Historieta (II)
Nos portões dourados do Céu, um querubim interpelou-me com alguma hesitação:
- Dizei-me, donzela, porque não havéis deixado marido nem filhos na terra insana?
Ao que serenamente respondi:
- O que te perturba pequeno querubim? Tens desconfiança dos trinta anos que te ofereço sem remorso? Amei sem perguntas e em toda a liberdade deste meu corpo, até mais não poder. Adorei incondicionalmente todos os que em mim semearam a força da Primavera orgulhosa, os seus frutos carnudos e estimulantes para os sentidos. Sofri a colheita dos aromas silvestres e sabores quentes, enquanto as forças mo permitiram.
É por seres anjo que não o entendes?
Representas o belo e a perfeição em harmonia, e não és justo com os meus sonhos. Em mim homens espoliaram e de fantasias fizeram fortuna, sem que algum ónus lhes tenha sido exigido a não ser o segredo desse mesmo amor verdadeiro.
Embalei com abraços, ora frenéticos no orgasmo, ora ternos de satisfação serenada, e neste meu ventre eles suaram nervosos a sua culpa. Sobre os meus seios jaz a memória do sémen quente e apressado que a paixão libertou.
Fui leito protector do rapaz que se fez homem na noite misteriosa que estas coxas encerram.
Ofereci o repouso aos seus sexos exaustos e a glória para a alma conquistadora.
Se, ainda assim, as tuas dúvidas persistem ou se hesitas mesmo ao meu convencimento, mais não direi.
Reservo estes meus lábios para os segredos desses membros ditadores e mensageiros vorazes que são do amor e da paixão cega e implacável.
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