quarta-feira, outubro 20, 2004

«Já comeu tudo menino?»

Quando a brasileira chama o homem de menino está o caldo entornado. O táxista coça o peito que nem cão que cata pulga e o executivo aprumado ajeita o fato não vá o colarinho saltar-lhe.
A 'beleza' vem do país quentinho e onde do velho ao rapaz-menino ninguém poupa a frescura ao corpo com trajes bem diminutos a qualquer sol e em qualquer lugarzinho.
A 'carioca' está para a 'belezura' bronzeada de Copacabana como o pauliteiro para Miranda do Douro. Ainda não tem fórmula científica mas estes encalorados ganham-nos aos pontos em simpatia e fervor no que toca à verdadeira e expontânea atenção.
Cruzem-se de manhã com a Dinorá e ela voz diz «bom dia, tudo bem com vocês?», sem que toda a sua face sorria calorosa da boca atrevida às orelhas decoradas.
E se for uma 'mulatinha'? Ela não lhe fica atrás que aquele corpo de anca reboliça bamboleia sempre qualquer coisinha.
A portuguesa, essa não tem piada que acorda já mal humorada com a fila para o autocarro e nem sequer tem aquele jeito british que lhe disfarça a azedura, pois não é que ainda mal acabou de nos encarar e já está olhando para outro lado que pressa é sempre o que tem e o que só parece conhecer como o White Rabbit.
Pois é, Não sei se é o calorzinho mas só a 'carioca' e a 'mulatinha' é que transpiram doçura e malandrice e se por acaso alguma delas trata o homem de menino está o caldo entornado. O homem estremece que nem termóstato de frigorífico, abre bem o olho tímido e até se esquece do salário mingando e arranja um sorriso que dá gosto ver.
Não sei o que ele vê na menina mas parece bom de viver. Venham pois 'cariocas' e 'mulatinhas' - gente quente e desinibida - para encantar e mimar o português que ele é cinzentão e infeliz sem saber bem porquê:
"Eu faço samba e amor até mais tarde / E tenho muito mais o que fazer / Escuto a correria da cidade, que alarde / Será que é difícil amanhecer? / Não sei se preguiçoso ou se covarde / Debaixo do meu cobertor de lã / Eu faço samba e amor até mais tarde / E tenho muito sonho de manhã"
Chico Buarque