quinta-feira, dezembro 30, 2004

2 Homens em 2 épocas da sua quadratura cósmica

"DE MOTU" (ou O Movimento de Galileu)
Nascem homens simples e à parte da conjuntura ideal, há sempre uma variável cósmica e catalisadora que os seduz a avançar incrédulos na conquista do tempo histórico e comprovado.
Intervêm exponencialmente ou apenas servem o exército humano da sua verificação e contrariedade, mas até mesmo esses foram necessários para erigir lentamente o mundo, na universalidade que ele encerra e significa, o mesmo mundo dos visionários intemporais que esperaram sempre alcançar mais.
Galileu nasceu à 440 anos (1564), simples e mortal, mas entendeu rebelar-se ao que outros davam por absoluto e de existência quantificada: o movimento na sua correlação com a gravidade.
Baralhou a dinâmica da física à revelia dos eruditos da matéria e dedicou-se ao que viria ser a Magnetosfera, na convicção de que a terra como corpo aparentemente inerte não seria necessariamente morto e sem dinâmica: "De Motu".

Propôs um Tratado do Movimento Natural da Velocidade Uniforme de um Corpo e aperfeiçoou Copérnico nas novas teorias de que a terra também se move e não só outros planetas à volta dela.
Com a nova 'figuração' da inércia, obrigou a instalada sociedade científica a olhar diferente o globo, subtraindo alguma divindade ao sol e conferindo à atracção da terra também a génese aglutinadora da vida que nela se desenvolve.
Talvez por não haver televisões obtusas e hábeis no mercantilismo da superficialidade de cada um e da individualidade insípida e marginal de todos, Galileu nasceu simples, cresceu numa civilização quadrada à dinâmica e movimento planetário e fez-se homem genial para lá do seu tempo... Para outras galáxias...

JULIÃO SARMENTO - “Ghosts”
Descoberta a susceptibilidade da terra no movimento em torno da verdadeira energia cósmica que é o Sol (ou pelo menos um dos sóis até agora contemplados), e se nela não está unicamente a fórmula do homem e dos seus contornos evolucionistas (só a expressão do tempo histórico do primata moderno) onde estará então a passagem do tempo invisível ao cunho humano?

Onde se estreita e confina o tempo vivificado do ser no seu crescendo e fluxo não perecível à instrumentalização do mortal comum e da ciência?
"Ghosts" demonstra a mesma irreverência exploratória e incredulidade na desconstrução do indivíduo enquanto energia viva e passível de se cercar para observação 440 anos depois.
Nascido antes das revoluções estéticas dos explosivos e livres anos oitenta, Julião Sarmento tem contrariado os ditames artísticos na abordagem e percepção do centro vivo e espectro fecundo donde tudo brota e para onde tudo precisa urgentemente convergir, se racionalizar e consolidar: o homem contemporâneo.
Galileu explorou a relação física do sólido na atmosfera e, em consequência, essa ficisidade de movimento consigo mesmo.

Mas Julião Sarmento entendeu ousar mais e suscitar a memória volátil e o registo etéreo da acção humana que não se permite representar por forma ou conteúdo palpável: a acção energética e o rasto de partículas invisíveis que um corpo faz e logo desfaz numa fracção de segundos em que se movimenta de um lado para outro e de uma fracção para outra fracção de tempo.
Enquanto na figuração tradicional do movimento e da acção no espaço ocupado (enquanto fluxo energético) Galileu se ocupou das formas visíveis da matéria, já o artista plástico sugere uma representação (anti)pictórica de uma fórmula do hipotético fantasma que deixamos representado e ainda continuamos a constituir, sem ser o mesmo que éramos, nesse mesmo tempo invisível e espacial.
Mas o que é esse fantasma, senão a energia em calor e frio, a fisicidade dos atómos omissos e inconfiguráveis a escalas de percepção comuns.

Um corpo que deixa um rasto só imaginável pela sombra ou pela memória da acção. O corpo da pessoalidade transparente, súbtil e autónomo que nunca evidenciamos porque penúmbrico à visualidade.
Julião Sarmento quis que fosse o que cada um interpretasse e apenas permitir a visualização desse registo não reconhecível a olho nu, mas real e vivo.
Não importa que tenha precisado de recorrer a sofisticada tecnologia de sensores fotoeléctricos para que o registo presencial fosse visível.
O que importa é a pertinência de entre quatro paredes o esteta provar a habitalidade invisível, afinal não tão neutra ou inócua, porque sem fronteiras espaciais matéricas.
Importou mostrar que a quota parte do espaço do tempo vivenciado que não é linear e mesurável é também registo da passagem de cada um.
Cruzam-se dois homens longe no tempo mas na mesma proposta do homem no espaço e com o seu tempo.
Une-os a ousadia de sair da sua própria representação configurada em forma, peso e individualidade cultural e propõem a simplificação do homem a uma força e energia que se movimenta e o que na perpetuação do movimento ele também ganha como individualidade.
Em "Ghots" a personalidade está no fluxo energético, na velocidade e no fantasma que o movimento define num tempo presente, anterior e posterior.