quinta-feira, dezembro 02, 2004

À procura da Suíça com meias até ao joelhos

- Vou fazer as malas - como é que estará lá o tempo? - Nhaaaa……..
Levo uma muda, afinal vou e volto!
Saí de casa entusiasmado com a ideia: uma paisagem magnífica de montanhas e lagos de azul opalino a invejar o céu de Sesimbra.
Quem lá foi diz nunca mais se esquecer das cordilheiras imensas que os braços bem abertos não conseguiam abarcar e da brancura lunar, extensa e vivaça como num dia de eclipse perfeito.
Fiz dois quarteirões com a saca, o casaco ao ombro e mentalizei-me para o exotismo da viagem, nada perigosa ou extraordinária, afinal não ia subir os Pirinéus (satisfaz-me a modéstia das vilas rasteiras como as gentes, ao que parece soberbas obras vivas da arquitectura italiana).
Sou um tipo 'terreno', sou de aventuras calmas e 'domésticas'. O mais alto a que fui até hoje e que me aproximasse dos 'anjinhos' foi na Serra da Estrela e lembro-me que estava tanto frio que o sangue gelava-me. Quedei-me inerte a semana inteira, amordaçado em mantas ‘ovelhinhas’ e encafuado numa cave de pedra e madeira. Aí, com as pontas dos pés em banho-maria e nas brasas, os pés e quase as pernas todas enfiadas no lume de uma fogueira digna de Demos que fazia dois de mim em largura e um em altura.
- Estava tanto frio… bolas!
Passei esses dias todos 'domiciliário' à cabana - preso que me vi pela neve enxarcada e o frio calcinante lá fora - que era uma genuína toca de urso, tão rústica e primitiva se fazia ao meu conforto. O que me valeu à alma gelada foram as abençoadas ovelhas tecedeiras do meu manto e leiteiras preciosas para a fome, que nunca me vou esquecer do aroma e paladar inconfundíveis.
Era suave e requintado por demais e nem parecia que as ‘bichas’ vinham dos montes e vales cobertos de pinheiros, mimosas numa profusão de pastos. Vinham do paraíso verdejante para a ‘chafurdice’ do curral e aí criavam esse milagre denso e amanteigado que era uma festa para os sentidos, mesmo duros como pedra pela baixa temperatura.
A semana toda com as 'patas' no fogo e a boca na pasta mole e amarelada de crosta lisa e fina. Os dois à lareira e enfiados em vime e trapos para aquecer o corpo, mas ele, o prodígio, exalava um aroma tão intenso que me estalava a boca só de pensar no sabor do cardo dos matos e tudo o mais que a serra brava tem de estimulante.
As grandes portas de vidro abriram-se à minha passagem e mal entrei fui abordado para o check-in, onde me pediam a saca para poder passar a cancela em roleta e aceder ao grande átrio.
- Attention Messieur! És que vouz me peux donner son sac?
- Bien sur Madame!
- Merci et au bien tout Messieur!

Eu achava que a língua predominante era o alemão, mas não faz mal, ainda arranho um pouco de francês.
Dali já não podia voltar atrás e restava-me invadir aquele salão brilhante e sem forma à vista tão imenso que era.
Dou uns quantos passos e confirmo a mestria e o engenho italiano nos géneros de massas secas e frescas, com ovo e sem ovo, de todas as formas e multicolores!
- Geniais estes italianos!
Não lhes conseguia avistar o fim e só me ocorreu que um teleférico agora é que dava jeito para aquelas cordilheiras de prateleiras.
Continuo e mais à frente dou de caras com o afamado chocolate, o 'divino' para absolvição de todas as maleitas e carências. Exímia preciosidade muito suave e sensual na volúptia única que proporciona. Derrete-se em nós e a seguir desfazemo-nos nele.
- Magnífica criação de Deus!
- Mas onde é que ele está?
Talvez se procurar a menina de trancinhas e mini-saia rodada de folhos de linho e meias de lã até aos joelhos, sexy como o 'caraças', talvez ela me leve a ele. Só pode!
Ergui o corpo e espetei as orelhas. Nada à vista. Tomei a iniciativa.
- Olareiuuuuuu! Olareiuuuuuu!
Estiquei novamente as orelhas … Nada. Só o ruído metálico e o chinfrim dos carros e pessoas chamando outros carros que traziam por si mais pessoas.
- Teleférico? Menina? Ele? Nada!- nem as cabrinhas...

Caramba! Ao menos isso sempre compunha a decoração para o evento.
De repente, 10 passadas à frente, dilataram-se-me as narinas, apertou-se-me o coração da memória do aroma acidulado e intenso. Rejubilei.
- Cheguei! - encontrei-o de certeza que me cheirava a leite salgado e aromado do tojo agreste dos Alpes.
- Deve ser ali - ali ao fundo entre aquela multidão tão juntinha que parece chorar de felicidade por vê-lo.
Lancei-me ao seu encontro de nariz no ar e sentidos excitados, afastando hábil mais carros e atalhando os caminhos pelos corredores profundos amparados pelas prateleiras majestosas.
Não me contive e na alegria fui em passo trotado e gritando:
- Olareiuuuuuu! Olareiuuuuuu!

Lá estava ele, como há 4 anos naquela caverna de urso, sossegado e branquinho mas sem palidez e a olhar para mim como que satisfeito de me ver.
A sua candura conquistava qualquer um. Seduzia-nos a contemplá-lo inocente e ficava-se embeiçado só de vê-lo acamado por entre as alfaces frescas e com vestes simples de um axadrezado verde.
O meu queijinho da serra tinha-me levado à Suíça para se exibir orgulhoso do Prémio de Notoriedade e Qualidade Certificada?
Não...

Deixei orgulhoso o "Pingo Doce" com o 'jeitososo' debaixo do braço, o casaco no outro e com a melancolia da tumba espessa e escura, da aldeia gelada no sopé da Serra da Estrela e a lembrança abeirada ao lume, quente e embrulhada em mantas 'ovelhinhas' e com a menina suíça de meias sexys até aos joelhos, bem junto a mim.
Saí com a saudade e os sentidos amanteigados pelo queijinho, ambicionando um dia ir aos Alpes suíços procurar a menina e levar-lhe um bocado do 'virtuoso' para ela provar!
- Olareiuuuuuu! Olareiuuuuuu!