sexta-feira, dezembro 17, 2004

Pichagens III (das terras do Tio Sam)

Filosoficamente obriga-me a pertinência provinciana e a fibra contestária do 'poveco' que muralhei anteriormente em conjunto com as dúvidas engasgadas (sobre a forma e conteúdo) do meu amigo bloguista - clara evidência do 'tresmalhamento' do Povo enquanto classe social - à Declaração de Princípio de Sanidade Cívica e Socialidade para confirmação, no meu entender importante, da inegável mundanície, espécie de sarna que contagiou os políticos de hoje, que lhes corrói a lógica de justiça e de ética e os deixa somente sensíveis à perversão das suas metas pessoais e conjecturais no universo público do seu aburguesamento político.
Acompanhamos agora a classe política num ‘gozo’ e sátira cúmplices dos seus pares, um espectáculo de querelas partidárias e protocolares de uniões de facto para futuras alianças oficiais, tudo episódios novélicos a deslizar para o burlesco parlamentar de colarinho branco.
O que agora nos entretém e é verdadeiramente anedótico não será tão inofensivo quanto parece e pode significar a amnésia a longo-prazo do sentimento de arbitrariedade do mortal comum para defesa de seu 'condado'.
Por aqui me fico e termino a secção das Pichagens assinando-a por baixo neste moderno e ainda livre instrumento da ingerência 'espionática' e excelente veículo para a fundamentação 'opinista' ao que parece ainda jovem e imatura para controle tentacular da Comunicação Alienada.
Faço tábua rasa dos sentimentos de contrariedade que vim sugerindo e face à óbvia perda de identidade do vocabulário da pertinência popular e da crítica cáustica (por legítima) deixo então a expressão apurada (por erudita) da linguagem dos poetas que na sua coorporação livre de interesses sempre ameaçaram e inquietaram a serenidade do convencimento político.

I
De par com as tuas cinzas,

aqueles ainda mal acabados de escrever,
suprimindo a ode, as atiçadas raízes,
a estraneidade do olhar — com mãos embrutecidas,
arrastaram-te para a cidade,
apertaram-te neste laço de gíria,
e nada de ofertaram.
A tua tinta aprendeu a violência das paredes.
Banida, mas sempre rumo à fraternal quietude do coração,

revolves os seixos da velada terra,
e compões o teu lugar por entre os lobos.
Cada sílaba é um trabalho de sabotagem.

(…)

II
Nada menos que nada.
Na noite que vem
Do nada,
Por ninguém
na noite que não vem.
E o que se firma na orla da brancura,
Invisível
Ao olhar daquele que fala.
Ou uma palavra.
De nenhum lugar
vem na noite
daquele que não vem.
Ou a brancura de uma palavra
riscada
contra a parede.

Paul Auster