quarta-feira, novembro 03, 2004

(VI) António fez-se criança frágil e sensível por sózinho ter que encontrar uns 'braços de família'

Esqueceu-se da mala nova e querida no degrau da escada e deixou o marido no sofá sentado e suspenso nas linhas do jornal para despir a folga caprichosa da semana que lhe descobria as pernas que António dizia serem bonitas e finas e reencontrar-se de novo consigo no quarto, sem o bodum e tão perfumada quanto o pequeno-almoço que não chegara a partilhar com a urbe feminina do bairro - durante a semana tinha-a como clientela do outro lado do balcão e só à 2ª feira sentia-a igual a si, porque do lado de fora dele a arrogância de ser servida esquecia-a.
A indiferença tremia-lhe arrependida que António era homem corajoso e quente como nenhum que conhecera em nova na sua aldeia e até hoje em Lisboa.
Criado por um pai severo e ausente de afectos pela amargura de muito cedo ter perdido a mulher e o amor apaixonado, fez-se criança frágil e sensível por sózinho ter que encontrar uns ‘braços de família’ e consumir a inocência no trabalho do campo.
Fora conquistada por uma cumplicidade e amizade fora do comum entre os homens e as mulheres, em particular naqueles meios tão pequenos.
Conheceu-o despretencioso e aventureiro com os bens terrenos e estranho aos amores comuns. Quando em namoro se encontravam, discorria horas seguidas sobre as viagens que ambos iriam fazer e as cidades que os esperavam, grandes e loucas como as feiras e os circos que às vezes chegavam à aldeia e deixavam todos em delírio com a sua magia.
A António nunca se lhe aperta o coração por não voltar a Trás-os-Montes.
Lembra a aldeia em nostalgia mas de afectos basta-lhe a mulher que o completa com a generosidade apurada que tem.
Completa-o pela que o pai nunca lhe fizera sentir ou pela da mãe que não chegara a conhecer.
António conquistou a rapariga doce e ingénua do campo com o apelo ao colo protector e a companhia dedicada como faz qualquer rapaz ainda jovem e dependente de sua mãe.