terça-feira, outubro 26, 2004

EUA, o apêndice do Mundo

A continuidade da espécie humana parece ser só um imperativo dos 'pobres e insignificantes' para a sobrevivência da família na garantia da manutenção da mesma estrutura familiar, que a longevidade da vida enquanto valor e património para o futuro esse já deixa muito a desejar, em particular na cruzada dos senhores deste mundo.
Não me refiro aos recursos naturais mas aos suportes da bio-diversidade e aos instrumentos de cidadania da herança filosófica e espiritual dos vários mundos sociais (cidadão = ser social completo).
Da Austrália à Coreia do Sul foram inquiridos milhares de cidadãos sobre a "importância e o impacto do resultado das próximas eleições americanas".
Os sentimentos foram variados e contraditórios mas não deixam de apontar sempre os EUA como a potência suprema e válida para a grande tarefa da pacificação dos homens entre si e no mundo. Não me surpreendeu. Até o cão bem amestrado dá seu dorso ao dono déspota e injusto quando ameaçado e sujeito à violência caprichosa.
A contradição do amor pelo pai que não revela amor continua a ser uma mistério da vida mas mais perturbante é que ao fim destes milénios todos se continue a esquecer na reflexão dos desígnios da humanidade a voz do mais importante elemento activo. Para que possamos alcançar a justiça e a verdade é preciso ouvir o que é que o Grande Senhor do Mundo diz enquanto espaço real e adverso da nossa vontade ímpia?
Assim e num inquérito impossível de conceber não deixámos porém de imaginar o que nos diria esse Grande Senhor do Universo Galático.
Na eleição do próximo Presidente dos EUA, qual dos candidatos mais lhe agrada?
- Essa pergunta não tem resposta. É a mesma coisa que me perguntar se prefiro um inimigo disfarçado ou se um declarado, mesmo sendo meu flho.
Conheci há muito tempo um homem que adiantou à sociedade importantes teorias filosóficas e humanistas que hoje os estados mais modernos e avançados podiam já contextualizar e verifico que ainda estão longe desse visionismo. Frederico da Prússia defendia que a força de um "Estado não assenta na expansão do seu território mas na riqueza biológica dos seus habitantes e na força humana que a sua multidisciplinariedade constitui. A obra de um verdadeiro estadista consiste em tornar o seu país florescente e não devastá-lo ou destruí-lo".
Enquanto John Kerry é um empresário influente e bem sucedido já George W. Bush tem um passado político que pode avaliar. O que acha dele?
- No meu entender um verdadeiro governante deve ser um guerreiro que depois de conquistar a terra - partindo do princípio que teve razões justas para fazer essa guerra e consequente tomada - deve ser honrar e libertar essa nova-democracia como a que o legitimou nesse acto violento. Deve a seguir conceder-lhe a mesma automonia ao invés de suceder em tirania assentando praça e firmando perversamente estratégias e alianças corruptas e oportunas para não conceder a esse povo o gozo da nova liberdade de que foi pai e empreendedor.
E John Kerry?
- A diferença até ao momento é que George W. Bush já tem um cadastro presidencial - e quero mesmo dizer chamar-lhe negativamente cadastro -, enquanto Kerry não. Os EUA têm menos de 600 anos de existência e as suas fundações não são as mais nobres. Um povo que ainda hoje conquista e coloniza como se tudo tivesse de dominar, como esse tempo não tivesse fim e existisse para isso como propósito em si, é um povo que demora a crescer e só se desenvolve para si próprio, o que resulta necessariamente na sucessão de outros tantos indignos governantes e monstruosas acções.
Então não tem a sociedade americana como o melhor...
- Cá em casa todos são iguais. Talvez fosse pedir demais a um pai...
Até um pai intervém a dado momento na vida de um filho que se mostra pouco ajuizado.
- Um pai intervém mas sabe de antemão que há idades em que o ouvem e outras que lhe dão somente essa ilusão. O que tenho tentado ensinar-lhes é que não há evolução sem paixão. Quando somos moderados impera a felicidade e o consenso entre todos. Mas se os reprimirmos então eles transforma-se em sujeitos de acções nocivas, até para si próprios, por despeito. De todos os sentimentos o amor é o mais forte. É o que gera e o que rouba o sopro da vida. A paixão pelo governo das coisas e dos outros se é sublimada transforma-se numa ambição desregrada e num desejo excessivo de reconhecimento. Dela só pode vir a falsa glória.
Refere-se ao Iraque?
- Iraque, Paquistão, Líbano. Infelizmente já lhe perdi a conta.
As mazelas devem ser muitas que quanto mais velhos somos mais fragilidades coleccionamos. O Senhor tem, se não me engano, 192 filhos mal-afamados que não têm sido muito fáceis.
- É verdade. Tenho muitos filhos mas grande parte deles têem-me dado muitas dores de cabeças e esses 192 andam à bulha desde que nasceram. Os EUA é o mais forte e tem tido uma visibilidade na família de que não me orgulho muito, o que nos leva outra vez à paixão. Se não houvesse mais que o crime o género humano seria destruído. Não há segurança e paz entre os homens sem a virtude do amor desinteressado, mas também não se evolui sem competição.
O que nos leva para o terrorismo, uma das grandes bandeiras americanas...
- É o mesmo que ferimo-nos com a arma que nos foi dada antes tão-só para nos defendermos e aos outros. Quando uma criança cresce separada dos seus irmãos individualiza-se em valores que podem ser contrários aos dos seus irmãos. Mesmo que em crianças não se cruzem, nada impede que venham mais tarde em adultos a confrontarem-se por ideologias diferentes e nem o factor de consaguinidade lhes amansa a ira. É triste ver meus filhos a degladiarem-se uns aos outros mas não é razão para eu ser parcial. Sou tolerante e tenho a esperança de que até os EUA que praticaram o genocídio sangrento e se consolidaram assim como nação cresçam um dia. Os EUA sofrem hoje da parte dos seus irmão árabes da mesma aberração desumana que encetaram no seu passado.
Nunca me hei-de esquecer dessas imagens. Estava em casa em ambos os dias quando vi Hiroshima ser bombardeada e quando todas aquelas pessoas se atiravam desesperadas das janelas das Twin Towers.
Contudo os EUA são respeitados mundialmente.
- Claro que são. Não há meio mais eficaz para conservar o poder e a supremacia estratégico-política senão o de destruir o outro, mesmo que conquistado legitimamente pouco antes. É o truque mais velho do homem para conter a revolta: exercer pressão de forma a instalar o medo.
Por outro lado é o mesmo país que tem assegurado o respeito por alguns dos acórdãos de paz mais importantes...
- Os EUA apesar de tudo vão crescendo e aprendendo que também ficam a ganhar com a concórdia e a autonomia de algumas nações.
O que destingue o mercenário do soldado é o estilo nobre da sua acção. O acto violento e desumano é igual só que o mercenário é um contratado - pago para agir cegamente - e o soldado tem a legitimidade do mando político. O mercenário é abjecto e o soldado corajoso e ilustre porque comandado pelo poder. Os compromissos e as alianças secretas que ainda hoje vingam na comunidade internacional, não permitem aos EUA analisarem as causas pelo seu justo valor: admiram nuns o que condenam noutros.
Até Portugal, um dos meus filhos menos militarizado, foi para o Iraque em cumplicidade com o irmão.
Integrado muna missão de paz e não num acto deguerra. Nada nos garante que amanhã o terrorismo não chegue a terras lusitanas...
- Claro. Esse é o argumento falacioso que se usa para se convencer. Mas ainda lá estão não é? Em vez de irmos embora e permitir àqueles cidadãos oprimidos escolher o seu libertador.
O triunfo sobre o terrorismo seria começar cá por casa e desenvolver nos meus filhos o gosto pela liberdade da escolha política, cultural e religiosa.
Isso sim, reconheço que como pai não tenho conseguido o convencimento à glória verdadeiral, a da liberdade total de uns para os outros como a verdadeira dádiva de um verdadeiro estadista. Não é fácil com tantos filhos...
Mas não é bem a abordagem dos EUA. Primeiro eles vêem salvar-nos e depois...
- Eu só posso tomar o partido das humanidades frágeis e escravizadas, o que me confronta às vezes com alguns dos meus filhos. Costume dizer-lhes que não é menos criminoso chegar, salvar e depois instaurar políticas de domínio só para aproveitarem-se dos despojos - como enfraquecer e cercar o mais fraco para usurpar o seu petrólio. É terrorismo também. Talvez tenha mimado demais alguns deles...
Vejo que não aprova então a política económica dos EUA...
- São políticas perigosas que dissimulam a hegemonia ambiciosa dos seus estadistas. Acha prudente mostrar aos homens como se pode ser faltoso na palavra? Se vendem a boa-fé, o juramento honesto, que garantias há quando se estiver livre? Haverá a mesma fidelidade à autonomia financeira e económica da nova nação. Não será no mínimo suspeito esse libertador?
A primazia do humanismo enquanto valor único perdeu-se para os economistas do mundo que já foram grandes de paixão e são hoje pérfidos por ambição.
Estou sempre a dizer aos meus filhos que a verdadeira felicidade está pouco ligada à fortuna, porque não há dignidade para o homem senão no homem em si mesmo e não é o poder económico mas a sabedoria vivenciada na história do próprio homem que o faz descobrir-se a si como o verdadeiro tesouro.
Parece que vamos dar sempre ao mesmo: democracia, economia, cultura, etc. Uma panóplia de falsos valores...
- É a lógica moderna e funcional: para se dominar politicamente é preciso ter poder económico e para manter este é preciso dinheiro. Como para isso é necessário arranjar bens e para os ter é preciso produzi-los ou (se não se quer) tirá-los a quem já os tenha, então rouba-se e a seguir extermina-se o oponente para gozá-los em segurança, não vá a revolta tomar lugar. Cá em casa já se funciona assim há milénios.
Ainda não falámos da influência.
- Nada é mais sedutor e irresistível que o mau exemplo para os meus filhos ainda homens jovens. Há qualquer coisa de contagioso no poder, é qualquer coisa que se transmite de espírito em espírito, de forma epidémica.
Todas as virtudes levadas ao excesso degeneram em vícios. Agora some-lhe a memória curta e surda tão típica da humanidade e imagine o que dá...
Sabemos o que ela ambiciona e que há poucas virtudes que a façam resistir ao poder ilimitado de satisfazer os seus caprichos e ganhar dominância sobre os outros. É para isso que se vive nos dias de hoje. A influência é o que liga os mundos sociais entre si, seja em parceria, seja em má-fé.
O que é que os EUA têm de bom então?
- Muita coisa também. É uma sociedade avançada e na vanguarda do progresso, mas terá nos próximos séculos sempre a mácula do oportunismo e da corrupção.
Ela própria, a sociedade americana, sabe que os triunfos de uma nação não são feitos com as ideias do seu estadista, mas com as suas acções, essas sim, fazem-nos orgulhosos e mais fortes.
Se hoje tivesse que pôr um filho fora de casa qual escolheria?
- Neste momento os EUA obviamente. O que é faz quando tem uma apendicite?