sábado, outubro 16, 2004

O templo das virtudes

Meu amigo bloguista telefonou-me todo entusiasta para partilhar a coincidência feliz - no seu entender - de que se sentiu progenitor:
- Já reparaste bem no teu blogue?
- No meu
blogue? Como assim?
- Se desconstruíres o teu blogue achas o mesmo sentido e a mesma ideia. As probabilidades de na (des)construção de uma palavra (frase) inteira gerar o mesmo, sem que lhe ponhas outras mais, são muito remotas sabes?
- O que é que descobristes?
- Repara:
"bocadosdegente.blogspot.com" reúne o mesmo que bocados da gente, percebes? Bocados como fracçã0 de um todo que é a gente só pode dar "bocas" da gente num blogue. Simples não achas?
- Sim senhora, é mesmo simples!
[Deu-se a fatalidade que ando muito a rasar a pieguice...
A insignificância ficional e orfandade de DNA conceptual do bocadosdegente.blogspot.com declarou-se e remeteu-me para um vazio existencial que me desfez qualquer réstea de estima. Afinal quem é este bocadosdegente?
Quando me leio não sou eu é o que os outros dizem de mim e o que os outros dizem de mim não sou eu, esse que nem sequer encontro porque como não o sou não sei o que procurar quando me leio.
Não escrevo o que sou mas o que os outros dizem de mim e afinal quem sou eu? Eu sou o vazio individual e estou algures nesse colectivo dos outros. Não sou gente que chegue para ser alguém mas faço parte da gente que ouço nos outros. Se não sou ninguém e sou para outros resta-me o conforto ambíguo de poder pensar que não existo "eu" mas serei sempre "alguém" no lugar que os outros têm para mim.
Ao contrário do que o meu amigo bloguista diz achar, a mim não me parece simples. Como posso então quebrar aquele feitiço terno e a humildade encantadora das palavras do meu amigo? Não posso claro! Aliás, não devo por razões de generosidade mais que evidentes.
Esta voz sábia e lúcida que nunca me esquece e menospreza é o único porto de abrigo da simplicidade e modéstia para o meu blogue e para mim que o estimo.
Se quisermos - assim mo ensinaram - tudo pode ser simples, até a própria língua apesar de complexa e multiplamente significada não deixa de se apresentar clara e simples se bem usada para o entendimentos dos outros.
Para aquela alma terrena tudo é linear. As pessoas são simples e o que se quer da existencialidade também o é (poucos são os excêntricos e diabólicos).
Como lhe dizer que tudo é simples enquanto a consciência não o desvirginar e que as pessoas são simples porque as vemos de fora e as ignoramos perversas? Talvez possamos viver simplesmente se só nos respirarmos, se só nos materializarmos na nossa frugalidade. Talvez assim não tentemos o pecado ou desejamos a vã glória de mandar.
Se meu benfeitor insistir no virtuosismo e nobreza do Bocadosdegente este começa a parecer uma peregrinação intelectual ao templo das virtudes: simplificar, simplificar, simplificar, simplificar....