aborta, já determina outras nuances bem menos transparentes e mais relativas.
A evolução da cultura do colectivo (justo, livre, imparcial, etc) reforça hoje, mais do que nunca, que sobre a cabeça de todas as diferenças individuais se possa exercer a vontade do colectivo maior (revisto normalmente nas leis e políticas legais) mas salvaguardando o garante da não sobreposição dele em prejuízo do direito privado de cada um.
É aqui que a figura-tipo do Referendo (o universo pessoal e privado assumindo a dimensão prática e legítima do colectivo) se revela incoerente, senão perigoso: é que ao mesmo tempo que se trata da acção simples de auscultação da vontade maioritária é, no entanto, também a ferramenta perversa que permite consciencializar "em massa" uma ideia falsamente indiferenciada e a seguir considerar politicamente "a prática" sobre todas as outras que não suaram nesse processo. Ou seja, a marginalização do direito individual pelo direito comunitário (lei social) e necessidade (in)consensual.
E se amanhã o mesmo universo maioritário mudar de idéias?
O que pode significar este mecanismo referendário, quando
ao alcance dos caprichos intemporais das maiorias?
O que eticamente se honra e se escrupula "cultural e legalmente", sempre que a sociedade decide referendar um assunto e uma determinada expressão dos direitos básicos e individuais que a "incomoda" moralmente?
Quantos referendos pode valer uma única causa?


(1) Artigo 170.º da Constituição da República - Processo de urgência: 1. A Assembleia da República pode, por iniciativa de qualquer Deputado ou grupo parlamentar, ou do Governo, declarar a urgência do processamento de qualquer projecto ou proposta de lei ou de resolução.

(2) Artigo 115.º da Constituição da República - Referendo.
1. Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei; 2. O referendo pode ainda resultar da iniciativa de cidadãos dirigida à Assembleia da República, que será apresentada e apreciada nos termos e nos prazos fixados por lei.
(3) Artigo 115.º da Constituição da República - Referendo.

3. O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.

domingo, maio 01, 2005

Um tipo “leva por tabela” no emprego e dá “à grande e à francesa” na mulher, nos filhos, na sogra e em tudo o que lhe aparecer à frente

Um tipo levanta-se muito cedo para encalhar na fila do Pragal, paga contrariado a portagem do monovolume ao preço do jipe que tanto deseja, chega aborrecido ao emprego com a saga do estacionamento impossível e os parquímetros avariados (Uffffff.......), o computador 'cranchou' e deu sumiço à base de dados da auditoria X do processo Y, engole em seco a tarde de trabalho para o lixo e o inevitável reparo do chefe de «que não pode trabalhar sem a sua parte cumprida» porque «as tarefas em equipa, se têm algum senão, é o de que as noitadas são para todos» porque se um falha «os outros levam por tabela» (uffffff.......), patati, patati...
Quando o filósofo José Gil explica que «a sociedade portuguesa, não tem canais de ar, respirações possíveis. É uma sociedade suavemente paranóica. As pessoas estão demasiado conscientes de si próprias, da imagem que possam produzir, da sua presença como imagem nos outros e isso é paralisante», o que esperar da tolerância e irmandade deste homem com a auto-estima em baixo quando, no regresso à home sweet home (não menos custoso que a saída de manhã) abrir a porta e verificar que antes de respirar fundo sem bióxido de carbono pelas narinas a dentro, tem que ajudar no jantar, lavar a loiça enquanto a mulher dá banho aos filhos e, hipoteticamente, ainda vir-lhe negado o ‘enrolanço’ e a 'marmelada' na cama pela parceira que "não pode com um gato pelo rabo" das 8 horas de balconismo, 1 de roupa para passar (Uffffff.......) e a roupa que há sempre para estender, para passar a ferro, patati, patati...
Tenho um colega que sei afundar-se na consola de jogos do filho e outro que ‘papa’ as midnight storys da TVCabo. Do meu pai, lembro-me erguer-se da mesa com grande classe e em movimentos sincronizados pegar no seu prato, ir para um canto da cozinha e zás!!!!. Deixá-lo cair só quando minha mãe lhe desse a atenção devida e sumir-se para a sala para ouvir a ópera de Aïda. Só muitos anos mais tarde é que percebi porque raio é que lá em casa haviam sempre 2 ou 3 serviços mas nenhum completo. Porque ele em vez de dar ‘nas fuças’ da mulher, dava nos pratos!
Na verdade, dada a minha solteirice veterana e a herança deste gene masculino que ‘dá’ na loiça de Sacavém, não sei como é no resto do País.
O mais que eu fiz até hoje foi dizer com um ar muito grave e sério que «sinto-me intratável e sem controle. Fica na tua que eu vou dar um giro» e sair porta fora para enfiar rápido nas goelas um bolo de pastelaria e desaparecer pelas ruas durante umas horas.
É algures no stress diário testado na susceptibilidade relacional dos agregados privados e afectivos que habita cada uma agredida por cada 5 parceiras na Europa

Mulheres que não têm a sorte de maridos como o meu pai ou colegas e que ao fim do dia recebem deles (em vez da sua valente solidariedade) o expediente introspectivo da frustração máscula no corpo já moído pela ‘esfrega’ doméstica.
Um dia, dois, e a seguir o casamento inteiro vingado em cada centímetro de pele violada que nunca mais volta a ser o mesmo porque o marido/mulher não encontra resistência e a mulher/homem não procura ajuda sequer, imersa que vive no drama da vergonha da sociedade que reabilita e perdoa a violência doméstica, como se de um arrufo saloio se tratasse.
José Gil não é menos transparente e incisivo que a intenção das ‘porradas’ destas figuras, e esboça socialmente uma afectividade confusa e a sua superiorização interior e deformada pela cultura moderna hedonista que gera actualmente 25% das ocorrências na polícia - personificadas em homens e mulheres que “levam por tabela” no emprego e dão “à grande e à francesa” no parceiro, nos filhos, na sogra e em tudo o que lhes aparecer á frente.
Apesar de muitas mulheres assumirem o seu poder, da lavoura à gestão do dinheiro, da lida da casa à educação dos filhos ou da cozinha à gestão da sexualidade - dizendo “que também mandam aqui” - infelizmente não são todas, nem os homens que as aceitam como tal.
São ainda poucos os que, em vez de optarem pelo facilitismo do divórcio ou da ‘porrada’, reconhecem coabitar com a sua tentação e na eminência do abismo da violência conjugal.

Estes, mérito seja-lhes reconhecido, prestam-se à ajuda psicanalítica de divãs como o de Gabriel Bastos: «Começam por falar que têm as mulheres que querem, casam e depois o discurso é outro: que só têm sexo quando as mulheres querem e elas raramente querem. Rapazes da cidade ouço-os há anos no divã».
Outros há também que não batem, mas porque são machões incorruptíveis, vão procurar fora do matrimónio o sedativo para as suas contradições públicas e feridas narcísicas. Buscam o equivalente da mulher com que não casaram mas que queriam que ela fosse na esfera privada - como o engate da solidão, a colega solteira, a prostituta ou até a namorada da 1ª semana que lhes diz «gosto tanto de ti», «que bom que és na cama», «adoro-te, estava à tua espera».
É um imaginário não menos delirante que o da violência doméstica, mas só dos homens que procuram este delírio quando “levam por tabela” no emprego não acham justo bater “à grande e à francesa” no parceiro, nos filhos, na sogra e em tudo o que lhes aparecer à frente.