(VIII) António todos os dias procurava aquele buraco negro e silencioso
António volta à sala saciado do almoço e surpreende sua mulher enrolada como um gato no robe velho de lã e junto à janela numa expressão triste e abandonada.
Ela sente-o aproximar-se como que com medo, olha para ele esboçando um sorriso maternal e vê o menino que se fez homem, o transmontano de que nunca se apartou, nem quando lhe diagnosticaram um mioma e sujeitou-se à indigência médica de um talhante qualquer que a esventrou e arrancou as entranhas como se faz a um porco, as entranhas doentes e as menos doentes, só lhe deixando um buraco negro e silencioso que António todos os dias procurava preencher com amor e dedicação.
O conforto moderno das classes urbanas peca pela arrogância e o ultraje às gentes do campo, essas que conhecem a luta e a resistência ao frio gelado e à chuva fustigante do Inverno transmontano.
É precária a vida à beira do lume frágil e triste que a pedra das casas quer abafar e nos bancos rijos de madeira onde homens e mulheres fustigam as brasas sem descanso para que o frio não as vença e o Inverno não as leve.
No campo onde as mulheres vivem a vida e a morte em comunhão, as ruas são mais alegres e humanas. Quem por lá passe tem garantida a cordialidade e a prestação de todos, esses que vivem um dia de cada vez sem que o juízo e a má-fé lhes sirva para ensinamento.
António é bom homem e da sua aldeia Clotilde nunca se há-de apartar que ela está em si e nele que todos os dias a serena com o amor e a dedicação, aquele transmontano afecto e sensível por sózinho ter encontrado uns ‘braços de família’ que o pai severo lhe negou pela amargura de muito cedo ter perdido a mulher e o amor apaixonado.
- Já estás de robe mulher? Que fazes? Não vamos sair hoje Clotilde? - entretanto na sala.
- Não me sinto bem - sugeriu pouco convencida - acho que vou ver um pouco de televisão.
[Onde pára a minha aldeia? Onde páram as mulheres da minha aldeia? ]
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