terça-feira, novembro 23, 2004

A precariedade do que nos é íntimo

Posted by Hello
Não sei se convosco acontece o mesmo que a mim, ou melhor, cá por casa, esta que se fez ermida para os indecisos ou enredados por aventura saída gorada.
Não é a primeira vez, nem a segunda, como não foram um nem dois os que se recolheram ao silêncio tépido e cativo pelo conforto vazio e quase religioso que aqui ancorou para sempre.

De todos os convivas que se suspenderam neste modesto abrigo fica sempre o mesmo objecto íntimo para a posteridade afectiva e lembrança.
Distintos no estatuto e missiva que os trouxe cá e mesmo particulares no vivenciar confinado destas paredes, revelam, no entanto, a mesma intimidade frágil e com aparente pudor ao que lhes lembra o azar remendado.
Chegam suspensos do que deixaram e não voltam a ter, ficam de igual forma pela impessoalidade do provisório que os abriga e vão embora ainda mais suspensos pelo hiato, 'espaço em branco' e intervalo na vida que foi generoso mas precário porque suspenso de arquitecturas para a vida.
Um filho do imprevisto, do não contemplado e desejado profundamente, um contratempo remediado pela casa que os afagou dócil no leito e nem assim lhes vale recordar porque fruto da intimidade temporal.
Não se esqueçem de nada e só porventura do que lhes era mais seu, mais íntimo e absolutamente intransmissível - que anda sempre com eles e às vezes até se multiplica e desdobra como as circunstâncias da vida.
É a primeira coisa que garantimos que não nos falte como 'o pão para a boca' e talvez porque mete precisamente a boca - a boca do som, o som que é nosso e nós que saímos pela boca - é o mais íntimo que podemos ter.
Das duas, uma: ou estou ingenuamente a rejeitar prova maior de amizade ou então a intimidade é um universo precário e susceptível de se marginalizar pelo capricho, como a memória do infortúnio remendado.
Afinal, de todos os que viveram nesta casa - se há alguma coisa mais pessoal do que isto então não sei -, todos deixaram por lá a Escova de Dentes e só não sei se é prova maior de intimidade para comigo se prova absoluta de que a pessoalidade com os outros é um bem frágil e devoluto, se lhe der para aí...