quinta-feira, outubro 28, 2004

O dicionário

Posted by Hello

Há gente que compra a Lotaria para maior fortuna dado que o emprego não os sacia intelectualmente, a mulher já não eleva a alma e dos filhos é melhor não falar que lhes sobra a continuidade igualmente precária e uma angústia 'encalhada'.
Outros há, mais puristas, que gostam de estudar e montar bem um investimento ou as parcas e tímidas economias.
Vão ao Bingo de um clube qualquer e na companhia do que consideram ser ainda melhor que as loiras de carne e osso - uma loira de cevada fresquinha -, com grande tara desenvolvem e repartem esse capital reunido a custo e distribuído por apostas regidas por uma lógica caseira e espalhadas em cartões depurados à lupa e preenchidos de sequências onde cada número lhes provoca tantas arritmias como o seu valor numeral e real, que só não desfalecem ali mesmo porque o capital nunca chega para isso.
Cá por casa outros valores prevalecem: Não importa o que não se tem porque a abundância serve a ventura dos que aspiram ao intocável e consumado mas pouco se ajusta ao devaneio louco já que a fortuna está para a esperança como um detergente para a nódoa.
Hoje a casa está mais rica sem que de dinheiro se trate. São milhares de palavras e milhões de letrinhas para me atascar.
Sim, ATASCAR-ME, ENTERRAR-ME ou até AFUNDAR-ME naqueles novos SIGNIFICADOS, SIGNIFICATIVOS, SENTIDOS, VALORES, CONTEÚDOS e IDÉIAS.
Vocês não sabem mas cá em casa quem manda é a livralhada.
Governam livros brancos, livros de bolso, livros de cabeceira, livros de colectânea literária e até alguns livros técnicos, que num espaçinho de pinho velho e bem 'entaladinhos' habitam agora na mesma estante e acompanhados do recém-chegado dicionário - novinho em folha mas velho de sabedoria para a riqueza espiritual e literata daquela sala também velhinha.
Não impera ali a ambição à riqueza financeira ou capitalista, que essa não me enche as medidas nem faz juz ao que me doutrina.
Sou escrevinhadora sem pretensões e uma convicta e modesta leitora dos rabiscos dos outros.
Esses sim, tenho-os como os obreiros do meu bel-prazer mais intenso: os que me conciliam com o mundo - às vezes tão feio e anti-saber -, e os que me completam no que os outros não conseguem.
A literatura é, desde muito nova, minha companheira e agora, já mais velha, ela constitui acima de tudo um excelente antibiótico para a contrariedade pessoal e uma arma para o desassossego de alguém que não se esgota na realidade simples e perene das 'coisas', 'essas' que estão à vista e com certeza aquéns da verdadeira fortuna: a poesia viva.