sábado, novembro 20, 2004

... Mente insana

Casos há onde a sinalética identificativa e exterior do indivíduo não passa pelo acessório que se põe e dispõe consoante o desejo caprichoso nem pela marca distintiva de um qualquer cromossoma natural.
Pode ingenuamente resultar da simples intervenção menos delicada que não é da nossa própria vontade mas foi vítima da de outrém – comummente um impulso amoroso e descontrolado. Cúmplice ou não do sentimento que se perpetrou, as consequências são inevitáveis e o resultado fica a vista:

- não nos conseguirmos sentar ou levantar sem queixume pelo rabiosque assado do fio dental que se usou para seduzir o companheiro e que como não é feito de um bom algodão mas de um polyester ‘rasca’ nos fez uma alergia aflitiva ao dito cujo;
- aparecermos no emprego no outro dia de manhã com o rosto e pescoço coçado e corado de vinhateiro de taberna porque a preguiça não o deixou fazer a barba e andou surfando pelo nosso rosto toda a santa noite e ainda nos ofertou umas borbulhas jeitosas e pouco discretas;
- o andar trôpego e pouco elegante graças à unha encravada porque insistimos em acompanhar as tendências da moda calçadeira, mesmo sabendo que os 1,53m não se dão em cima de um escadote e nem por isso deixamos de torturar os nossos pobres dedinhos em cima daquelas andas para ganharmos uma altivez de 'pés de barro' numa noite especial com ‘saltos espaciais’;
- e porque não a moléstia ao corpo com a dentada, o apertão ou o simples ‘chupão’ que demora mais tempo a passar que uma ressaca e que chama a atenção até dos mais distraídos. Minto. Atenção é simpatia, suscita, isso sim, e de forma epidémica, uma curiosidade malandra e às vezes obscena na imaginação dos outros.

Não sou adepta da violência - nem a mais comezinha e ternurenta que às vezes nos engana - e até acho que quem inventou que "quanto mais os homens batem nas mulheres, mais elas gostam" deve ter sido um tipo qualquer na eminência da impotência ‘matrimonial-ó-sexual’ que para disfarçar o ego viril resolveu dispersar a malta: eles para não ser vexado pela (in)consumação na mulher e elas para não ser acusado de inconsumível como afinal não são só as mulheres.
No meu entender os homens são diferentes no trato e manuseamento do corpo.

Para as mulheres esse é naturalmente um testemunho do amor. É tão-só o objecto amoroso onde compreendem que se vinguem também nele alguns caprichos e delírios carnais próprios à sexualidade humana mas inconsequentes no que toca à sua fragilidade.
Aceitam maternalmente que às vezes a paixão louca e desbragada as deixe marcadas desse desejo que não resiste a apertá-las forte contra o seu corpo masculino.
Olham-se e muito antes de começarem a sentir o bafo quente e arfável da consumação já ambos os corpos estremecem e como que choram pela satisfação do ‘entrusamento’.
Ansiosos alcançam-se sem medir as forças e a energia que ali se gera naquele primitivismo corporal. Tacteiam-se por fora e por dentro - cheirando-se e roçando-se como os animais - e quando os odores se misturam os amantes entram em transe e consomem-se livres mesmo se gestos mais severos dominarem.
Expressões essas que são quase sempre masculinas.
Ali chocam-se massas volúmicas movidas por forças maiores e encontram-se histéricas e torcidas, em planos curvos e enviusados. São membros que se intersectam em ângulos sem haver como e que chegam a fazer inveja aos teoremas geométricos mais perfeitos.
São sólidos disformes numa moleza rítmica, ora descompassada ora compassada, dos membros inferiores aos membros superiores, dos pendulares aos recolhidos e côncavos, tudo e todos se esgotam e fundem num único corpo.
Quando o afecto é forte e a saudade assaz, a fragilidade feminina é esquecida e o macho viril toma-a confiante e conquista-a mesmo se tímida, porque sabe-a devota.
A mulher distinguiu-se na história dos afectos como o sujeito perfeito para a entrega plena e incondicional ao sacrifício amoroso.
Não há como negá-lo. No campo ou na cidade e em qualquer tempo da história enquanto o homem ganha dominância pela força já a mulher conquista-a pela inteligência e a razão justa dos afectos.
Talvez por isso, ao contrário do homem, a mulher tenha 'telhados de vidro' no que toca à desenvoltura sexual e activismo amoroso. O seu corpo feminino ganha tonalidades e contornos que desabrocham orgulhosos e não se poupam emotivos para o exterior.
Os antigos já diziam: "Maminha crescida, maminha mexida".

(…)

[1.º Dia]
Minha mãe chamou-me a atenção para uma ligeira tumefacção ‘vermelhusca’ e de desenho elipsado no pescoço…
- Não tinha reparado mãe…
[2.º Dia]
Minha mãe chamou-me a atenção para outra ligeira tumefacção ‘vermelhusca’ e de desenho elipsado desta vez do outro lado do pescoço…
- Que esquisito mãe…
[9.º Dia]
Minha mãe perguntou-me se andava a dormir bem, é que tinha uma estranha e ‘acastanhada’ dentição marcada no pescoço…
- Não tinha reparado mãe…
[15.º Dia]
Minha mãe perguntou-me se estava tudo bem comigo, é que tinha uma estranha e ‘acastanhada’ dentição marcada desta vez do outro lado do pescoço…
- Que esquisito mãe…

Depois de 9 meses acamados num ventre de braços líquidos e ternura oceanática, nascemos feitos num corpo mole e desconjuntado que é testado que nem bife a levar um entalão.
O que antes nos resguardava dócil e perene, de repente enjoa-se e resolve cuspir-nos, agoniado que já está do nosso pequeno corpo entalado na garganta.
Vomitam violentas a massa frágil que somos para um mundo também violento e de ar insaboroso que nos arde nas goelas que só querem gritar o quão tiranas são as mães que se acham proprietárias vitalícias da nossa fragilidade.
Até morrermos somos sempre parte do corpo delas, não é?