sábado, dezembro 18, 2004

Osteoporose das elites políticas

Um politólogo idóneo é convidado a fazer uma radiografia sociológica dos fundamentos políticos das elites partidárias a propósito do 'castigo sampaísta'.
O que infelizmente revela, sugere a sentença de morte a curto-prazo dessas hostes ideológicas no imaginário social português.
Num estudo profundo de caracterização sócio-política da 'parlamentariçe' portuguesa desde os anos 70 (por si só um período demasiado jovem e pouco estudado) fica a ideia de que somos uma nacionalidade de ideias, crenças, princípios e valores resultante da herança bipolarizada de uma Esquerda e uma Direita filhas da mesma mãe, um corpo andrógino na sua vivência democrática e consequente figuração.
O especialista simplifica-nos os credos republicanos em dois períodos: o formando constitucional e o constitucionalista vigente.
No primeiro ignora com crueldade o PCP (fá-lo de forma mercenária dado que não o fundamenta historicamente e nem explica porque é que então ainda se faz representar) e, com estranheza minha, não deixa de considerá-lo o genuíno reflexo e a voz fiel da classe operária e rural.

Mas, contraditoriamente, toma-o como um prematuro politizado que não resiste e cai no esquecimento dos laicos ainda estranhos à expressão moderna das “novas democracias”.
Mais uma vez não explica porquê e generoso ainda lhe dá o rebuçado para chorar na orfandade, mesmo exclusiva na ligação às bases sociais, como aliás diz ser o resto dos partidos pela Europa fora.
Até aqui não surpreende, principalmente se conhecermos os percursos degenerativos e desestruturantes que todos os PC’s europeus têm conhecido, para não falar nos países de Leste.
Já no verdadeiro período constitucionalista não é menos soft às nossas expectativas desinflaccionadas.
Constata-se que o Portugal político é mais inseguro e tende para a dispersão ideológica no seu último século comparado ao seu homónimo histórico, o conquistador e visionário p’rá além mar que já faz mais de 500 anos.
Somos hoje um rapazinho teimoso e pouco sério a jogar ao Monopoly com a diplomacia toda na ponta da língua e uma empresarialidade caprichosa que derruba os bairros da mutualidade social e constrói os condomínios da globalização desumanizada.
Justifica o fenómeno pela «génese política ainda embrionária das elites portuguesas», ideólogos desligados das bases reais e concretas, as que dão acesso ao verdadeiro entendimento dos conceitos e formas da necessidade social na sua urbanidade e construção para as “novas democracias”.
Sabemo-nos então, simples joguetes nos caprichos intemporais de um punhado de mão de homens tecnocratas que politicamente ainda não sabem andar, quanto mais correr pela Europa a fora, em convergência com outras tantas nacionalidades e patrimónios políticos.
Perturba a contrariedade e revolta mais ainda a fatalidade incontornável desta radiografia que acusa claramente a osteoporose da moralidade e da pretensão política de assento parlamentar.
Ao raio X os cidadãos não passam de perene memória e de uma realidade patrimonial que ocupa umas manchinhas brancas lá para a zona dos intestinos.
Tudo o resto à volta é massa óssea desfeita, ou à beira disso, e de ambígua tonalidade.
Dos pulmões ao abdómen sobressai a nefasta androgenização da Direita e da Esquerda que se faz nova Esquerda e nova Direita, se em período de seca, ou de uma que afinal é intrinsecamente a outra, e vice-versa, quando sólida no poder mesmo que rala da ideologia que a configura.
Uma mais séria que a outra? Não.
Segundo o mesmo politólogo é como a dança das cadeiras, move-os o resultado mais vantajoso para a sua classe social, política, ideológica, económica e empresarial, mas ainda não a vontade e necessidade do cidadão-base, que também não é mais evoluído e chega a ser cúmplice desta prevaricação através do fenómeno de absolutização do eleito e da reforma que ele representa, e, portanto, quando manifestamente insatisfeito é arrogante no voto útil que não sente mas que dá por não desejar mudar a sua orientação, mesmo se contraproducente ou perigosa para uma maioria que se forma.
O valor e a identificação cultural e política que o partido eleito ganha não é nunca o resultado directo do voto de consciência social e construtiva mas do voto conformado e ainda ligado aos deveres cívicos.
A Direita e a Esquerda em Portugal fundamentalmente «nasceram do nada» convulsivo-revolucionário, ao contrário dos comunistas, e esta ausência de origem sócio-cultural é o que explica os revezes da história parlamentar e a precariedade da sua consolidação na praxis enquanto estruturas teóricas.
A idónea consciência especialista atreve-se ainda a afirmar que o CDS não foi só parido pela extremosa, dedicada e Primeira Dama 'politicista' Helena Sacadura Cabral (permitam-me o mexerico), mas também é filho do desvirtuamento da Esquerda e da Direita actuais e sobrevive no fosso dos cidadãos desorientados que foi gerado pela sua descontinuidade teórica.
O mesmo será dizer que é fruto nosso, do cidadão desiludido e vingativo por sentencioso e disso ao menos Paulo Portas pode gozar de próximo às gentes do povo.
O pior é que o estudo também sugestiona que se não nos 'pomos a pau', incorremos a acordar numa manhã de ditadura, como aliás os nossos congéneres europeus.
Afinal não é osteoporose que a radiografia indicava mas prognóstico bem pior: Microencefalia Governativa e Depressão Pós-Parto é o que Portugal tem neste momento.