Palavras e vidas do antigamente….
- Bom dia, N’ita. Já comestéis? Estás de bojo seco?
- Bom dia avó. – beijo-a e sou envolvida num fraterno abraço.
- Ai, minha rica filha, como te saudava…
Ah N’ita, quéreis comer algo? Tenho cevada, lá bem no pote, tenho broa…
Não tenho migas que teu avó leva-as de janta, na almoçadeira p’rá vinha, minha filha.
- Obrigado avó. – Sento-me na laje dianteira da casa a ver o Marão que se ergue dominante.
- Ah N’ita!!! Vai-te alinhar filha que não estás a preceito! Irra! Não és nada andadeira, filha, ou estáis mouca?
Os tempos mudam e a inércia das pessoas está embebida nessas vagas temporais. Como as marés, as palavras vão e vêem, umas vezes iguais, outras vezes um pouco diferentes ou até mesmo inovadas de conteúdo. Não damos por estes avanços que respiram connosco, a não ser quando na contemplação ou no retorno à memória, onde nos surpreendemos com sons e sentidos que não nos dizem nada ou já parecem desajustados.
É isto que me intriga sempre que visito meus avós transmontamos numa pequena e enterrada aldeia entre os vales do Marão.
Fascina-me esta linguagem porque não a compreendo mas seduz-me também. Os seus diálogos são histórias vivas de gente e lugares que já perecerem, que me encantam e suspeitam de códigos e valores de um retrato humano admirável.
Grande parte é-me inantingível, eu que disto sessenta e tal gerações destes camponeses. Para não falar da minha configuração urbana onde esta existência rural, a vivê-la, apresenta-se como mito ou utopia. Dela tenho a percepção idílica e falseada que me dá a literatura e principalmente a pintura. Um imaginário irreal de pureza e simplicidade vivencial com o mundo, que é um mundo contrário ao nosso demasiado grande para nos encontrarmos.
É universo linguístico inacessível e estranho porque não só temos a grande distância temporal do seu léxico como as próprias características sociais e humanas da época recriam outros significados e valores próprios.
Um dia ouvi dizer:
“Filha…. não vale a desgraça transida d’outros se, em morte, puderem voltar para danar e roubar a tua alminha. É força maior que o vento o amor dos que cá ficam. Estima com viço os Teus e deixa os desdenhosos e repimpados, que Deus S’háde amanhar.
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